O verão é uma das épocas mais animadas do ano, repleta de sol, brincadeiras ao ar livre e momentos de lazer. Para as crianças, especialmente, representa um período importante de diversão, explorando o mundo fora da rotina da escola e das atividades com hora marcada. Todavia, com o aumento das atividades ao ar livre, da exposição ao sol e das mudanças na disponibilidade dos alimentos, surgem novos desafios relacionados à saúde e nutrição infantil. Como o nutricionista pode auxiliar os pais e as crianças durante e após esse período, para promover uma relação saudável das crianças com a alimentação?
Hidratação e segurança alimentar
Pesquisas indicam que, globalmente, a grande maioria das crianças não alcança os níveis recomendados de consumo de água, um aspecto crítico para o bom funcionamento de suas funções fisiológicas e capacidades cognitivas. As crianças, especialmente as menores, apresentam uma vulnerabilidade acentuada à desidratação devido a características fisiológicas específicas. Os efeitos de uma desidratação leve tendem a se manifestar primariamente no comprometimento das funções cognitivas, enquanto quadros mais graves e prolongados de desidratação podem ameaçar seriamente a saúde renal.
As altas temperaturas do verão e a natureza das atividades ao ar livre levam, consequentemente, a uma transpiração aumentada – o que deve receber maior atenção pela extensa superfície cutânea proporcional ao tamanho do corpo nos primeiros anos de vida. A dependência do cuidado dos pais e a facilidade de acesso a líquidos também deve ser considerada.
É verdade que a água é a melhor opção para a hidratação de crianças e que a longo prazo a ingestão de bebidas açucaradas pode trazer consequências adversas. Entretanto, as consequências agudas da desidratação devem ser levadas em conta – e a recusa absoluta de uma criança em ingerir água não deve ser motivo para que ela fique sem líquido.
Se uma criança que está brincando ao ar livre em um dia quente só aceitar suco industrializado ou refrigerante, esses líquidos devem ser oferecidos – e obviamente, quando detectada pelo profissional uma ingestão elevada deste tipo de produto, esta questão poderá ser trazida à tona em outro momento para ser trabalhada com os pais e as crianças.
Crianças também têm uma tendência elevada a sofrer de doenças digestivas, que frequentemente resultam em perda de fluidos, exacerbando o risco de desidratação. No Brasil, particularmente em ambientes litorâneos, a segurança dos alimentos é uma preocupação significativa. Estudos realizados em cidades como Florianópolis e Salvador revelam vários riscos de segurança alimentar associados a vendedores de comida de rua, incluindo condições higiênicas inadequadas e falta de higiene das mãos
Disponibilidade de alimentos e novas rotinas
Durante o período escolar, as crianças estão inseridas em uma rotina que envolve horários regulares para as refeições e a possibilidade de acesso limitado aos alimentos disponíveis em casa. No entanto, quando as férias chegam, há uma mudança significativa nesse cenário. As férias proporcionam um aumento natural no acesso aos alimentos, uma vez que as crianças têm mais tempo livre e menos restrições em relação aos horários. No entanto, estudos têm mostrado que essa liberdade muitas vezes resulta em um menor consumo de frutas, verduras e legumes e um aumento no consumo de produtos ultraprocessados.
É importante destacar que, embora as crianças possam ter uma certa independência durante as férias, o comportamento alimentar delas é, em grande parte, influenciado pelos pais. Os pais desempenham um papel fundamental na determinação das atividades das crianças durante as férias e também são responsáveis por comprar e disponibilizar os alimentos em casa. Portanto, as escolhas alimentares das crianças estão intimamente ligadas às decisões dos pais.
Pressões verbais para que as crianças consumam frutas, verduras e legumes geralmente não produzem resultados positivos, pelo contrário, podem ter o efeito oposto e piorar o comportamento alimentar e a relação das crianças com a comida. Em vez disso, os pais que adotam outras estratégias podem observar resultados mais satisfatórios, como disponibilizar frutas lavadas e cortadas para o consumo das crianças, em vez de apenas dizer ‘você precisa comer mais frutas”. Adicionalmente, os pais devem dar o exemplo, consumindo os mesmos alimentos que acreditam contribuir para uma alimentação saudável dos filhos – crianças imitam comportamentos dos adultos.
Incentivar refeições em família é outra estratégia importante para melhorar os hábitos alimentares das crianças durante as férias. Quando a família se reúne para comer, cria-se um ambiente mais propício para o consumo de uma maior variedade de alimentos e para a promoção de comportamentos positivos.
Outro aspecto relevante é o contato das crianças com os alimentos, tanto no momento da compra quanto no preparo das refeições. Levar as crianças ao supermercado e envolvê-las na escolha de frutas e verduras pode aumentar seu interesse por esses alimentos. Da mesma forma, permitir que elas participem do preparo das refeições pode tornar o processo mais divertido e interessante para elas.
Embora as férias sejam um período de diversão e quebra de rotina, é essencial manter alguma estrutura nas refeições das crianças. Sempre que possível, os pais devem tentar aproximar as refeições das crianças aos horários habituais, especialmente quando o retorno às aulas se aproxima. Isso evita uma mudança abrupta de hábitos alimentares e ajuda a manter a consistência na alimentação das crianças.
Assim, as férias representam um desafio para os hábitos alimentares das crianças, mas também uma grande oportunidade para explorar novos comportamentos.
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