Nos últimos três anos, o mundo enfrentou uma pandemia global sem precedentes, a COVID-19. Durante esse período, a busca por informações sobre saúde, imunidade e nutrição disparou, impulsionada pelo desejo de fortalecer o sistema imunológico e proteger-se contra doenças.
No entanto, essa busca incessante também abriu espaço para discursos tendenciosos e informações equivocadas. Embora seja óbvio que existe uma relação direta entre nutrição e imunidade, é crucial ir além dos conteúdos superficiais e compreender as nuances para evitar disseminar informações distorcidas e mal interpretadas.
Para quem tem o mínimo de conhecimento de biologia, pode ser até tolo dizer que existe uma relação entre a nossa alimentação e o nosso sistema imunológico. Afinal, como seres humanos, somos feitos de nutrientes e, portanto, tudo relacionado ao funcionamento básico do nosso corpo está diretamente ligado à alimentação. O controle e modulação consciente deste funcionamento, por meio da alimentação, entretanto, não é tão simples quanto muitos alegam ser.
Afinal o que é imunidade?
A imunidade, palavra originada do termo para um contexto de proteção política em latim “immunitas“, refere-se à capacidade do nosso organismo de se proteger (responder) contra invasores indesejados, como bactérias, vírus e ainda outras substâncias como proteínas e carboidratos específicos.
A resposta imune, em sua essência, envolve dois passos cruciais: o reconhecimento do patógeno ou substância estranha, seguido pela ativação de uma reação específica direcionada a esse elemento, visando a sua eliminação.
Esse processo intricado e coordenado desencadeia uma série de eventos no organismo, mobilizando células e moléculas especializadas para combater a ameaça e restaurar a saúde. (Chaplin, 2010).
Contudo, dada a complexidade dos processos, avaliar a capacidade de resposta do sistema imunológico não é uma tarefa fácil, já que são necessárias diversas mensurações diferentes para que seja feita uma interpretação adequada.
De forma geral, a contagem de células e subclasses de leucócitos é o exame mais realizado pelas pessoas e normalmente é por ele que os médicos dirão frases do tipo “a sua imunidade está baixa” – entretanto, vale ressaltar que esta contagem não fornece informações sobre a função celular e ainda que possa ser usada rotineiramente em clínicas e ambulatórios, não é a resposta definitiva sobre a imunocompetência de um indivíduo (Albers et al., 2005).
Dá para deixar a imunidade mais forte por meio da alimentação?
O fortalecimento da imunidade é um objetivo desejado por muitos, no entanto, sua modulação depende de uma variedade de fatores além da alimentação.
A idade, o gênero (influenciado por hormônios e ciclo menstrual), a composição corporal, o comportamento alimentar, o exercício físico, o tabagismo, fatores genéticos, a presença de infecções ou outras doenças, o estresse psicológico, a privação do sono, o consumo de álcool e medicamentos, assim como a história de vacinação e infecção, desempenham um papel na modulação do sistema imunológico.
Portanto, é necessário considerar esses diversos aspectos para compreender e promover uma imunidade saudável e equilibrada.
A qualidade e a diversidade dos nutrientes que consumimos têm um impacto significativo no fortalecimento do nosso sistema imunológico (veja o Quadro 1). Todavia, é fundamental reconhecer que a suplementação descabida de micronutrientes para indivíduos saudáveis pode ter um efeito reverso para a imunidade e só deve ser considerada em situações clínicas específicas.
Proteínas | A ingestão inadequada de proteínas compromete as defesas do organismo. A pele torna-se mais fina e vulnerável, enquanto a mucosa e o intestino sofrem redução na concentração de anticorpos e tamanho das microvilosidades, tornando o ambiente propício para invasores. Além disso, a desnutrição proteica prejudica o sistema complemento e a capacidade dos fagócitos de atuarem adequadamente. Peptídeos e proteínas antimicrobianas desempenham um papel crítico na prevenção e combate a microrganismos invasores. A redução da ingestão de proteínas pode ocorrer juntamente com deficiências de micronutrientes, agravando ainda mais a capacidade de defesa do organismo. A desnutrição grave e crônica pode comprometer órgãos linfoides, prejudicando a defesa imunológica. É fundamental lembrar que as dietas vegetarianas e veganas, embora cada vez mais populares, podem ser potencialmente prejudiciais se não forem devidamente planejadas e acompanhadas por profissionais de saúde. |
Vitamina A | A vitamina A desempenha um papel importante na saúde ocular, crescimento, desenvolvimento e função imunológica. A suplementação de vitamina A em crianças mostrou potencial para melhorar a resposta imunológica em algumas vacinas e aumentar a imunidade contra certos vírus. No entanto, é importante ressaltar que cada caso deve ser avaliado individualmente e a suplementação de vitamina A deve ser realizada sob orientação e supervisão médica, levando em consideração as necessidades específicas de cada criança. |
Vitaminas do Complexo B | As vitaminas do complexo B, como a B6, B12 e o ácido fólico, desempenham papéis importantes na modulação da resposta imune e na manutenção da barreira intestinal. A vitamina B6 está envolvida na diferenciação e proliferação de linfócitos, além de influenciar sua migração para o intestino. A vitamina B12 participa de vias relacionadas à síntese de DNA, sendo essencial para a proliferação celular, e sua deficiência pode afetar a contagem de linfócitos e a atividade das células natural killer. A deficiência de vitamina B12 também pode levar a alterações no metabolismo do folato, prejudicando a síntese de purinas e a secreção de imunoglobulinas. Por sua vez, o ácido fólico desempenha um papel crucial na síntese de ácidos nucleicos, favorecendo a atividade de células T reguladoras, a citotoxicidade das células natural killer e a produção de anticorpos. É importante garantir a ingestão adequada dessas vitaminas para o bom funcionamento do sistema imunológico. |
Vitamina C | A vitamina C desempenha um papel essencial na imunidade, atuando em várias funções relacionadas à defesa do organismo. Ela ajuda a manter a função de barreira contra patógenos, estimula a síntese de colágeno e contribui para a diferenciação e proliferação de células imunológicas. A vitamina C também auxilia na migração de células envolvidas na resposta imune e na atividade de combate a intrusos. A deficiência de vitamina C compromete a imunocompetência e aumenta a suscetibilidade a infecções, tornando importante garantir um adequado aporte dessa vitamina para a saúde imunológica. |
Vitamina D | A vitamina D atua em diferentes tecidos e células do sistema imunológico, incluindo neutrófilos, macrófagos e células dendríticas, desempenhando um papel relevante na regulação das respostas imunes e inflamatórias. A forma ativa da vitamina D induz respostas antimicrobianas e protege a mucosa intestinal, além de reduzir a expressão de citocinas pró-inflamatórias e aumentar a expressão de citocinas anti-inflamatórias. Estudos clínicos têm mostrado associações entre a deficiência de vitamina D e a suscetibilidade a infecções respiratórias agudas, e a suplementação de vitamina D em casos de deficiência tem sido associada à redu��ão do risco dessas infecções. |
Vitamina E | A vitamina E possui um poderoso efeito antioxidante e trabalha em conjunto com outros nutrientes para proteger as membranas celulares contra danos causados por espécies reativas de oxigênio. Ela também desempenha um papel na produção de citocinas, proliferação de linfócitos e atividade citotóxica das células natural killer, além de otimizar certas respostas imunes e suprimir outras. |
Minerais | O zinco, selênio, cobre e ferro destacam-se entre os minerais por seus papéis na função imunológica. O zinco é necessário para a proliferação e diferenciação das células do sistema imunológico. O selênio atua na resposta imune, especialmente na redução do estresse oxidativo, e o cobre possui propriedades antimicrobianas e participa da produção de células T e de anticorpos. O ferro é essencial para a síntese de DNA e está envolvido na regulação da produção de citocinas e na atividade oxidativa dos neutrófilos. No entanto, é importante manter um equilíbrio adequado desses nutrientes, pois deficiências ou excessos podem afetar negativamente o sistema imunológico. |
Então, como eu posso ajudar o paciente em relação a sua imunidade?
Todo o nutricionista que têm uma visão global sobre alimentação saudável e comportamento já está ajudando diretamente os pacientes em relação a sua imunidade.
É crucial compreender que a imunidade é influenciada por diversos comportamentos saudáveis e não se resume apenas à ingestão de determinados nutrientes.
Embora o conhecimento sobre a relação entre nutrientes e o sistema imunológico seja relevante em situações clínicas específicas, não existe um conceito de “potencializar a imunidade” em indivíduos saudáveis.
Explicar essa complexa relação para os pacientes pode ser fundamental, pois os auxilia a deixar de buscar soluções simplistas, como “shots de imunidade”, e a compreender a saúde de forma mais ampla.
Referências
- Albers R, Antoine JM, Bourdet Sicard R et al. Markers to measure immunomodulation in human nutrition intervention studies. Br J Nutr 2005;94(3):452-81.
- Calder PC. Biomarkers of immunity and inflammation for use in nutrition interventions: International Life Sciences Institute European Branch work on selection criteria and interpretation. Endocr Metab Immune Disord Drug Targets. 2014;14(4):236-44.
- Calder PC, Carr AC, Gombart AF et al.. Optimal nutritional status for a well-functioning immune system is an important factor to protect against viral infections. Nutrients 2020;12(4):1181
- Chaplin DD. Overview of the immune response. J Allergy Clin Immunol 2010;125: S3–S23.
- Gombart AF, Pierre A, Maggini S. (2020). A review of micronutrients and the immune system–working in harmo- ny to reduce the risk of infection. Nutri- ents 2020;12(1):236
- Jolliffe DA, Griffiths CJ, Martineau AR. Vitamin D in the prevention of acute respiratory infection: systematic review of clinical studies. J Steroid Biochem Mol Biol 2013;136:321-9.
- Maggini S, Pierre A, Calder PC. Immune function and micronutrient requirements change over the life course. Nutrients 2018;10(10):1531.
- Saeed F, Nadeem M, Ahmed, RS et al. (2016). Studying the impact of nutritional immunology underlying the modulation of immune respons- es by nutritional compounds–a re- view. Food Agricultural Immunol 2016;27(2): 205-29.
- Wang G. Human antimicrobial peptides and proteins. Pharmaceuticals 2014;7(5):545-94.
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