A obesidade infantil é um problema de saúde pública crescente no Brasil, refletindo tendências globais de aumento de peso entre crianças e adolescentes. Diferentes estudos mostram uma variação entre 8.2% a 14.1% de crianças com obesidade no país, a depender da região – mas sempre com a perspectiva de aumento.
A expansão da obesidade entre crianças e adolescentes implica desafios significativos para a saúde pública, mas não deixa de ser também um desafio para os nutricionistas que atendem este público – a quem geralmente é imputada a responsabilidade de “resolver o problema”, quando na verdade se faz necessário um trabalho em conjunto com a família.
Assim como para os adultos, é importante lembrar que essa condição não advém de uma única causa; ela é o resultado de uma intrincada rede de fatores biológicos, de desenvolvimento, comportamentais, genéticos e ambientais.
Recentemente, a influência de mecanismos epigenéticos, da microbiota intestinal e de fatores intrauterinos ganhou destaque como elementos contribuintes para essa epidemia. Adicionalmente, certas condições neonatais, como o nascimento com peso abaixo do esperado para a idade gestacional, a alimentação por fórmulas em detrimento da amamentação e a introdução prematura de proteínas na alimentação do infante, foram associadas a um aumento do peso que se estende pela vida adulta.
Historicamente, as estratégias de prevenção e intervenção focaram em ajustes pontuais, como o incremento da atividade física diária e a limitação da ingestão calórica. Todavia, tais abordagens apresentam eficácia limitada (para não dizer inexistente) – especialmente na ausência de engajamento da família para adotar mudanças para todos e não só para a criança.
Diversos estudos têm investigado a influência dos pais na dieta e na atividade física das crianças, bem como a eficácia de intervenções que envolvem os pais na prevenção e no tratamento da obesidade infantil:
- Os pais têm um papel significativo na formação dos hábitos alimentares e de atividade física das crianças, impactando diretamente o risco de obesidade infantil;
- Intervenções que incluem componentes voltados para os pais mostram melhorias nos resultados de peso e status de peso das crianças;
- Programas que envolvem os pais de maneira ativa, como através de newsletters, mensagens de texto e aulas sobre alimentação, são eficazes em melhorar a alimentação das crianças e a relação entre pais e filhos;
- Intervenções que combinam componentes escolares e domiciliares, com materiais educativos consistentes e capacitação dos pais, tendem a ser mais eficazes;
- Intervenções eficazes frequentemente utilizam técnicas de mudança de comportamento, como identificação de dificuldades, reestruturação do ambiente doméstico e monitoramento específico de metas.
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Família como aliada, não inimiga
Estudos qualitativos mostram que pais de crianças com sobrepeso enfrentam a estigmatização social e a pressão constante da mídia, ao mesmo tempo há relatos que apontam uma carga emocional significativa ao lidar com a obesidade infantil, incluindo dificuldades em gerenciar o apetite da criança e sentimento de culpa e frustração. E ainda, pais frequentemente sentem que o apoio de profissionais da saúde é inadequado para ajudá-los a gerenciar os hábitos alimentares de seus filhos.
Logo, julgar os pais por questões de peso de seus filhos pode ser não apenas injusto (por desconsiderar a obesidade como uma condição multifatorial), mas também contraproducente. Tal julgamento pode aumentar o estigma associado à obesidade, o que pode, por sua vez, exacerbar o estresse e a ansiedade tanto nos pais quanto nas crianças. Esse estigma pode desencorajar as famílias de buscar ajuda e suporte, que são essenciais para promover mudanças saudáveis.
Em vez de julgar, é mais interessante oferecer apoio, compreensão e recursos adequados para ajudar as famílias a enfrentarem esses desafios. Ao trabalhar juntos e abordar a obesidade infantil com uma perspectiva compassiva e baseada em evidências, podemos ajudar a fortalecer as famílias para que façam escolhas saudáveis sem medo de julgamento ou culpa.
Como ajudar, na prática?
Estudos sugerem que os pais podem promover uma alimentação saudável para crianças usando o comer intuitivo ao permitir escolhas alimentares, incentivar o reconhecimento da saciedade, e focar no prazer de comer, além de melhorar as expectativas sobre os resultados.
O prazer ao comer, incluindo a dimensão sensorial, social e psicossocial, é crucial para desenvolver hábitos alimentares saudáveis em crianças. Incentivar os pais a criarem situações que enfatizem o prazer em comer, ao mesmo tempo que incentivam a criança a reconhecer os seus próprios sinais de saciedade pode ser uma estratégia interessante.
Além disso, um ambiente alimentar saudável em casa, incluindo a disponibilidade de uma grande variedade de alimentos, ausência de tensão e brigas nas refeições e o exemplo dos pais, é fundamental para promover hábitos alimentares saudáveis nas crianças.
É importante reconhecer que as mudanças não ocorrem da noite para o dia. Este é um processo gradual que envolve compromisso e paciência. Ao trabalhar com famílias em intervenções para obesidade infantil, é crucial ter conversas abertas e honestas com os pais sobre o papel ativo que eles desempenharão. Este envolvimento muitas vezes requer que os próprios pais revisem e ajustem seus hábitos e rotinas.
É fundamental comunicar que, ao se comprometerem com a mudança, eles não apenas apoiarão seus filhos, mas também podem estar embarcando em uma jornada pessoal de mudança.
Este processo pode desafiar as práticas familiares estabelecidas, mas também oferece uma oportunidade valiosa para fortalecer os laços familiares e promover um estilo de vida mais saudável para todos.
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