O papel de alguns nutrientes na Saúde Mental  

Nutrientes e saúde mental: descubra como a alimentação impacta o bem-estar psicológico. Janeiro, mês da conscientização da saúde mental.


A saúde mental é um estado de bem-estar que permite aos indivíduos lidar com os desafios do cotidiano, desenvolver suas capacidades, contribuir para a sociedade e viver de forma produtiva. Esse equilíbrio é influenciado por uma ampla gama de fatores, incluindo componentes genéticos, psicológicos, sociais e comportamentais.  
 
Entre esses fatores, os hábitos alimentares têm ganhado atenção por sua relação com o funcionamento cerebral e o impacto em condições mentais, como depressão e ansiedade. 

Embora a nutrição seja, de fato, um elemento importante na manutenção da saúde geral, sua influência direta sobre a saúde mental é complexa e ainda não totalmente compreendida. É crucial explorar essa relação com base em evidências recentes e reconhecer as limitações dos estudos disponíveis, evitando conclusões simplistas ou sensacionalistas. 

Os nutrientes e sua relação com a saúde mental  

Diversos nutrientes têm sido investigados por sua possível influência no cérebro e na saúde mental. Estudos recentes sugerem que alguns desempenham papéis importantes, mas os resultados muitas vezes apresentam limitações que impedem generalizações definitivas. Entre os principais nutrientes estudados estão: 

Ômega-3: Essenciais para a fluidez das membranas neuronais e a neurotransmissão, os ácidos graxos ômega-3 têm sido associados à proteção contra processos neurodegenerativos. Estudos observacionais indicam que populações com maior consumo de ômega-3 podem apresentar menor prevalência de depressão, mas esses estudos não conseguem determinar se o ômega-3 é a causa direta ou se outros fatores, como o estilo de vida, influenciam esses resultados. 

Triptofano: Esse aminoácido essencial é um precursor da serotonina, neurotransmissor relacionado ao humor. Sua ingestão adequada está associada a efeitos positivos no comportamento e na saúde mental. No entanto, o impacto do triptofano na saúde mental varia conforme o contexto alimentar e o estado de saúde geral do indivíduo, e não existem evidências suficientes para apoiar a suplementação generalizada. 

Magnésio: Importante para a regulação de neurotransmissores e mecanismos anti-inflamatórios, o magnésio tem sido associado à redução de sintomas depressivos. Entretanto, estudos com maior rigor metodológico indicam que os efeitos positivos podem ser limitados a indivíduos com deficiência do mineral, e não à população em geral. 

Zinco: Esse mineral participa de processos de neurogênese e plasticidade sináptica. Embora a deficiência de zinco seja associada a maior risco de transtornos mentais, ainda não está claro se a suplementação em indivíduos com níveis adequados teria benefícios significativos. 

Selênio: Reconhecido por suas propriedades antioxidantes, o selênio pode proteger o cérebro contra danos oxidativos. Contudo, estudos sugerem que níveis excessivos podem estar associados a transtornos de humor, ressaltando a importância do equilíbrio. 

Ferro: Essencial para a mielinização de axônios e a produção de neurotransmissores como dopamina e serotonina, o ferro apresenta uma relação bidirecional com a saúde mental. Enquanto sua deficiência pode levar a sintomas depressivos, o excesso de ferro ao longo do tempo também pode causar danos neuronais. 

Esses exemplos destacam que nutrientes específicos desempenham papéis fundamentais no cérebro, mas suas ações não ocorrem isoladamente. O impacto de cada nutriente depende do contexto alimentar e das condições individuais. Embora a ingestão de nutrientes específicos desempenhe um papel no funcionamento do cérebro, fatores comportamentais e sociais relacionados à alimentação muitas vezes têm maior impacto na saúde mental.

Um exemplo é a relação entre alimentação emocional e transtornos mentais, como ansiedade e depressão. Comer em resposta a emoções negativas pode agravar os sintomas psicológicos e perpetuar um ciclo de comportamento alimentar prejudicial. 

Além disso, estudos populacionais indicam que a qualidade geral da dieta está mais frequentemente associada ao estresse do que aos próprios transtornos mentais.  
 
Isso significa que, embora a má qualidade da alimentação possa acompanhar o desenvolvimento de sintomas psicológicos, ela muitas vezes é uma consequência, e não a causa direta do problema. Assim, intervenções que considerem o contexto emocional e social da alimentação têm maior chance de sucesso do que abordagens baseadas exclusivamente em nutrientes. 

Desafios na interpretação das evidências  

Os estudos que investigam a relação entre dieta e saúde mental frequentemente enfrentam limitações que devem ser levadas em conta para evitar interpretações equivocadas. Por exemplo, um estudo recente identificou uma associação positiva entre níveis mais altos de vitamina D e menor prevalência de sintomas depressivos.  
 
No entanto, o desenho transversal da pesquisa não permite determinar se níveis baixos de vitamina D causam depressão ou se a depressão leva à redução da exposição ao sol e, consequentemente, a menores níveis da vitamina. 

Além disso, a maioria dos estudos sobre alimentação e saúde mental utiliza métodos de coleta de dados suscetíveis a erros, como questionários de frequência alimentar, e muitas vezes não considera fatores de confusão, como condições socioeconômicas ou histórico familiar de transtornos mentais.  
 
Essas limitações reduzem a capacidade de identificar relações causais claras entre alimentação e saúde mental. 

O papel do nutricionista no cuidado integral à saúde mental  

A saúde mental é multifatorial, e o papel do nutricionista não deve se limitar à prescrição de alimentos ou suplementação. Considerar as realidades individuais e o contexto de vida do paciente é essencial para construir estratégias efetivas e éticas. É nesse ponto que abordagens comportamentais, como o comer intuitivo, ganham relevância. 

Estudos recentes têm demonstrado que intervenções nutricionais baseadas no comer intuitivo podem beneficiar pacientes com transtornos mentais graves. Em um programa que integrou nutrição e exercício físico, participantes com essas questões apresentaram melhora na congruência entre as escolhas alimentares e as necessidades do corpo após a intervenção, mesmo diante de limitações como altos índices de IMC e níveis elevados de sofrimento psicológico. 

Esses dados reforçam que abordagens comportamentais, como o comer intuitivo, podem ajudar pacientes a reconectar-se com os sinais internos de fome e saciedade, promovendo escolhas alimentares mais conscientes e alinhadas ao bem-estar geral.  
 
O nutricionista pode integrar essas estratégias em sua prática, incentivando os pacientes a observar suas sensações corporais e contextos emocionais como parte do cuidado. 

Na prática clínica, o nutricionista pode implementar estratégias simples que integram o comer intuitivo à rotina dos pacientes. Por exemplo: 

  • Incentivar refeições regulares em um ambiente tranquilo, ajudando a melhorar a percepção dos sinais de saciedade. 
  • Trabalhar em conjunto com outros profissionais para abordar questões emocionais e reduzir o impacto do estresse na alimentação. 
  • Adaptar intervenções para respeitar o contexto social e econômico do paciente, evitando metas irreais que possam gerar frustração. 

Essas práticas refletem o compromisso ético de ir além de uma visão reducionista, considerando as múltiplas dimensões da saúde mental.  
 
Cabe ao nutricionista equilibrar o conhecimento com o entendimento do contexto, aplicando as evidências científicas de forma sensível e responsável. Assim, é possível integrar a nutrição ao cuidado da saúde mental, promovendo benefícios que vão além do biológico e alcançam o psicológico e o social. 

Texto por Felipe Daun: nutricionista, mestre e doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP. Aprimorando em Transtornos Alimentares pelo AMBULIM IPq-FMUSP. Professor do Instituto Nutrição Comportamental e colaborador da Academia da Nutrição. 

Referências Bibliográficas:  

  • Campisi, S. C., Zasowski, C., Bradley-Ridout, G., Schumacher, A., Szatmari, P., & Korczak, D. (2024). Omega-3 fatty acid supplementation for depression in children and adolescents. The Cochrane database of systematic reviews, 11(11), CD014803. https://doi.org/10.1002/14651858.CD014803.pub2 
  • Carnegie, R. E., Zheng, J., Borges, M. C., Jones, H. J., Wade, K. H., Sallis, H. M., Lewis, S. J., Evans, D. M., Revez, J. A., The Major Depressive Disorder Working Group Of The Psychiatric Genomics Consortium, Evans, J., & Martin, R. M. (2024). Micronutrients and Major Depression: A Mendelian Randomisation Study. Nutrients, 16(21), 3690. https://doi.org/10.3390/nu16213690 
  • Chen, Y., Sun, Z., Zhang, Y., Zhou, R., Lin, X., Du, Y., Xu, J., Xu, Q., & Zang, J. (2024). The associations of dietary manganese, iron, copper, zinc, selenium and magnesium with cognitive outcomes in Chinese adults: a cross sectional study in Shanghai. Frontiers in nutrition, 11, 1424614. https://doi.org/10.3389/fnut.2024.1424614 
  • Dighriri, I. M., Alsubaie, A. M., Hakami, F. M., Hamithi, D. M., Alshekh, M. M., Khobrani, F. A., Dalak, F. E., Hakami, A. A., Alsueaadi, E. H., Alsaawi, L. S., Alshammari, S. F., Alqahtani, A. S., Alawi, I. A., Aljuaid, A. A., & Tawhari, M. Q. (2022). Effects of Omega-3 Polyunsaturated Fatty Acids on Brain Functions: A Systematic Review. Cureus, 14(10), e30091. https://doi.org/10.7759/cureus.30091 
  • Ferreira, A., Neves, P., & Gozzelino, R. (2019). Multilevel Impacts of Iron in the Brain: The Cross Talk between Neurophysiological Mechanisms, Cognition, and Social Behavior. Pharmaceuticals (Basel, Switzerland), 12(3), 126. https://doi.org/10.3390/ph12030126 
  • Henry, I., Korman, N., Johnston, D., Teasdale, S., Rocks, T., Childs, S., Russell, A., & Chapman, J. (2025). Intuitive eating predictors and outcomes in people with severe mental illness participating in a lifestyle intervention. Health promotion journal of Australia : official journal of Australian Association of Health Promotion Professionals, 36(1), e935. https://doi.org/10.1002/hpja.935 
  • LaChance, L. R., & Ramsey, D. (2018). Antidepressant foods: An evidence-based nutrient profiling system for depression. World journal of psychiatry, 8(3), 97–104. https://doi.org/10.5498/wjp.v8.i3.97 
  • Li, Y., Hua, L., Ran, Q., Gu, J., Bao, Y., Sun, J., Wu, L., He, M., Zhang, Y., Gu, J., & Ran, J. (2024). Plasma Polyunsaturated Fatty Acid Levels and Mental Health in Middle-Aged and Elderly Adults. Nutrients, 16(23), 4065. https://doi.org/10.3390/nu16234065 
  • Malau, I. A., Chang, J. P., Lin, Y. W., Chang, C. C., Chiu, W. C., & Su, K. P. (2024). Omega-3 Fatty Acids and Neuroinflammation in Depression: Targeting Damage-Associated Molecular Patterns and Neural Biomarkers. Cells, 13(21), 1791. https://doi.org/10.3390/cells13211791 
  • Pan American Health Organization. Mental Health [Internet]. Washington, DC: PAHO. Disponível em: https://www.paho.org/en/topics/mental-health
  • Rathod, R., Kale, A., & Joshi, S. (2016). Novel insights into the effect of vitamin B₁₂ and omega-3 fatty acids on brain function. Journal of biomedical science, 23, 17. https://doi.org/10.1186/s12929-016-0241-8 
  • Schweren, L. J. S., Larsson, H., Vinke, P. C., Li, L., Kvalvik, L. G., Arias-Vasquez, A., Haavik, J., & Hartman, C. A. (2021). Diet quality, stress and common mental health problems: A cohort study of 121,008 adults. Clinical nutrition (Edinburgh, Scotland), 40(3), 901–906. https://doi.org/10.1016/j.clnu.2020.06.016 
  • Tangney, C. C., Aggarwal, N. T., Li, H., Wilson, R. S., Decarli, C., Evans, D. A., & Morris, M. C. (2011). Vitamin B12, cognition, and brain MRI measures: a cross-sectional examination. Neurology, 77(13), 1276–1282. https://doi.org/10.1212/WNL.0b013e3182315a33 
  • Ward, R. J., Zucca, F. A., Duyn, J. H., Crichton, R. R., & Zecca, L. (2014). The role of iron in brain ageing and neurodegenerative disorders. The Lancet. Neurology, 13(10), 1045–1060. https://doi.org/10.1016/S1474-4422(14)70117-6 
  • Winter-van Rossum, I., Slot, M. I. E., van Hell, H. H., Bossong, M. G., Berger, G., Aschauer, H., Maat, A., Walitza, S., Lavan, O., Baeza, I., Dolz, M., Monducci, E., Fiori Nastro, P., Kroken, R. A., Lawrie, S. M., Díaz-Caneja, C. M., Renner, T., Schlögelhofer, M., Scharinger, C., Spalletta, G., … Kahn, R. S. (2024). Effectiveness of Omega-3 Fatty Acids Versus Placebo in Subjects at Ultra-High Risk for Psychosis: The PURPOSE Randomized Clinical Trial. Schizophrenia bulletin, sbae186. Advance online publication. https://doi.org/10.1093/schbul/sbae186 

Já pensou em anunciar na comunidade nutricional mais relevante do Brasil?
This is default text for notification bar