Criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e instituído no Brasil pela Lei 13.652/2018, o Dia Mundial e o Dia Nacional de Conscientização sobre o Autismo são celebrados em 2 de abril como uma forma de conscientizar as pessoas sobre o autismo, assim como dar visibilidade ao Transtorno do Espectro Autista (TEA).
De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria, o autismo é um transtorno do desenvolvimento neurológico que funciona em níveis, podendo se manifestar de forma leve até uma forma mais severa e sua identificação ocorre geralmente nos primeiros anos de vida.
Algumas características como: dificuldades de comunicação e interação social, hipersensibilidade sensorial, desenvolvimento motor atrasado e comportamentos e/ou interesses repetitivos ou restritos estão presentes no TEA.
Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), 1 em cada 160 crianças no mundo tem TEA. Com base em estudos epidemiológicos a prevalência de TEA aumenta globalmente. Esse aumento caracteriza-se pela maior conscientização sobre o tema, expansão dos critérios diagnósticos, melhores ferramentas de diagnóstico e o aprimoramento das informações transmitidas.
Diante dos diversos sintomas associados ao TEA, destaca-se a seletividade alimentar, um dos sintomas mais frequentes que apresenta desafios significativos para nutricionistas, pais e cuidadores e traz consequências no desenvolvimento do paciente.
Este artigo explora a complexidade da seletividade alimentar dentro do TEA, discute suas causas, impactos, detalha abordagens nutricionais na aplicação da prática clínica e conta com uma entrevista exclusiva de especialista em Seletividade Alimentar e TEA.
Qual a relação da Seletividade Alimentar com TEA?
A seletividade alimentar refere-se à recusa persistente em consumir alimentos, preferência por certos alimentos ou texturas, e uma relutância em experimentar novos alimentos, sendo um fenômeno comum em crianças, mas quando associada ao TEA, torna-se um desafio maior.
Estudos indicam que até 89% das crianças com TEA apresentam algum tipo de seletividade alimentar, resultando de fatores como hipersensibilidade sensorial, rigidez comportamental e dificuldades na adaptação a mudanças.
Causas e Impactos da Seletividade Alimentar e TEA
Sabemos que as causas e impactos são multifacetadas. Além das características sensoriais, fatores emocionais e comportamentais também desempenham um papel significativo na seletividade.
As alterações em relação aos hábitos alimentares no indivíduo com TEA se manifestam por uma variedade de sinais que incluem: preferência por certas texturas de alimentos, limitação de apenas um tipo de cor das preparações, consumo dos mesmos alimentos todos os dias, limitação do ambiente onde a refeição ocorre ou dos utensílios utilizados.
Além das recusas alimentares referentes à textura, consistência, sabor, cor e cheiro, certas atitudes como não cheirar ou brincar com o alimento, se negar a tocar, lamber e não comer, representam as questões sensoriais existentes nas crianças com TEA.
A permeabilidade intestinal em crianças com transtorno espectro autista são outro ponto que pode contribuir para a seletividade alimentar. Os sintomas frequentemente descritos em estudos são: diarreia crônica, constipação, refluxo, flatulência excessiva e distensão abdominal entre outros.
A seletividade alimentar pode impactar negativamente a saúde e o desenvolvimento da criança, levando a deficiências nutricionais, problemas de crescimento e desenvolvimento, e até mesmo dificuldades psicossociais, como isolamento social e estresse familiar.
Em virtude da importância da Conscientização sobre o Autismo e sua característica com a Seletividade Alimentar, entrevistamos a nutricionista Adriana Siqueira, especialista em TEA e Seletividade Alimentar, que nos contou sua trajetória na Seletividade Alimentar e TEA.
Conheça Adriana Siqueira
![](https://academiadanutricao.com/wp-content/uploads/2024/04/Adriana-Siqueira-682x1024.jpg)
Adriana é idealizadora da Academia Nutrição e Autismo e possui formação para o Tratamento Integrativo do Autismo e outros transtornos do Neurodesenvolvimento na Medical Academy for Children with Special Needs (MedMaps) nos EUA, pós-graduação em Nutrição e Gastronomia Funcional, pós-graduação no Transtorno do Espectro do Autismo, pós-graduação em Nutrição com foco no TEA, TDAH, T21, pós-graduação em Nutrição Funcional e Terapia Alimentar no TEA e TDAH, pós-graduação em Ciências da Homeopatia, mestrado em gestão pela UFPR, certificação em Terapia para Seletividade Alimentar SOS Approach to Feeding (EUA) e capacitação método Food Chaining para Seletividade Alimentar (EUA).
A seguir, confira a entrevista e a voz da especialista!
Como é lidar com os pacientes com Seletividade Alimentar e TEA?
Adriana relatou que a seletividade alimentar é prevalente em até 89% no autismo e pode ser inicialmente uma barreira para os nutricionistas, porém há métodos de tratamento e planejamento para que possamos sair da seletividade alimentar.
Geralmente nesses casos o acompanhamento é mais frequente e temos que priorizar a nutrição adequada e uso de suplementação enquanto tratamos a seletividade alimentar.
Como é a influência dos pais para eficácia da adesão nutricional?
Adriana respondeu que todo o indivíduo é único e temos que investigar as comorbidades frequentes encontradas nesses pacientes de forma individualizada. Encontramos mais alergias, mais disbiose e permeabilidade intestinal, disfunções de neurotransmissores e de metilação de DNA na maioria dos pacientes e quando entendemos sobre essa fisiologia diferenciada e os pais compreendem o que há com seus filhos, o tratamento nutricional tem uma ótima adesão. A eficácia é nítida em muitos pacientes na melhoria de comorbidades e no comportamento.
O quanto o acompanhamento profissional impacta na qualidade de vida dos pacientes com Seletividade Alimentar e TEA?
Segundo Adriana, quanto maior a seletividade alimentar maior a presença de comorbidades neste paciente e o tratamento nutricional é primordial. Muitas vezes a seletividade acontece nos primeiros anos de vida e a deficiência calórica ou de nutrientes impacta diretamente no neurodesenvolvimento. Corrigir o estado nutricional melhora a capacidade cognitiva dessa criança e da oportunidade de melhorar seu desenvolvimento.
Comente o que a motivou a atuar nesse nicho e deixe uma dica para a (o) nutricionista que sonha ou que está entrando no universo da Seletividade Alimentar e TEA.
Adriana comentou que estuda o autismo e TDAH há 12 anos quando descobriu o diagnóstico do seu filho, com seletividade severa, alergias e disbiose e foi este conhecimento que trouxe maior qualidade de vida com boa alimentação e suplementação adequada sem uso de psicotrópicos.
Como dica, Adriana gostaria que os nutricionistas soubessem que a seletividade alimentar no autismo vai muito além da de uma criança típica, que tem diversos fatores fisiológicos relacionados no autismo que impactam diretamente no comportamento, que ao tratar uma criança com autismo estudem as bases e saibam o que pode estar por traz de tudo isso através de um bom atendimento clínico. Que não separem a terapia alimentar da clínica, porque só assim terão bons resultados com estes pacientes.
Prática do Nutricionista: Manejo da seletividade alimentar em pacientes com TEA
Na prática clínica, nutricionistas enfrentam de desafios ao lidar com a seletividade alimentar em crianças com TEA. Exemplos incluem a adaptação de dietas restritivas para garantir a adequação nutricional, o uso de estratégias de reforço positivo para incentivar a experimentação de novos alimentos e a colaboração com uma equipe multidisciplinar para abordar questões comportamentais e emocionais relacionadas à alimentação.
O comportamento alimentar restritivo e repetitivo pode influenciar diretamente no consumo alimentar, pois é comum que as crianças com TEA tenham preferência por alimentos mais calóricos, ricos em gordura e açúcar e que apresentam baixa quantidade de vitaminas e minerais favorecendo, assim, o excesso de peso, diante disso, torna-se necessário que se dê atenção à ingestão de alimentos que não são saudáveis, à limitação de ingestão e à rotina alimentar dessas crianças.
Além disso, deve-se avaliar se tem necessidade de suplementação e diferenciação na dieta em diferentes aspectos.
Dessa forma, para a criança permitir consumir um novo alimento, é preciso uma caminhada que passa por várias etapas, como o interagir com o alimento, olhar, cheirar, tocar provar e comer, na qual uma abordagem individualizada e centrada na crian��a é essencial para o sucesso do tratamento.
Estratégias gerais incluem a criação de um ambiente alimentar positivo e a introdução gradual de novos alimentos. Bem como terapias comportamentais alimentares, como a análise aplicada do comportamento, podem ser úteis para modificar hábitos alimentares problemáticos.
Além disso, é importante adotar uma abordagem paciente e empática ao lidar com a seletividade alimentar. Estabelecer uma rotina alimentar consistente, envolver a criança no processo de preparo dos alimentos e criar um ambiente calmo e acolhedor durante as refeições são estratégias eficazes para promover uma alimentação saudável e equilibrada.
Em resumo, a seletividade alimentar é um desafio significativo para crianças com TEA e suas famílias. No entanto, com o apoio adequado de nutricionistas e outros profissionais de saúde, é possível desenvolver estratégias eficazes para lidar com essa questão. Ao adotar uma abordagem individualizada e centrada na criança, podemos promover hábitos alimentares saudáveis e melhorar a qualidade de vida de crianças com TEA e suas famílias.
Para aprimorar ainda mais a sua prática clínica sobre nutrição e TEA, acesse também outros conteúdos em nossa plataforma. Confira:
Artigo: Deficiências Nutricionais no Transtorno do Espectro Autista
Artigo: O que é a Síndrome de Asperger e Quais os Desafios para a Nutrição?
Nutri, quer ter acesso aos conteúdos exclusivos? Faça parte da nossa comunidade no WhatsApp. Clique no botão abaixo:
E você, nutri? O que achou do conteúdo de hoje? Deixe aqui nos comentários as suas impressões e não deixe de compartilhar este artigo com mais colegas de profissão!
Referências Bibliográficas
- LEI Nº 13.652, DE 13 DE ABRIL DE 2018. 2018. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13652.htm. Acesso em: 08 abr. 2024.
- Hospital das Forças Armadas – HFA. ABRIL AZUL – Mês de Conscientização sobre o Autismo. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/hfa/pt-br/abril-azul-mes-de-conscientizacao-sobre-o-autismo. Acesso em: 08 abr. 2024.
- Referência: Organização Pan-Americana da Saúde. Transtorno do espectro autista. Disponível em: https://www.paho.org/pt/topicos/transtorno-do-espectro-autista. Acesso em: 08 abr. 2024.
- Transtorno do Espectro do Autismo. Departamento Científico de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento. Sociedade Brasileira de Pediatria. Nº 05, abril de 2019
- Relação transtorno do espectro autista e disbiose intestinal. J. Health Biol Sci. 2022; 10(1):1-9
- Cardoso, et. Al. Autismo e Seletividade Alimentar. Faculdade UNA. Divinópolis-MG. Jun de 22
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.