Pão de queijo e a importância da cultura alimentar 

É bastante comum encontrar nas redes sociais brincadeiras com algumas palavras em português onde não é possível encontrar uma tradução […]


É bastante comum encontrar nas redes sociais brincadeiras com algumas palavras em português onde não é possível encontrar uma tradução em outro idioma, “saudade” talvez seja a principal delas. Mas, “brigadeiro” e “pão de queijo” também podem aparecer.  

Contudo, enquanto saudade é um sentimento que pode aparecer em outras regiões do mundo, ainda que não haja uma palavra exata para este sentido, brigadeiro e pão de queijo são bem mais difíceis de encontrar fora do Brasil – não só pela dificuldade de encontrar os ingredientes necessários para prepará-los adequadamente, mas por outros contextos e culturas que blindam tais preparações de serem inseridas no cotidiano de populações que não sejam essencialmente brasileiras.  

Especialmente o pão de queijo pode ser usado como um grande exemplo de alimento que representa muito mais do que uma combinação de ingredientes, visão que habilita nutricionistas a se apropriarem de discussões amplas sobre alimentação, fugindo da superficialidade da recomendação de nutrientes. 

História do pão de queijo e receita clássica 

Até mesmo entre historiadores, já é um consenso que a origem exata do pão de queijo como conhecemos hoje não é exatamente clara e não há uma receita definida.  

Enquanto alguns alegam com firmeza que o pão de queijo tem a sua origem nas fazendas do estado de Minas Gerais, possivelmente pela dificuldade de encontrar farinha de trigo para o preparo de pães e biscoitos, a história da América Latina mostra que talvez não tenha sido exatamente assim  – afinal, preparações muitos similares podem ser encontradas em diversos outros países (chipa na Argentina, Paraguai e Uruguai; e pandebono na Colômbia) e suas histórias datam da mesma época ou até mesmo antes.  

Tal discussão histórica (e requisição de originalidade) é uma das chaves para entender como a comida tem significados muito profundos em uma comunidade.  

Especialmente para os brasileiros, e ainda mais para os mineiros, o pão de queijo relaciona-se com uma identidade e é carregado ao redor do mundo como parte da história de algumas pessoas. 

Além de não ser possível definir uma origem exata, também não é possível definir uma receita exata.  

Entretanto, pesquisadores da área de nutrição da Universidade Federal de Ouro Preto tentaram fazer um resgate histórico para definir a receita mais tradicional desta preparação e em conjunto com entidades mineiras a publicaram recentemente: 

Ingredientes: 

  • 2 xícaras (chá) de polvilho azedo 
  • 1 ½ xícara (chá) de polvilho doce 
  • 2 xícaras (chá) de queijo meia-cura ralado grosso 
  • 3 ovos 
  • 1 xícara (chá) de água 
  • ½ xícara (chá) de leite 
  • ¼ de xícara (chá) de óleo 
  • 1 colher (chá) de sal 
  • Óleo para untar as mãos 

Modo de preparo:

Pré-aqueça o forno a 180 graus. Separe duas assadeiras médias e unte com uma camada fina de óleo. Numa tigela, misture os polvilhos e o sal. Coloque a água, o leite e o óleo numa panela e leve ao fogo médio até ferver e despeje aos poucos sobre a mistura de polvilhos, para escaldar. Mexa bem com uma colher, até incorporar todo o líquido. Espere a massa esfriar e adicione o queijo ralado e misture bem. Numa tigela, quebre um ovo de cada vez e junte à massa. Misture bem a cada adição, para incorporar cada ovo totalmente, de preferência com uma colher de pau. A textura é um pouco mais grosseira. O importante é que todos os ingredientes estejam bem misturados. Caso ainda esteja mole, adicione aos poucos 1 colher de sopa de polvilho azedo e misture bem. Para modelar: passe um pouco de óleo ou manteiga nas mãos para untar, com uma colher, retire uma porção da massa e faça bolinhas. Leve ao forno para assar por cerca de 40 minutos, até crescer e dourar. Retire do forno e sirva a seguir

O pão de queijo no cotidiano 

Apenas pelas proporções dos ingredientes, é possível afirmar que o pão de queijo não é a preparação mais equilibrada por si só (assim como tantas outras receitas e alimentos) e é aqui que emerge a necessidade de olhar além dos nutrientes.  

O mais objetivo dos olhares certamente apontaria esta tradicional preparação com uma grande combinação de carboidrato com gordura e facilmente a restringiria em boa parte do que costuma ser considerado como “alimentação saudável”.  

Todavia, além de toda a bagagem histórica, o pão de queijo está presente na realidade dos brasileiros: na rua a caminho do trabalho, com café e conversa com a família, no intervalo da aula, na espera do aeroporto ou em uma rodoviária, no cinema, no teatro e em tantas outras situações. 

Dada esta amplitude de possibilidades, é absolutamente inevitável que o nutricionista precise considerar o pão de queijo na hora de trabalhar junto com seu paciente em um plano alimentar – tendo em mente todos os significados que podem ser atribuídos a esta preparação e até mesmo enxergá-la como uma fonte de energia para algumas pessoas enfrentarem situações rotineiras, seja as últimas horas de trabalho no final da tarde, ou até conseguir ter mais atenção na aula da faculdade no final da manhã ou da noite. 

Cada vez mais, faz-se necessária esta visão de mundo real para os nutricionistas – permitindo que a busca por uma vida mais saudável seja feita com mudanças que perduram e respeitam contextos e culturas.  

Se não for assim, toda a construção da Nutrição poderá, rapidamente, ser substituída por “inteligências” artificiais que só verão os percentuais de macronutrientes do pão de queijo (e do brigadeiro, do bolinho de chuva, do bolo de fubá, do doce de banana, do doce de leite…), enxergando-o apenas como um alimento e nunca como uma comida.  

E você, nutricionista, o que pensa quando o assunto é cultura alimentar? 

Deixe nos comentários a sua opinião e vivência na prática! 

Referências bibliográficas 

  • Bianchi, P. B. Alimentação como Identidade Cultural e a Regulação do Estado: O contexto brasileiro, 2019. 
  • Jung, J. M. de C.; Silva, J. G. da. Pão de Queijo: Estudo de Campo de Consumidores de Belo Horizonte e Região Metropolitana para Identificar a Representatividade do Pão de Queijo na Identidade Mineira. Revista Pensar Gastronomia, Belo Horizonte, v. 3, n. 2, p. 1-32, jul. 
  • Pereira, J., Ciacco, C. F., Vilela, E. R., & Pereira, R. G. F. A.. (2004). Função dos ingredientes na consistência da massa e nas características do pão de queijo. Food Science and Technology, 24(4), 494–500. 
  • Santos, A. P. et. al. Comida, Memória e Afeto: Minas Gerais 300 anos. Belo Horizonte: Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, 2021. 
  • Simão, S.B.O. Muito mais que um alimento: a tradição do pão de queijo no Estado de Minas Gerais. Instituto Federal do Piauí, Campus São Raimundo Nonato, São Raimundo Nonato, 2022. 

Uma resposta para “Pão de queijo e a importância da cultura alimentar ”

  1. Avatar de Rose

    Amei o texto faz me lembrar o quanto é importante Olha com carinho e atenção cada indivíduo, indivualidade e outros, de formas claras, objetivos e saúde acima de tudo.

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