Entendendo saúde mental como um estado de bem-estar onde as habilidades individuais são reconhecidas e os estresses cotidianos gerenciáveis, a importância de práticas sustentáveis para manter a produtividade e participação ativa na sociedade se torna evidente.
A alta prevalência de distúrbios mentais e sintomas relacionados ressalta a necessidade de abordagens mais abrangentes e multidisciplinares para lidar com esses desafios – destacando-se a alimentação.
O que, então, o nutricionista pode fazer para promover a saúde mental de seus pacientes?
Entendendo o papel da alimentação na manutenção da saúde mental
Todas as funções do organismo humano dependem de uma nutrição adequada, e com o cérebro não é diferente. Diversos nutrientes e substâncias que desempenham funções neurológicas importantes só podem ser obtidos pelo corpo caso o indivíduo os ingira, preferencialmente por meio dos alimentos.
Alguns deles se destacam por funções específicas que se relacionam diretamente com a saúde mental:
Ômega-3
Os ácidos graxos ômega-3 desempenham um papel crucial no suporte à cognição, na manutenção da integridade neuronal e na prevenção de processos neurodegenerativos. Eles exercem influência sobre a neurotransmissão através de duas vias principais: modificando a fluidez das membranas neuronais e potencializando a liberação de neurotransmissores.
Além disso, os ácidos graxos ômega-3 ajudam a proteger as células cerebrais de um processo chamado apoptose, que é basicamente a morte programada das células. Eles fazem isso de duas formas: primeiro, reduzem a reação das células do cérebro a certas substâncias prejudiciais chamadas espécies reativas de oxigênio, o que ajuda a prevenir a morte dessas células.
Em segundo lugar, eles influenciam as células a produzir mais proteínas que impedem a apoptose e menos daquelas que a promovem, o que no final das contas retarda o processo de morte celular.
Vitamina D
Sendo um neuroesteróide no cérebro, é essencial para o desenvolvimento neural, influenciando a diferenciação e crescimento das células nervosas desde a gesta��ão. Ela regula enzimas importantes na produção de neurotransmissores, como dopamina e serotonina, fundamentais para o humor e comportamento. Além disso, atua como neuroprotetor, promovendo a formação de glutationa, um antioxidante vital, protegendo as células nervosas de danos e morte.
Ferrro
É essencial para manter as altas exigências metabólicas e energéticas dos tecidos neuronais. Ele está envolvido no processo de neurogênese, que é o desenvolvimento de novos neurônios, e na mielinização dos axônios, crucial para a eficiência da transmissão de sinais nervosos. Além disso, o ferro contribui para o desenvolvimento sináptico, que é importante para a comunicação entre os neurônios, e para a síntese de neurotransmissores, como a dopamina e a serotonina, que são fundamentais para o funcionamento do cérebro. Apesar de tudo isso, alguns estudos já estão sugerindo que a ingestão exagerada deste nutriente ao longo da vida (seja em suplementos ou alimentos fortificados) pode causar um acúmulo prejudicial de ferro nos tecidos, o que pode – inclusive – contribuir para a neurodegeneração.
Vitamina B12
Influenciando diretamente a cognição e a plasticidade sináptica, a vitamina B12 é essencial para manter o equilíbrio entre fatores neurotróficos e neurotóxicos. Sua deficiência pode levar a um declínio cognitivo e alterações na produção de neurotrofinas, como o NGF e o BDNF, essenciais para a saúde neuronal. Além disso, a vitamina B12 é um cofator vital na formação de S-adenosilmetionina (SAM), que desempenha um papel chave na metilação de DNA, neurotransmissores e fosfolipídios. Esta função é particularmente relevante em distúrbios cerebrais como esquizofrenia, transtorno bipolar, autismo e depressão, onde as alterações metabólicas por falta de Vitamina B12 estão frequentemente presentes. A deficiência de vitamina B12 também está associada a elevados níveis de homocisteína, um fator de risco para danos neuronais e disfunção sináptica, destacando a importância dessa vitamina na manutenção da integridade e funcionalidade cerebral.
Diversos outros nutrientes estão envolvidos em processos cerebrais e na manutenção da saúde mental. Obviamente, casos específicos como o de pacientes que adotam uma dieta vegetariana e vegana (cada vez mais populares) precisam de uma atenção maior, mas – na prática – tais informações pouco colaborarão com as condutas do nutricionista, caso não haja um olhar para o todo.
Entendendo o contexto e os comportamentos
Não é possível dizer apenas “tome tal suplemento” ou “coma tal alimento” com o objetivo específico de prevenir ou, pior, tratar uma condição relacionada à saúde mental.
Tratamentos precisam ser realizados por equipes multiprofissionais, podendo envolver diversos tipos de terapia (incluindo farmacológicas) e não há evidências que a alimentação, isoladamente, pode prevenir, tratar ou curar algum distúrbio mental. É preciso olhar o todo!
Podemos oferecer toneladas de Ômega-3, Vitamina D, Ferro, Vitamina B12 e os melhores probióticos para um indivíduo com sintomas de depressão e ansiedade que nada vai mudar se a origem desses sintomas for uma condição que não se origina na alimentação – dificuldades familiares, por exemplo.
Um estudo de base populacional realizado na Holanda, com 121.000 indivíduos, escancara o que muitas manchetes sensacionalistas têm dificuldade de entender: não foi encontrada relação entre a qualidade da alimentação e problemas da saúde mental, sendo esta relacionada ao estresse e problemas da vida cotidiana. Estes fatores, por sua vez, provocam uma piora na qualidade da alimentação, mas tal piora, apesar de acontecer simultaneamente com desfechos adversos da saúde mental, não é a origem do problema.
Assim, é indiscutível que existe um papel da alimentação na manutenção das funções cognitivas – mas, com os conhecimentos até então disponíveis, é prematuro dizer que alimentos e nutrientes específicos podem alterar determinados sintomas.
Cabe ao nutricionista, então, promover comportamentos que levem a uma alimentação adequada e balanceada, sempre com um olhar abrangente para os contextos individuais, monitorando níveis séricos de determinados nutrientes quando for necessário.
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