Entre todos os profissionais da área da saúde, é muito provável que os nutricionistas sejam aqueles que mais precisam desenvolver habilidades de comunicação.
Ainda que muito se fale em “prescrever uma dieta”, não é possível prescrever a alimentação de uma pessoa, uma vez que, diferente de medicamentos, a alimentação já vai acontecer de qualquer forma e o nutricionista atuará, na verdade, muito mais como um guia – que pode escolher uma postura, pouco eficaz, de prescritor ou abraçar o seu papel de comunicador e, realmente, ajudar as pessoas em suas buscas por uma alimentação e vida mais saudáveis.
O grande problema, entretanto, é que hoje está cada vez mais difícil comunicar. Ironicamente, a razão desta dificuldade tem sua origem na grande quantidade de informação disponível e na grande quantidade de informação consumida.
Excesso de informação jamais seria um problema se as pessoas tivessem discernimento para selecionar ao que se expor e por quanto tempo se expor, mas o que mais se vê nos dias de hoje são cabeças abaixadas para pequenas telas, recebendo textos e imagens quase que 24 horas por dia: vídeos curtos nas redes sociais, vídeos longos no YouTube, sugestões de “notícias” e sites diretamente na tela inicial do celular, mensagens e links recebidos pelos aplicativos são só algumas das formas de se sobrecarregar de informação atualmente.
Boa parte deste conteúdo relaciona-se, diretamente ou indiretamente, com a alimentação das pessoas – sejam receitas (das saladas às sobremesas) ou as listas de alimentos bons e ruins.
Em meio a tamanha confusão, o nutricionista comunicador precisará se armar com 3 trunfos para conseguir trabalhar, seja na conversa direta com o paciente durante um atendimento, seja na captação de futuros pacientes nas redes sociais: propósito, consciência e ciência.
Um propósito na comunicação
Pode parecer bobagem, mas o foco é essencial (e não, não estamos falando de “força, fé e foco”)!
Neste contexto, o “foco” está relacionado ao seu propósito, ao seu objetivo como nutricionista comunicador em transmitir uma mensagem em diferentes contextos de atuação – assim, antes de pensar no que você irá comunicar e antes de pensar em como comunicar, a pergunta que você deve fazer é: porque eu estou comunicando?
Se está muito confuso e abstrato, podemos trazer alguns exemplos práticos:
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Durante uma consulta, você percebe que o seu paciente tem uma visão muito restrita e estereotipada sobre o que é uma alimentação saudável e você também nota que ele tem “medo” de consumir alguns alimentos. Neste contexto, seu objetivo – sem nenhuma dúvida – é começar a trabalhar para melhorar a relação com a comida do paciente. Este é o seu propósito. Para colocar isto em prática, porém, não é recomendado contradizer o paciente com discursos sobre a abrangência de uma alimentação saudável logo no primeiro contato. Aqui, o seu papel de comunicador é reconhecer a hora de fornecer ainda mais informações ao paciente e a hora de escutá-lo e investigar as raízes do problema. Também está incluído no seu papel de comunicador saber controlar suas reações e expressões (caras e bocas), afinal isso também é uma forma de comunicação.
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Já nas suas redes sociais, para trazermos um exemplo fora do contexto de atendimento, você percebeu que viralizou a fala de alguma influencer do momento sobre dieta ou alimentação. E aí chega o momento de se perguntar: qual é o meu propósito nesta rede social? Geralmente, o propósito de um nutricionista no Instagram é (1) captar novos pacientes e (2) promover a saúde – com isto em mente, será que comentar ou rebater a influencer está dentro deste propósito? Mesmo que o seu conteúdo viralize, isto não é uma garantia que ele circulará mais entre possíveis pacientes e, adicionalmente, também não será o melhor dos conteúdos para a promoção da saúde, uma vez que também estará ajudando o tal influencer (que já falou besteira uma vez e poderá falar de novo) a ficar mais conhecido.
Consciência sobre a realidade das pessoas
A infotoxicação é uma realidade. Os números de analfabetismo funcional assustam, independentemente de classes sociais. E a era da pós-verdade está em seu auge.
Isto significa que você, um nutricionista comunicador, precisa reconhecer que o seu público estará bastante vulnerável na hora de receber as novas informações a serem fornecidas por você (seja do consultório, seja das redes sociais).
Linguagens complicadas importadas das aulas de bioquímica não mostram o quanto você estudou mas, pelo contrário, mostram o quanto você não foi capaz de traduzir um conteúdo, não só para a linguagem, mas também para a realidade do seu público.
Mas afinal, qual é a realidade do seu público? Além de estar muito atento a forma de transmitir uma informação, é fundamental que todo nutricionista esteja consciente de que tipo de informação sobre alimentação e nutrição está circulando no momento.
Em outros tempos, isso significaria ir até as bancas de jornal e comprar as revistas de dieta da semana – hoje, por outro lado, significa acompanhar o tema nas redes sociais, nos portais de notícias e na televisão (sim, ela ainda existe!).
Não é possível consumir tudo o que está disponível, mas reservar alguns momentos na semana para se atualizar entre os conteúdos para o público geral pode te ajudar a não ficar perdido quando um paciente perguntar “você viu a reportagem sobre o consumo de gordura saturada?”.
O pensamento científico
Seu propósito está definido e você está consciente sobre as melhores formas de se comunicar com seu paciente… agora chegou a hora de estar atento ao conteúdo a ser comunicado ou proposto.
Assim como qualquer pessoa, os nutricionistas também estão vulneráveis à informação e estão infotoxicados. Um bom profissional precisa, constantemente, refletir sobre a construção do próprio conhecimento e jamais “abaixar a guarda” para “fontes confiáveis”.
Mais do que “ciência”, o cotidiano do nutricionista precisa de pensamento científico.
Isto significa saber como se constrói o conhecimento da própria área de atuação, o que inclui, mas não se limita, a: ter plenos conhecimentos sobre o método científico; saber diferenciar tipos de estudo e os tipos de resultados que eles produzem; saber interpretar o texto de artigos científicos, a fim de identificar os vieses dos autores e as limitações de cada pesquisa; saber identificar uma hipótese, um resultado preliminar e uma evidência.
Tais conhecimentos são essenciais para evitar passar vergonha no Instagram recomendando uma dieta detox, baseando-se em um artigo científico sem amostra e métodos adequados que sustentem as conclusões dos autores.
No fim, são necessárias diversas etapas de estudo e treino para se tornar um bom comunicador e, por consequência, um melhor nutricionista.
Mas por mais que possa parecer cansativa, esta constante busca por melhora se relaciona diretamente com o seu objetivo profissional e de vida – afinal, se não é para ajudar verdadeiramente as pessoas, se esforçando o quanto for necessário, qual é o seu papel como nutricionista?
Referências Bibliográficas
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Daun F, Antonaccio A, Macedo S. Infotoxicados, como comunicar nutrição em tempos de fake news? In: Alvarenga M, organizadora. Nutrição comportamental: Ciência, prática clínica e comunicação. 1. ed. Barueri: Manole; 2022.
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Alfabetismo no Brasil [internet]. INAF 2018: Indicador de Alfabetismo Funcional. Instituto Paulo Montenegro. Disponível em: https://alfabetismofuncional.org.br/alfabetismo-no-brasil/
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