A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é uma condição muito prevalente em todo o mundo. Nos últimos anos houve um aumento substancial do número de indivíduos com HAS – que pode ser atribuído em parte ao crescimento demográfico, envelhecimento populacional, avanços no diagnóstico, valores de referência e nas pesquisas, e mudança nos hábitos de vida e alimentares. A relação entre comportamentos alimentares e a pressão arterial é indiscutível, sendo o nutricionista um profissional chave para a prevenção e para o cuidado da HAS – neste contexto a DASH (Dietary Approaches to Stop Hypertension) tem sido amplamente recomendada, mas no que, de fato, consistem essas recomendações?
Fisiopatologia da Hipertensão Arterial Sistêmica
A pressão arterial é definida como a força que o sangue exerce contra as paredes arteriais durante a contração cardíaca (pressão arterial sistólica – PAS) e na fase de relaxamento do coração (pressão arterial diastólica – PAD).
Os critérios diagnósticos para HAS, estabelecidos pelas Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial estão apresentados no QUADRO 1. É fundamental que esses valores sejam interpretados após medição com técnica apropriada em pelo menos duas ocasiões distintas, na ausência de tratamento anti-hipertensivo.
Quadro. Classificação da pressão arterial segundo as Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial
Classificação | PAS (mmHg) | PAD (mmHg) |
Pressão normal | 120-129 | 80-84 |
Pré-hipertensão | 130-139 | 85-89 |
Hipertensão Estágio 1 | 140-159 | 90-99 |
Hipertensão Estágio 2 | 160-179 | 100-109 |
Hipertensão Estágio 3 | >180 | >110 |
A patogênese da HAS é multifatorial, envolvendo componentes genéticos, epigenéticos (modificações na expressão gênica decorrentes de fatores externos), ambientais e sociais. Esses elementos contribuem de forma integrada para o desenvolvimento da doença, evidenciando a complexidade da condição e o equívoco em atribuí-la unicamente ao consumo elevado de sal e alimentos relacionados.
Comportamentos alimentares, ainda que fundamentais no quadro geral, não podem ser um fator limitante na hora do cuidado com o paciente – especialmente com julgamentos, broncas e culpabilização, que não ajudam de fato a pessoa que está precisando de ajuda.
Sabe-se que o excesso de sódio na corrente sanguínea contribui para uma maior retenção de água pelos rins, elevando o volume sanguíneo e, consequentemente, a pressão arterial. Além disso, níveis elevados de sódio podem induzir disfunção endotelial, enrijecendo a camada interna dos vasos sanguíneos e potencializando o desenvolvimento da HAS.
No entanto, o aumento do sódio circulante não é exclusivamente causado pela alimentação – fatores adicionais, como o uso de medicamentos que contêm sódio em suas formulações (como antiácidos, analgésicos e remédios para resfriados), bem como certas condições médicas como doenças renais, hipotireoidismo e síndrome de Cushing, também podem elevar os níveis de sódio.
O que é a dieta DASH?
A dieta DASH foi originalmente desenvolvida nos Estados Unidos nos anos 90 como parte de um estudo de 8 semanas para testar os efeitos da alimentação sobre a pressão arterial. Em linhas gerais, esta dieta promove o consumo de vegetais e frutas, carnes magras e produtos lácteos – além de preconizar um consumo máximo de 1,5 g de sódio por dia, (cerca de 4g de sal).
Um planejamento alimentar baseado na DASH incluí: 5 porções de hortaliças; 5 porções de frutas; 7 porções de tubérculos e cereais integrais; 2 porções de lácteos desnatados; 2 porções de carnes magras; e consumo de nozes e sementes durante a semana. Ainda é necessário estar atento as principais fontes de gordura, dando sempre preferência para azeite de oliva, abacate, peixes magros – em detrimento de gorduras de alimentos ultraprocessados. E considerar a inclusão de alimentos ricos em potássio, cálcio e magnésio: como banana, laranja, folhas verdes escuras e cereais integrais.
A dieta DASH tem se mostrado eficaz não apenas na redução da pressão arterial, mas também em melhorar outros marcadores de saúde metabólica, como peso e colesterol. Estudos longitudinais associam a adoção destes hábitos com reduções importantes na mortalidade geral entre adultos hipertensos. Além disso, a DASH tem mostrado resultados promissores em diminuir a pressão arterial em diversos subgrupos populacionais, incluindo aqueles com condições pré-existentes de hipertensão.
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Fonte: Canva
Apesar dos resultados positivos, é necessário um olhar crítico para considerar que as mudanças propostas pela DASH muito se aproximam das recomendações gerais de alimentação saudável para o público em geral – e mesmo sendo um consenso há anos que consumir mais frutas e verduras é essencial, o que é difícil mesmo é colocar em prática, considerando diversas realidades individuais.
Um profissional com um olhar mais amplo sempre vai considerar que nem todas as pessoas têm controle total sobre suas escolhas alimentares devido a fatores socioeconômicos e questões práticas, como arranjos familiares que determinam quem tem controle sobre as refeições.
Além disso, as orientações nutricionais devem transcender as simples reduções, substituições e recomendações alimentares, incorporando estratégias que olhem para o comportamento dos indivíduos em seus respectivos contextos.
É crucial também não olhar exclusivamente para a alimentação como único parâmetro, enfatizando a importância da prática de atividades físicas. Tais recomendações, embora frequentemente adotadas no contexto clínico, requerem uma abordagem altamente individualizada e desprovida de estigmatização por parte dos profissionais de saúde para que possam ser efetivamente transformadoras. Especialmente no início, o trabalho com pequenas metas é muito mais interessante e encorajador do que um plano alimentar radical.
Portanto, existem boas evidências que justifiquem a adoção da DASH, mas elas de nada adiantarão se o paciente não conseguir colocar as recomendações em prática – e para que um profissional de saúde possa fornecer orientação adequada sobre a HAS, é fundamental que ele reavalie suas próprias concepções e esteja aberto a compreender as circunstâncias individuais do paciente que busca assistência.
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