Nutrição fora do consultório: Como planejar o atendimento em feiras e mercados?

Descubra como atendimentos em supermercados e feiras livres podem transformar a prática nutricional, promovendo escolhas alimentares mais conscientes e duradouras.


Atendimentos fora do consultório, como em supermercados e feiras livres, representam uma abordagem inovadora e eficaz para promover mudanças reais no comportamento alimentar dos pacientes.

Estudos mostram que feiras locais não apenas aumentam o consumo de frutas e hortaliças, mas também oferecem benefícios sociais e econômicos, criando um ambiente que favorece a interação comunitária e uma melhor alimentação. Da mesma forma, intervenções em supermercados têm se mostrado ferramentas poderosas para aumentar o conhecimento sobre comida, melhorar atitudes em relação à alimentação e promover escolhas mais conscientes.

Essas iniciativas não só ampliam o impacto do nutricionista, como fortalecem vínculos e dão autonomia para os pacientes, traduzindo o conhecimento em práticas aplicáveis ao dia a dia.

Atendendo no supermercado

O atendimento no supermercado é uma oportunidade prática para ajudar o paciente a tomar decisões mais conscientes durante as compras. Esse formato permite ensinar a leitura de rótulos, a escolha de alimentos frescos, e estratégias para planejar refeições de maneira econômica e eficiente.

Quando propor?

Este atendimento deve ser sugerido após algumas consultas iniciais, quando o nutricionista já tiver identificado as principais dificuldades e comportamentos do paciente em relação à compra de alimentos. É ideal para pacientes que demonstram insegurança ao escolher alimentos, têm dificuldade em planejar as refeições ou se sentem sobrecarregados com o excesso de opções no supermercado. Também é uma excelente estratégia para aqueles que precisam ajustar sua estrutura alimentar e orçamento.

 

Como fazer?

 

  • Preparação prévia:
  • Combine a visita com o paciente, escolhendo um supermercado acessível e de preferência familiar para ele.
  • Peça que ele leve uma lista de compras inicial, baseada no que ele compra habitualmente, para que possam trabalhar juntos nela.
  • Revise brevemente os objetivos do atendimento antes de começar, para que ambos tenham clareza do foco da visita.
  • No supermercado:
  • Oriente o paciente a observar a organização do supermercado e como isso pode influenciar suas escolhas.
  • Comece pelas seções de frutas, hortaliças, carnes e outros alimentos frescos, explicando a importância de priorizá-los.
  • Se necessário, ensine a avaliar a qualidade das frutas, hortaliças, carnes.
  • Aborde técnicas de armazenamento e conservação para evitar desperdícios.
  • Para produtos embalados, mostre como identificar os ingredientes principais e outros aspectos importantes no rótulo (cuidado com a contagem de calorias – isto é um comportamento de risco para transtornos alimentares!)
  • Use exemplos mais práticos, comparando produtos similares para ajudar o paciente a entender as diferenças entre eles – com foco na lista de ingredientes.
  • Se necessário, ofereça sugestões de substituições para alimentos que ele já consome.
  • Lembre-se de não separar alimentos entre “saudáveis” e “não saudáveis” e que todos os alimentos (até os ultraprocessados) podem ter um espaço em uma alimentação saudável.

 

Atendendo nas feiras livres e comunitárias

O atendimento em feiras livres ou comunitárias é uma experiência única para o paciente conhecer novos alimentos, valorizar a produção local e estabelecer uma conexão mais próxima com sua alimentação. Além de promover a descoberta de ingredientes frescos e acessíveis, a feira é um ambiente onde o paciente pode explorar sabores, aromas e texturas, tornando a alimentação um processo mais criativo e prazeroso.

Quando propor?

Recomenda-se propor esse tipo de atendimento para pacientes que demonstram um baixo repertório de alimentos nas refeições e resistência em experimentar novos alimentos. Este formato é ideal para pacientes que já apresentam prontidão para a mudança e estão abertos a novas possibilidades, geralmente após algumas consultas.

 

Como fazer?

  • Preparação prévia:
  • Combine com o paciente o dia e horário da visita, preferencialmente em uma feira de fácil acesso e que ele possa frequentar regularmente. (Se possível, chegue mais cedo e fique familiarizado com a feira)
  • Na feira:
  • Apresente o ambiente e destaque a importância de prestigiar pequenos produtores e feirantes locais.
  • Incentive o paciente a explorar diferentes barracas antes de comprar, observando preços, qualidade e variedade.
  • Mostre alimentos típicos ou menos conhecidos, explicando suas formas de preparo.
  • Estimule o paciente a experimentar frutas, verduras ou legumes que ele nunca consumiu, oferecendo sugestões práticas para incluí-los nas refeições.
  • Explique a sazonalidade dos alimentos e como isso pode influenciar os preços e a qualidade.
  • Ajude o paciente a adaptar sua lista de compras, incluindo alimentos frescos e variados que atendam às suas necessidades e gostos.
  • Incentive o paciente a conversar com os feirantes, perguntando sobre a origem dos alimentos e trocando ideias sobre preparações culinárias.
  • Reforce a importância de criar uma relação de confiança com os fornecedores locais.

Essas experiências de atendimento no supermercado e nas feiras livres oferecem ao nutricionista a oportunidade única de se posicionar como um verdadeiro parceiro do paciente, interagindo em ambientes reais e promovendo mudanças práticas que fazem sentido na rotina individual. É um momento de desconstrução de barreiras, tanto físicas quanto simbólicas: o jaleco, a mesa de consultório e até mesmo a posição hierárquica ficam de lado para dar lugar a uma relação mais horizontal e acolhedora.

Mas esse tipo de abordagem exige um cuidado extra na forma de se comunicar. O supermercado e a feira podem ser lugares de dúvidas, desconforto e, até mesmo, julgamentos silenciosos para muitas pessoas. Por isso, é fundamental respeitar seus conhecimentos prévios, escutar, observar e ensinar de forma gentil – adaptando o discurso e as orientações ao nível de entendimento e à realidade do paciente.

Oferecer atendimentos fora do consultório, em ambientes reais, vai muito além do que se aprende nas grades curriculares tradicionais. Esse tipo de experiência é um diferencial marcante na prática do nutricionista, fortalecendo a relação com o paciente e permitindo que as orientações façam parte do cotidiano de forma concreta. Para o profissional, é uma chance de humanizar ainda mais a prática, ampliando seu impacto e criando conexões significativas.

Texto por Felipe Daun: nutricionista, mestre e doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP. Aprimorando em Transtornos Alimentares pelo AMBULIM IPq-FMUSP. Professor do Instituto Nutrição Comportamental e colaborador da Academia da Nutrição.

 

Referências Bibliográficas:

 

  • Cameron, A., Charlton, E., Ngan, W., & Sacks, G. (2016). A Systematic Review of the Effectiveness of Supermarket-Based Interventions Involving Product, Promotion, or Place on the Healthiness of Consumer Purchases. Current Nutrition Reports, 5, 129-138. https://doi.org/10.1007/s13668-016-0172-8.
  • Hsiao, B., Sibeko, L., & Troy, L. (2019). A Systematic Review of Mobile Produce Markets: Facilitators and Barriers to Use, and Associations with Reported Fruit and Vegetable Intake.. Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics, 119 1, 76-97.e1 . https://doi.org/10.1016/j.jand.2018.02.022.
  • Nikolaus, C., Muzaffar, H., & Nickols-Richardson, S. (2016). Grocery Store (or Supermarket) Tours as an Effective Nutrition Education Medium: A Systematic Review.. Journal of nutrition education and behavior, 48 8, 544-554.e1 . https://doi.org/10.1016/j.jneb.2016.05.016
  • Quandt, S., Dupuis, J., Fish, C., & D’Agostino, R. (2013). Feasibility of Using a Community-Supported Agriculture Program to Improve Fruit and Vegetable Inventories and Consumption in an Underresourced Urban Community. Preventing Chronic Disease, 10. https://doi.org/10.5888/pcd10.130053.
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