O fígado é um órgão vital que desempenha diversas funções essenciais, como a desintoxicação do sangue, produção de bile para a digestão de gorduras, armazenamento de glicose e nutrientes, além de ajudar na regulação de várias funções metabólicas. Quando o fígado está inflamado (hepatite), essas funções podem ser comprometidas, levando a uma série de problemas de saúde – que necessitam da atenção do nutricionista.
Existem várias causas para a hepatite, incluindo consumo excessivo de álcool, toxinas, medicamentos, doenças autoimunes e infecções virais.
A hepatite viral é uma infecção do fígado causada por um grupo de vírus que atacam especificamente esse órgão. Os vírus que causam hepatite são designados pelas letras A, B, C, D e E e cada um deles possui modos de transmissão, características e impactos diferentes:
- Hepatite A: Causada pelo vírus da hepatite A (HAV), é transmitida principalmente através da ingestão de alimentos ou água contaminados. Geralmente, a hepatite A é uma doença aguda e raramente se torna crônica.
- Hepatite B: Causada pelo vírus da hepatite B (HBV), é transmitida por contato com sangue infectado, fluidos corporais ou de mãe para filho durante o parto. A hepatite B pode ser aguda ou crônica. Estima-se que 296 milhões de pessoas viviam com hepatite B crônica em 2019, com cerca de 1,5 milhão de novas infecções a cada ano. Aproximadamente 820.000 pessoas morrem anualmente devido a complicações relacionadas à hepatite B, como cirrose e câncer de fígado.
- Hepatite C: Causada pelo vírus da hepatite C (HCV), é transmitida principalmente através do contato com sangue infectado. A hepatite C frequentemente se torna crônica. Aproximadamente 58 milhões de pessoas têm hepatite C crônica, com cerca de 1,5 milhão de novas infecções anuais. A hepatite C causa cerca de 290.000 mortes anualmente, principalmente devido a cirrose e carcinoma hepatocelular.
- Hepatite D: Também conhecida como hepatite delta, ocorre apenas em pessoas já infectadas com o vírus da hepatite B. É causada pelo vírus da hepatite D (HDV) e pode agravar a condição do fígado. É prevalente na região amazônica.
- Hepatite E: Causada pelo vírus da hepatite E (HEV), é transmitida através da ingestão de água contaminada. A hepatite E é geralmente aguda e pode ser grave em mulheres grávidas – é rara no Brasil, com casos esporádicos geralmente associados a viagens para áreas endêmicas.
Como as funções hepáticas são alteradas na hepatite viral?
O fígado é um órgão multifuncional e sua inflamação pode levar a uma série de alterações nas suas funções normais. Na hepatite viral, essas alterações podem incluir:
Metabolização de nutrientes: A capacidade do fígado de metabolizar carboidratos, gorduras e proteínas pode ser comprometida, levando a desequilíbrios nutricionais.
Produção de proteínas: A produção de proteínas essenciais, como albumina e fatores de coagulação, pode ser reduzida, resultando em problemas como edema e distúrbios de coagulação.
Desintoxicação: A função desintoxicante do fígado pode ser prejudicada, acumulando toxinas no corpo e causando sintomas como icterícia e encefalopatia hepática.
Produção de bile: A produção e fluxo de bile podem ser afetados, levando a problemas digestivos e má absorção de gorduras e vitaminas lipossolúveis.
Armazenamento de glicose: A capacidade do fígado de armazenar e liberar glicose é alterada, o que pode resultar em hipoglicemia.
Qual o papel da alimentação na prevenção das hepatites virais?
A alimentação adequada desempenha um papel crucial na prevenção de qualquer infecção viral, incluindo hepatite, dado o seu papel na manutenção do sistema imunológico. Mas especialmente para os tipos que são transmitidos por meio de alimentos e água contaminados, como a hepatite A e E, algumas estratégias comuns aos nutricionistas merecem destaques: higienização adequada de alimentos e manipulares; tempo de cozimento correto para cada tipo de alimento e recomendações básicas para se e evitar o consumo de água de procedência desconhecida são medidas essenciais.
Qual o papel da alimentação no manejo de uma hepatite viral já existente?
Para indivíduos que já possuem uma hepatite viral crônica (B e C), alguns estudos têm mostrado a alimentação e nutrição como um componente importante no manejo da doença. Alguns insights:
- Suplementos como L-carnitina, soja, vitaminas E e C, e zinco mostraram resultados promissores na melhoria da qualidade de vida e no perfil antioxidante e inflamatório de pacientes com hepatite C crônica;
- O consumo regular de café (duas xícaras por dia), restrição de ferro dietético (menos de 7 mg/dia), aumento do consumo de ácidos graxos ômega-3, curcumina e ingestão de micronutrientes conforme as recomendações dietéticas são fundamentais para pacientes com hepatite C;
- Em pacientes com hepatite C crônica, uma dieta rica em peixes (alta em ácidos graxos poli-insaturados) esteve associada a uma menor carga viral. Por outro lado, uma alta ingestão de fibras esteve associada a uma maior carga viral;
- Sugere-se que o vírus da hepatite B (HBV) explora os recursos metabólicos do hospedeiro para garantir sua persistência. Recomenda-se evitar a privação alimentar de curto prazo e adotar a ingestão de carboidratos complexos antes de dormir para controlar a expressão gênica do HBV
Reitera-se que tais estudos são insuficientes para fomentarem recomendações diretas e com promessas de melhora para os pacientes, mas tais insights podem ser interessantes no momento de um planejamento alimentar para alguém com estas condições – além disso, todo o comprometimento das funções hepáticas não pode ser esquecido em tal planejamento.
Assim, ao lidar com a complexidade das funções hepáticas comprometidas pela hepatite, a intervenção de um nutricionista vai além de uma mera recomendação alimentar. Eles atuam como estrategistas de saúde, ajustando a nutrição de forma personalizada para cada paciente, visando não só a manutenção, mas a potencial recuperação da função hepática.
Em um cenário onde o fígado não pode desempenhar suas funções vitais de maneira eficaz, o conhecimento dos nutricionistas (que não pode se limitar a este artigo introdutório) se torna uma ferramenta essencial, transformando o planejamento alimentar em uma poderosa alavanca para a qualidade de vida e bem-estar dos pacientes com hepatite.
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