Nutrição e inclusão: Aspectos no atendimento nutricional às pessoas com deficiência

Promova a inclusão no atendimento nutricional, adaptando práticas para atender pessoas com deficiências sensoriais e físicas, respeitando suas necessidades e diferenças.


Já é sabido que os determinantes do comportamento alimentar são amplos e, ainda que muito particulares, refletem a nossa história, cultura, ambiente, economia, educação, política – tudo o que fazemos parte do modo que vivenciamos o mundo.

Um atendimento nutricional adequado deve considerar todos estes aspectos, da investigação à proposta de plano de ação, e inevitavelmente sofre influências da nossa própria forma de vida – mas e quando a pessoa que estamos atendendo são diferentes?

Você já pensou como é uma refeição em família (que tipicamente envolvem conversas, sons de talheres e copos) para uma pessoa com deficiência auditiva? Ou como é escolher uma fruta para uma pessoa com deficiência visual?

A verdade é que nunca vamos saber exatamente essas respostas, sem vivenciar tais experiências na pele – mas podemos estudar sobre o assunto para que possamos acolher demandas deste público e oferecer um atendimento mais inclusivo.

A inclusão no atendimento nutricional vai além de adaptações pontuais: trata-se de reconhecer a deficiência como parte da diversidade humana e integrar as necessidades específicas dessa população em práticas de saúde.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua de 2022, 18,6 milhões de brasileiros com 2 anos ou mais possuem algum tipo de deficiência, representando 8,9% dessa população. Esse grupo inclui deficiências físicas, sensoriais e intelectuais, que são mais prevalentes entre idosos e mulheres.

Estudos apontam que pessoas com deficiência enfrentam barreiras físicas, sociais e econômicas no acesso a serviços de saúde, incluindo o atendimento do nutricionista, o que pode agravar condições de saúde e aumentar o risco de comorbidades.

Deficiências físicas e os espaços de alimentação 

Pessoas com deficiências físicas enfrentam desafios significativos no preparo e no consumo de alimentos, o que pode afetar tanto sua saúde quanto sua interação social. Tarefas como descascar, cortar e cozinhar apresentam riscos e dificuldades, especialmente quando envolvem calor ou instrumentos cortantes.

A insegurança e a falta de autonomia nesses momentos podem gerar sentimentos de sobrecarga e solidão, além de limitar a participação em refeições coletivas.

Estratégias como o uso de utensílios adaptados e organização lógica dos espaços de cozinha ajudam a minimizar esses obstáculos, promovendo maior independência e qualidade de vida – mas, obviamente esta não é uma realidade acessível.

Deficiências visuais e a experiência multissensorial

Para pessoas com deficiência visual, a alimentação é uma experiência profundamente multissensorial, influenciada pela falta de visão em todas as etapas do processo alimentar. A escolha de alguns alimentos pode ser dificultada pela impossibilidade de identificar, conferir alguns aspectos relacionados a qualidade e até ler rótulos – quando não há sem assistência direta.

Na preparação de refeições, desafios como verificar a limpeza, o estado dos alimentos ou o ponto de cozimento são comuns, exigindo uma atenção especial. Fora do contexto doméstico, porém, muitos relatam experiências positivas ao comer fora quando contam com menus acessíveis e pessoal treinado, destacando a importância de ambientes inclusivos.

Deficiências auditivas e a interação social

A deficiência auditiva afeta profundamente a socialização durante as refeições, principalmente em ambientes ruidosos e reverberantes, como restaurantes. A dificuldade de comunicação nesses espaços pode levar ao isolamento social, solidão e até mesmo sintomas depressivos, prejudicando não apenas a experiência da refeição, mas também o bem-estar geral. Para muitos, o esforço cognitivo necessário para acompanhar conversas nesses contextos é exaustivo, reduzindo o prazer da refeição.

Embora a relação direta entre deficiência auditiva e percepção do sabor seja pouco documentada, estudos sugerem que a perda de um sentido pode impactar a percepção sensorial geral, incluindo o paladar.

A alimentação é uma experiência multissensorial, onde sons, texturas e sabores estão interligados. Pessoas com deficiência auditiva podem experimentar mudanças na percepção gustativa devido à falta de integração entre estímulos sensoriais. Além disso, a perda auditiva está associada a um aumento do esforço cognitivo, que pode interferir no prazer da refeição, sugerindo a necessidade de ambientes que reduzam estímulos adversos.

O trabalho inclusivo do nutricionista

Pessoas com deficiência enfrentam cotidianamente situações de exclusão e barreiras, muitas vezes sutis, mas profundamente impactantes. É essencial que, como nutricionista, você demonstre disposição genuína em acolher e atender esse público. Deixe claro que está comprometido em oferecer um atendimento cuidadoso e personalizado. Essa atitude é o primeiro passo para construir uma relação de confiança e oferecer suporte de forma ética e respeitosa.

Atender pessoas com deficiências físicas exige uma abordagem que vai além da compreensão dos desafios no preparo e consumo de alimentos. É importante investigar como a deficiência específica impacta o metabolismo e as necessidades nutricionais do indivíduo.

Um plano alimentar inclusivo deve considerar a rotina, os espaços disponíveis e os utensílios utilizados pela pessoa. Além disso, entender como alimentos prontos para o consumo podem funcionar neste contexto e explorar opções de refeições práticas podem ser de grande ajuda.

Para pessoas com deficiências sensoriais, é crucial adaptar não apenas a comunicação, mas também seu posicionamento como um todo. Por exemplo, sugerir que alguém “leia rótulos” pode ser excludente e desmotivador. Entender como essas limitações afetam a experiência alimentar, desde a escolha dos alimentos até o prazer em consumi-los, permite orientações mais certeiras.

Promover a inclusão no atendimento nutricional não se resume a conhecimentos complexos e inacessíveis. Muito do trabalho depende de sensibilidade, ausência de preconceitos, reconhecimento das diferenças e uma visão ampla sobre o ato de comer.

Nutricionistas têm o potencial de criar um impacto positivo e transformador quando valorizam a diversidade humana, respeitam a singularidade de cada pessoa e se comprometem a aprender continuamente.

Afinal, a inclusão começa com a disposição de entender e adaptar práticas ao que realmente importa: o indivíduo.

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