Crononutrição: Mitos e Fatos Sobre Alimentação e Ritmo Circadiano

A crononutrição é um campo emergente no estudo da nutrição que relaciona a alimentação com o ritmo circadiano do corpo […]


A crononutrição é um campo emergente no estudo da nutrição que relaciona a alimentação com o ritmo circadiano do corpo humano. A proposta é que, ao alinhar a ingestão de alguns nutrientes com os ritmos biológicos naturais, seria possível otimizar a saúde e prevenir doenças – mas até quando esta premissa pode ser plausível, sem fomentar um controle excessivo sobre o que e quando se come ou ainda alimentar mitos como “comer carboidrato a noite engorda”? E ainda, será que é válido usar este termo como um diferencial para a prática clínica? 

Entendendo a alimentação no “relógio biológico” 

Para entender como a crononutrição pode impactar a saúde, é essencial saber como funciona o nosso ritmo circadiano, o popular “relógio biológico”.  

Esse sistema regula nossos ritmos diários, ajustando a fisiologia e o comportamento conforme a luz e a alimentação. O “relógio” central do corpo, localizado no cérebro, é influenciado principalmente pela luz e pelos alimentos que ingerimos. Além disso, quase todos os tecidos do corpo têm seus próprios “relógios”, controlados por genes específicos. Esses relógios coordenam muitas funções corporais, incluindo o sono e a fome. 

Os padrões alimentares seguem um ritmo diário e os primeiros trabalhos que identificaram tal relação foram realizados em animais. Em camundongos noturnos, que estão acostumados a ingerir a maioria das calorias durante a noite, houve um ganho de peso quando eles foram forçados a comer durante o dia – sugerindo, então, que o efeito da energia ingerida pode variar dependendo da hora do dia em que os alimentos são consumidos.  

Estudos preliminares em humanos corroboraram os achados em animais que as respostas metabólicas às refeições são influenciadas pelo horário de consumo – o estudo pioneiro de Garaulet et al. (2013) com 400 indivíduos tentando emagrecer identificou que aquelas que fizeram a principal refeição do dia antes das 15h tiveram uma perda de peso estatisticamente maior do que aquelas que almoçavam depois deste horário.  

A justificativa para tais resultados residiria no fato que o metabolismo, incluindo o lipídico e glicêmico, segue o ritmo circadiano e tende a ser mais eficaz no manejo de picos de glicemia e lipídios (naturais do período pós-prandial) nas primeiras horas do dia – mas é necessária muita atenção para que estes mecanismos não sirvam de desculpa para que mitos como “comer carboidrato a noite engorda” sejam levados adiante.  

Entenda por que não é tão simples: 

Carboidratos consumidos durante a noite engordam? 

Não. Pesquisas indicam que o corpo humano continua a metabolizar carboidratos de maneira eficiente durante a noite. Um estudo controlado realizado por Sofer et al. (2011) mostrou que participantes que consumiram a maior parte de suas calorias provenientes de carboidratos no jantar tiveram bons resultados de perda de peso e melhoraram a sensibilidade à insulina em comparação com aqueles que consumiram carboidratos principalmente durante o dia. 

Essa contradição de resultados apenas elucida que não é possível simplificar os mecanismos em interpretações simplistas. O estudo de Garaulet et al. (2013) contava com indivíduos em um programa de perda de peso e a diferença entre os grupos que almoçavam antes ou depois das 15h foi de apenas 2 kg – e ainda que este dado tenha sido estatisticamente relevante para fomentar as alegações dos pesquisadores, trata-se de um número pequeno no “mundo real”, já que pode ser influenciado por muitos outros fatores, como o horário da pesagem e o trânsito intestinal destes participantes.  

Ao mesmo tempo, o estudo de Sofer et al. (2011) foi conduzido com policiais com uma típica rotina ativa, onde também foi observada uma maior saciedade no plano alimentar que oferecia mais carboidratos durante a noite. 

Este panorama nos mostra a importância da individualização de condutas, considerando a rotina do indivíduo como um todo. Não cabe aos nutricionistas, e nem aos profissionais da saúde, proibir o trabalho noturno ou dar recomendações fechadas com os “melhores horários” para se alimentar – mas sim entender como os horários de cada pessoa que buscar ajuda profissional influenciam na alimentação (incluindo a saciedade), no sono e na disposição. 

Embora as evidências iniciais sobre crononutrição sejam promissoras e instiguem a curiosidade, é importante reconhecer que a maioria dos estudos até o momento foi de curto prazo ou envolveu pequenos grupos de participantes. Mais pesquisas de longo prazo e em larga escala são necessárias para fortalecer as evidências no âmbito populacional e entender melhor as possíveis limitações e mecanismos. Enquanto isso, ajustes de horários da alimentação devem ser encarados como uma parte de uma abordagem ampla sobre a alimentação, e não como uma solução isolada.  

Qualidade da alimentação, atividade física, qualidade do sono e muitos outros fatores de estilo de vida estão interconectados e todos influenciam a saúde metabólica.  

A crononutrição oferece uma perspectiva intrigante e potencialmente benéfica sobre como a alimentação pode ser otimizada para melhorar a saúde – mas de uma forma absolutamente individual e não generalista.  

Todos estes conhecimentos se somam (ou pelo menos deveriam) à prática de qualquer nutricionista que lida diretamente com pessoas, e não se trata exatamente de um diferencial. Apesar da crononutrição existir no âmbito da pesquisa, crononutricionistas não existem – pelo menos até a última vez que conferimos a resolução do Conselho Federal de Nutricionistas.  

Nutri, para aprofundar seus conhecimentos sobre o sono e higiene, confira a ferramenta:

  • Referências bibliográficas 
  • Franzago, M., Alessandrelli, E., Notarangelo, S., Stuppia, L., & Vitacolonna, E. (2023). Chrono-Nutrition: Circadian Rhythm and Personalized Nutrition. International journal of molecular sciences, 24(3), 2571. https://doi.org/10.3390/ijms24032571 
  • Garaulet, M., Gómez-Abellán, P., Alburquerque-Béjar, J. J., Lee, Y. C., Ordovás, J. M., & Scheer, F. A. (2013). Timing of food intake predicts weight loss effectiveness. International journal of obesity (2005), 37(4), 604–611. https://doi.org/10.1038/ijo.2012.229 
  • Sofer, S., Eliraz, A., Kaplan, S., Voet, H., Fink, G., Kima, T., & Madar, Z. (2011). Greater weight loss and hormonal changes after 6 months diet with carbohydrates eaten mostly at dinner. Obesity (Silver Spring, Md.), 19(10), 2006–2014. https://doi.org/10.1038/oby.2011.48 

Deixe um comentário

Já pensou em anunciar na comunidade nutricional mais relevante do Brasil?
This is default text for notification bar