As artes marciais, como judô, kickboxing, artes marciais mistas (MMA), boxe e taekwondo, exigem não apenas habilidades técnicas e táticas, mas também um rigoroso controle de peso para assegurar uma competição justa e equilibrada. Nesta dinâmica, a nutrição esportiva emerge como um pilar fundamental, desempenhando um papel crucial na preparação dos atletas. A escolha adequada dos alimentos e a estratégia nutricional não só influenciam o desempenho atlético, mas também impactam a recuperação pós-treino e a saúde geral dos competidores.
O planejamento alimentar eficaz é essencial para que os atletas alcancem e mantenham o peso ideal para sua categoria, além de otimizar a performance durante as competições. A orientação contínua de profissionais de saúde, como nutricionistas esportivos, é vital para elaborar planos alimentares personalizados que atendam às necessidades específicas de cada atleta e às demandas do seu esporte.
Trazemos também uma entrevista exclusiva com Luciana Rossi, uma renomada nutricionista especializada em modalidade de combate, que atualmente fornece acompanhamento nutricional para lutadores. Luciana compartilhou sua visão e experiência sobre como a nutrição pode influenciar diretamente nas práticas marciais.
Controle de Peso e Desempenho
O peso corporal dos atletas é um fator determinante para a categoria em que competem. Manter o peso próximo do ideal é crucial para maximizar o desempenho e garantir uma competição justa. O segredo para o sucesso reside em evitar perdas rápidas e drásticas de peso, que podem resultar em desidratação, perda de massa , comprometimento da força e redução significativa do desempenho esportivo.
Uma abordagem nutricional adequada é essencial para assegurar que os atletas mantenham seus estoques de energia, minimizem a fadiga e otimizem o tempo de recuperação pós-treino. Além disso, uma alimentação equilibrada ajuda a prevenir lesões e contribui para a saúde geral, promovendo um equilíbrio entre força, resistência e bem-estar.
Estudos e impactos da suplementação
O treino exaustivo, caracterizado por sessões intensas e prolongadas, pode elevar os níveis de estresse oxidativo e processos inflamatórios nos lutadores. Esse aumento do estresse oxidativo pode levar a um desgaste mais acelerado das células e à inflamação crônica, impactando negativamente a recuperação e o desempenho.
A suplementação é uma prática comum entre atletas de esportes de combate, como evidenciado por diversos estudos. Um levantamento conduzido por (Sá, 2015) com atletas de jiu-jitsu mostrou que 33,33% dos participantes faziam uso de suplementos, principalmente proteicos. De maneira semelhante, a pesquisa de (Gomes, 2008) com lutadores de muay thai revelou um alto consumo de suplementos, sendo a orientação frequentemente fornecida por amigos ou instrutores, e menos frequentemente por nutricionistas.
Embora a suplementação possa oferecer benefícios significativos, seu uso deve ser cuidadosamente orientado por profissionais qualificados para evitar impactos negativos na saúde e desempenho. A Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte (SBME, 2003) alerta para o crescimento do uso inadequado de suplementos, especialmente em academias.
Quando administrada corretamente, a suplementação pode ser uma ferramenta eficaz para a recuperação, reparo de tecidos e maximização do potencial atlético, ressaltando a importância de uma abordagem bem planejada e personalizada.
A suplementação com vitaminas antioxidantes, como vitamina C e E, e com ômega-3, pode ser altamente benéfica para mitigar os efeitos do estresse oxidativo e da inflamação. A vitamina C, presente em frutas cítricas e vegetais como brócolis e pimentões, ajuda a neutralizar radicais livres e fortalece o sistema imunológico (Carr & Maggini, 2017). Já a vitamina E, encontrada em nozes e sementes, protege as células contra danos oxidativos (Traber & Atkinson, 2007). O ômega-3, encontrado em peixes gordurosos e sementes de linhaça, possui propriedades anti-inflamatórias que ajudam a reduzir a inflamação e promover a recuperação muscular (Calder, 2017). Esses nutrientes contribuem para a saúde geral dos atletas, melhorando a resposta imunológica e acelerando a recuperação após treinos intensos.
A creatina é um suplemento amplamente utilizado por atletas, especialmente por lutadores, devido aos seus benefícios comprovados na melhora do desempenho físico. Ela é conhecida por aumentar a força e a potência muscular, além de promover o ganho de massa muscular magra (Kreider et al., 2017). A creatina atua principalmente no sistema de energia de fosfocreatina, que é crucial para atividades de alta intensidade e curta duração, como os exercícios comuns em treinos de luta. Estudos demonstram que a suplementação de creatina pode melhorar significativamente o desempenho em atividades de alta intensidade (Branch, 2003).
Confira agora a entrevista exclusiva com Dra Luciana Rossi
1 – Quais são os sinais de que um lutador pode estar sofrendo de estresse oxidativo ou inflamação excessiva devido aos treinos intensos?
Segundo Luciana, uma publicação recente discute a relação entre o estresse oxidativo, que pode levar ao processo inflamatório, e a atividade física. Enquanto a atividade física pode ter um efeito protetor, o excesso dela pode causar um desbalanço entre o processo oxidativo e as defesas antioxidantes (Nocella et al., 2019).
Uma boa estratégia para ‘mensurar’ os possíveis efeitos do aumento do estresse oxidativo é baseada no volume de treinamento. As adaptações aos treinamentos são importantes para a vida do atleta e para a melhora do rendimento; no entanto, o excesso pode induzir a má adaptação, levando ao overreaching e possivelmente ao overtraining.
Os primeiros sinais do overtraining se manifestam em diferentes sistemas, como o fisiológico (redução do rendimento, força, massa corporal, fadiga crônica), bioquímico (redução da glicemia, aumento do cortisol, catecolaminas e lactato), psicológico (redução do apetite, irritabilidade, depressão, alteração do padrão de sono, e imunológico (redução da IgA, glutamina, febre, infecção do trato respiratório superior, por exemplo). Muitos desses sinais podem ser detectados sem necessidade de análise laboratorial, através de parâmetros de rendimento, avaliação nutricional e sinais clínicos do atleta de combate.
A resolução efetiva e rápida depende do trabalho conjunto entre profissionais, sendo o médico responsável pela avaliação clínica e bioquímica; o preparador físico pela redução da carga total de exercício; e o nutricionista pelo aumento da ingestão de energia, principalmente proveniente de carboidratos, uma dieta rica em nutrientes antioxidantes e a prescrição suplementar (creatina, ômega 3 e entre outros).
Outro tópico de destaque nesta questão é a prescrição de uma dieta plant-based como uma estratégia nutricional preventiva para atletas de alto rendimento
2 – Como um nutricionista pode ajudar a prevenir a desidratação e manter o equilíbrio eletrolítico em atletas de esportes de combate?
O treinamento de um lutador de esportes de combate (MMA, boxe, karatê, judô, taekwondo, jiu-jitsu e outras lutas) pode induzir perdas hídricas significativas que, quando acumuladas ou não gerenciadas, conduzem a um progressivo estado de desidratação, tanto aguda quanto crônica. Esta perda hídrica pode estar associada à perda de importantes eletrólitos, como sódio, cloreto, potássio, magnésio.
Adicionalmente, outro fator de risco para desidratação é a perda de peso induzida por métodos de perda hídrica (sauna seca ou úmida, aumento do exercício ou estresse térmico, entre outros), associada à redução da ingestão hídrica.
Uma vez identificado o lutador como um atleta de grande risco para desidratação, o acompanhamento através de biomarcadores do estado hídrico é fundamental para evitar riscos associados. Entre esses biomarcadores, os mais aconselháveis seriam os não invasivos ou aplicáveis em situação de campo e no dia a dia do acompanhamento nutricional, como a variação de peso intra e entre treinamentos (como a perda percentual de peso – PP < 2% do peso inicial), e o exame de bioimpedância para determinar a quantidade de água corporal total, além de água intra e extracelular. Como método invasivo, teríamos a gravidade específica da urina (GEU < 1,020 g/mL) obtida com um refratômetro.
Uma vez detectado o estado de desidratação, a ingestão de suplementos hidroeletrolíticos durante o treino intenso (PP > 2% ou GEU > 1,020 g/mL), ou com duração maior do que 1h, é necessária. Recomenda-se adicionalmente, 4h antes do treino, a ingestão de água entre 5 a 7 mL/kg de massa corporal (para um lutador de 60 kg: entre 300 a 420 mL), para a produção de urina amarelo claro (sinal de boa hidratação). Caso não ocorra a produção de urina ou esta seja amarelo escura (sinal de desidratação), é recomendável uma nova ingestão de água, entre 3 a 5 mL/kg (180 a 300 mL), 1h antes do treino.
Finalmente, após o exercício, deve-se continuar a ingestão de líquidos até a reposição total do peso corporal perdido e o alcance da massa corporal pré-treino ou evento esportivo.
3 – Quais são as considerações mais importantes ao planejar a dieta de um lutador durante o período de corte de peso antes de uma competição?
De acordo com Luciana Rossi, o primeiro grande passo é realizar uma avaliação antropométrica para determinar pelo menos três compartimentos corporais fundamentais para as decisões sobre o planejamento nutricional: massa livre de gordura, massa gorda e água corporal total. A partir da obtenção do percentual de gordura (PG) e categoria de peso, as decisões sobre a possibilidade de métodos de corte ou perda de peso são decididas.
A fase de perda crônica deve levar em consideração se o atleta tem mais de 7 dias, e se homens possuem mais de 5% e mulheres mais de 12% de PG. Nesse caso, as estratégias nutricionais focarão na redução energética (entre 10 a 20%) e dieta normoglicídica (4 a 5 g/kg/dia) e hiperproteica (>1,8 g/kg/dia).
Se houver menos de 7 dias, denomina-se perda de peso aguda. Caso haja mais de 4h para recuperação e a perda seja maior que 5% da massa corporal, podem ser utilizados isoladamente ou em combinação métodos de manipulação do conteúdo intestinal (restrição alimentar ou de fibras, entre outros); manipulação da água corporal (restrição de ingestão de líquidos, restrição de consumo de carboidratos, entre outros); ou manipulação de sudorese (saunas, aumento do tempo de exercício, entre outros).
Conhecendo a nutricionista Luciana Rossi
![](https://academiadanutricao.com/wp-content/uploads/2024/07/image-3-768x1024.jpeg)
Forma��ão Acadêmica:
- Pós-Doutorado: Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) – USP
- Doutorado: Programa de Pós-Graduação em Nutrição (PRONUT) – Faculdade de Saúde Pública (FSP), FCF e Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) – USP
- Mestrado em Ciências dos Alimentos: FCF – USP
- Graduação em Nutrição: FSP – USP
- Publicações:
- Organizadora: “Rossi & Poltronieri: Tratado de Nutrição e Dietoterapia,” 2024, 2ª edição
- Prêmios e Reconhecimentos:
- Prêmio Destaque Profissional CRN3 em Nutrição Esportiva: 2014
- Especialista em Nutrição Esportiva: Associação Brasileira de Nutrição (ASBRAN)
- Outras Conquistas:
- Faixa Preta 2º Dan em Karatê Estilo Shotokan
- Vice-Campeã Panamericana de Kata em Equipe: Bogotá
- Papel Crucial da Nutrição em Esportes de Combate
Em conclusão, a nutrição esportiva é um pilar fundamental para o sucesso dos atletas de esportes de combate. O controle rigoroso do peso, uma alimentação balanceada e uma suplementação cuidadosamente orientada são indispensáveis para maximizar o desempenho, prevenir lesões e assegurar a saúde a longo prazo dos esportistas.
Estudos demonstram que uma abordagem nutricional bem estruturada e personalizada não só melhora a eficiência no treino e na competição, mas também é crucial para a recuperação e a manutenção do bem-estar geral dos atletas. A colaboração de uma equipe multidisciplinar é essencial para fornecer um suporte integral, garantindo que cada atleta alcance seu potencial máximo e mantenha a saúde e a longevidade na carreira esportiva.
Portanto, a nutrição desempenha um papel vital na potencialização do desempenho nos tatames e ringues, contribuindo significativamente para a durabilidade e qualidade de vida dos esportistas.
Para se aprofundar no tema, Dra Luciana Rossi recomenda consultar o excelente artigo de revisão de Ayaz e colaboradores de 2024, intitulado: 1.Ayaz A, Zaman W, Radák Z, Gu Y. Harmony in Motion: Unraveling the Nexus of Sports, Plant-Based Nutrition, and Antioxidants for Peak Performance. Antioxidants [Internet]. 2024 Apr 1;13(4):437. Disponível em: https://www.mdpi.com/2076-3921/13/4/437
Este foi mais um conteúdo da Série Modalidades Olímpicas aqui na Academia da Nutrição, se perdeu algum deles aproveite para conferir:
Dia Nacional do Futebol: História, Nutrição e Benefícios
Nutrição e Olimpíadas: O Papel dos Nutricionistas em Paris 2024
Referências bibliográficas:
- Carina Alice Sá, Benneman G, Silva C, Ferreira A. Consumo alimentar, ingestão hídrica e uso de suplementos proteicos por atletas de Jiu-Jitsu. RBNE – Revista Brasileira de Nutrição Esportiva [Internet]. 2015 [cited 2024 Jul 23];9(53):411–8. Available from: https://www.rbne.com.br/index.php/rbne/article/view/563
- Sombra B, Mesquita I, Sobreira M, Fernando F, Rodrigues Brito C, Duarte De Morais V, et al. RBNE Revista Brasileira de Nutrição Esportiva uso de suplementos alimentares em praticantes de artes marciais em uma academia de fortaleza- CE [Internet]. [cited 2024 Jul 23]. Available from: https://www.rbne.com.br/index.php/rbne/article/download/2050/1306/
- Careclub. Guia de Nutrição para MMA, Lutas e Esportes de Combate [Internet]. Care Club – Health Center | Centro de Saúde | Medicina, Fisioterapia, Nutrição, Treinamento, Spa e muito mais. 2023 [cited 2024 Jul 23]. Available from: 1.careclub. Guia de Nutrição para MMA, Lutas e Esportes de Combate [Internet]. Care Club – Health Center | Centro de Saúde | Medicina, Fisioterapia, Nutrição, Treinamento, Spa e muito mais. 2023. Available from: https://careclub.com.br/content/guia-de-nutricao-para-mma-lutas-e-esportes-de-combate/
- Carr, A. C., & Maggini, S. (2017). Vitamin C and Immune Function. Nutrients, 9(11), 1211. https://doi.org/10.3390/nu9111211
- Traber, M. G., & Atkinson, J. (2007). Vitamin E, Antioxidant and Nothing More. Free Radical Biology and Medicine, 43(1), 4-15. https://doi.org/10.1016/j.freeradbiomed.2007.03.024
- Calder, P. C. (2017). Omega-3 fatty acids and inflammatory processes: from molecules to man. Biochemical Society Transactions, 45(5), 1105-1115. https://doi.org/10.1042/BST20160474
- Kreider, R. B., Kalman, D. S., Antonio, J., Ziegenfuss, T. N., Wildman, R., Collins, R., … & Lopez, H. L. (2017). International Society of Sports Nutrition position stand: safety and efficacy of creatine supplementation in exercise, sport, and medicine. Journal of the International Society of Sports Nutrition, 14(1), 18. https://doi.org/10.1186/s12970-017-0173-z
- Branch, J. D. (2003). Effect of creatine supplementation on body composition and performance: a meta-analysis. International Journal of Sport Nutrition and Exercise Metabolism, 13(2), 198-226. https://doi.org/10.1123/ijsnem.13.2.198
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.