Nas últimas décadas, uma característica marcante da alimentação ocidental tem sido a presença de alimentos ultraprocessados, cujo a tendência é uma composição elevada de gordura, açúcar e sal. Enquanto essas substâncias, em suas diferentes formas, desempenham papéis cruciais tanto no organismo, como na palatabilidade e até a conservação dos alimentos, seu consumo excessivo vem sendo associado a uma série de desfechos adversos à saúde, em âmbito populacional.
Conscientes dessas implicações de saúde pública, há uma movimentação ao redor do mundo com uma variedade de políticas públicas visando desestimular o consumo destas substâncias.
Todavia, o consumo de sal e açúcar continua a exceder as recomendações em muitos territórios, incluindo o Brasil. O que, então, nutricionistas podem aprender com todo este complexo contexto quando suas atenções estão voltadas para um único paciente?
SAL, SABOR E SAÚDE | AÇÚCAR, ENERGIA E PRAZER |
É inegável o papel do sal na cultura alimentar brasileira, desde o seu uso histórico na conservação de alimentos (antes da indústria de alimentos) até o seu uso como ingrediente culinário, onde sua principal função é realçar o sabor – mas não é a única, já que ele também é utilizado para alteração da textura dos alimentos e em alguns casos específicos, como o preparo de pães e queijos, tem um papel fundamental na regulação da fermentação para conferir as características desejadas de cada um desses preparos. O sal de cozinha é composto por cerca de 40% de sódio e 60% de cloro, ambos minerais essenciais para o funcionamento saudável do corpo humano. O sódio, em particular, desempenha papéis vitais em várias funções como a manutenção do volume de fluido extracelular, o equilíbrio ácido-básico, a transmissão de impulsos nervosos e a contração muscular. Sem uma quantidade adequada de sódio, nosso corpo não pode realizar tais funções de forma adequada. No entanto, quando consumido em excesso, o sódio pode levar a várias complicações de saúde – mediada por vários mecanismos. A hipertensão arterial é uma das consequências mais conhecidas: o excesso de sódio circulante no sangue atrai água, aumentando o volume de fluido circulante e, consequentemente, a pressão nas paredes dos vasos sanguíneos. Além disso, há um prejuízo na função dos vasos sanguíneos, aumento da rigidez arterial e alterações na função renal, contribuindo ainda mais para o aumento da pressão arterial. | No café, na receita do pão, no suco azedo, no brigadeiro e em tantas outras preparações, o açúcar se faz muito presente no contexto alimentar do brasileiro. Suas funções não se resumem a adoçar, mas também fermentar, dourar, conferir diferentes texturas e conservar. Ao mesmo tempo, sua forma mais simples é uma fonte primária de energia para o corpo humano, essencial para o funcionamento de órgãos e células – ainda que não necessariamente tenha sua origem na ingestão do açúcar branco. Ainda que fundamental, o consumo em excesso e de forma contínua pode prejudicar tanto a regulação do seu próprio equilíbrio, ao estimular a resistência à insulina, como também contribuir para a obesidade e alterações no perfil lipídico ao ser convertido em gordura. |
Consumo excessivo da população ou do paciente?
Como profissional de saúde, o nutricionista precisa conhecer todos os mecanismos que regulam as funções normais do sal e do açúcar no metabolismo, bem como as consequências do excesso – mas também precisa entender o papel dessas substâncias nos contextos individuais e se apropriar dos estudos populacionais como uma referência e não uma regra absoluta. Esta noção é importante para não confundir os resultados que mostram o alto consumo de sal e açúcar no Brasil como uma verdade a ser “combatida” em cada paciente.
Por exemplo, o estudo mais recente que apontou que os “brasileiros” consomem em média 9g de sal por dia (valor acima da recomendação de 5g da Organização Mundial da Saúde), ainda que de âmbito populacional, especificamente para esta estimação não conseguiu atingir uma amostra representativa da população – o que impede alegações generalistas e certamente não significa que qualquer paciente que aparecer para uma consulta está consumindo algo em torno deste valor.
Ainda sobre o consumo de sal, apesar da recomendação da OMS, alguns estudos robustos (com dezenas de milhares de pessoas em diversos países) têm demonstrado que as consequências para a saúde cardiovascular só aparecem em ingestões diárias de mais de 12g de sal por dia. E que as recomendações de redução do consumo de sal só trazem benefícios para a saúde daqueles que já possuem predisposição para a hipertensão.
Como identificar e ponderar sobre a redução de sal e açúcar na prática
Seja para pacientes saudáveis, seja para pacientes que já apresentam comorbidades como obesidade, diabetes e hipertensão, é necessário entender não só sobre o que está sendo ingerido, como também os contextos que rodeiam a alimentação do paciente. Diversas ferramentas do cotidiano do nutricionista já serão suficientes para isso, como anamneses, diários alimentares e acompanhamento de exames
É interessante, porém, não se concentrar apenas nos pontos mais óbvios como número de cafés adoçados e frequência do uso de saleiro na mesa. Menos interessante ainda é aterrorizar o paciente sobre o quanto ele consome de açúcar e sal – essa abordagem definitivamente não ajuda ninguém.
Sal e açúcar estão presentes em toda a alimentação, e o crescente aumento desta ingestão em nível populacional acompanhou justamente o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados e mudanças nos hábitos dos brasileiros – assim, o incentivo à culinária e a busca por estratégias que incluam mais alimentos minimamente processados e in natura à alimentação são formas que, indiretamente, contribuirão para a redução da ingestão de sal e açúcar, mesmo sem mencionar este aspecto.
Caso, dentro da realidade do paciente, seja realmente necessário trazer o assunto à tona – faça-o voltando o seu olhar para os comportamentos envolvidos e em cima destes comportamentos, em conjunto com o paciente, poderão ser buscadas metas e estratégias rumo a uma alimentação mais saudável.
Entender o consumo populacional para traçar políticas públicas é fundamental, mas no âmbito individual as abordagens devem ser muito diferentes, caso o objetivo seja a mudança de comportamento. Tanto o nutricionista, quanto o paciente, se beneficiarão de abordagens que voltem a atenção para o comportamento alimentar ao invés de focar apenas em ingrediente A ou B.
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