Fatores antinutricionais e as dietas ricas em vegetais

 Em uma alimentação à base de plantas e sem alimentos de origem animal, o grupo alimentar das leguminosas será responsável […]


 Em uma alimentação à base de plantas e sem alimentos de origem animal, o grupo alimentar das leguminosas será responsável por suprir a maior parte da demanda proteica dos indivíduos. E é comum surgirem queixas em relação à dificuldade de digestão desses alimentos. 

Parte desses problemas digestivos ocorre devido à presença de fatores antinutricionais, grupo de compostos que ocorrem naturalmente nos vegetais como forma de defesa das próprias plantas contra agentes invasores. 

No dia 01 de novembro, é celebrado o Dia Mundial do Veganismo, marcando o início do mês do veganismo, campanha dedicada a promover debates e discussões e desmistificar informações errôneas sobre esse padrão alimentar que tem atraído cada vez mais interessados. 

Pensando nesses pacientes que, quando comparados aos onívoros, tendem a ingerir quantidades maiores de leguminosas e vegetais, o artigo de hoje é para você compreender melhor o que são essas substâncias, o impacto na saúde e as melhores técnicas dietéticas para instruir o seu paciente. 

E convidamos você também, Nutricionista, para essa leitura. Mesmo que não atue diretamente nesse nicho, onívoros também estão sujeitos ao consumo de fatores antinutricionais pela presença de vegetais em sua alimentação. 

Lectinas

Lectinas são uma classe de proteínas presentes nos grupos alimentares das leguminosas e dos cereais, cujo teor varia de acordo com o local de cultivo. Frutas, legumes e verduras também podem apresentar lectinas, mas em quantidades tão reduzidas que se tornam irrelevantes. 

As lectinas possuem afinidade por carboidratos e, quando se ligam àqueles presentes na membrana celular de eritrócitos, são capazes de aglutinar essas células em um processo irreversível, levando à destruição delas e liberação de compostos tóxicos. Também se ligam a receptores presentes na membrana dos enterócitos, podendo lesioná-los e originar sintomas intestinais que vão desde cólicas até sangramentos. 

O melhor método para reduzi-las nos grãos é a combinação do remolho com o cozimento adequado, podendo atingir uma diminuição de quase 100% da concentração de lectina presente inicialmente. Como elas são resistentes às enzimas do trato gastrointestinal, o consumo desses alimentos crus ou mal-cozidos é contraindicado. A germinação também é uma possibilidade, porém menos eficaz. 

Fitato

Na forma de fitato ou ácido fítico, esse composto é uma das formas que as plantas utilizam para armazenar fósforo. Humanos também são capazes de produzir fitato, que participa de reações do metabolismo dos ácidos nucleicos, como, por exemplo, transcrição, tradução, transporte e reparo do material genético.

Presente em leguminosas e cereais, ele possui ação antioxidante, de forma que estudos preliminares em modelos animais indicam possíveis benefícios contra câncer, doenças neurodegenerativas e síndrome metabólica. Entretanto, durante o processo digestivo e absortivo dos grãos, os fitatos ingeridos competem com os transportadores de zinco, principalmente, mas também de cobre, ferro e cálcio, diminuindo a biodisponibilidade desses minerais e classificando-os como um fator antinutricional

O cozimento certamente ajudará a diminuir esse composto, mas é a germinação, na temperatura ambiente, o método mais eficaz de reduzir o teor de fitato nos alimentos, uma vez que o próprio grão consome esse composto durante o processo. No entanto, é necessário cuidado para que ocorra nas condições higiênico-sanitárias adequadas a fim de evitar a proliferação de fungos danosos à saúde. 

A literatura científica diverge quanto à eficácia do remolho isoladamente para reduzir os fitatos, levando a acreditar que o sucesso da técnica se deve ao fato dela iniciar o processo germinatório, mesmo que seja interrompido com o cozimento. 

Como o pH ótimo para germinação é alcalino, adicionar vinagre ou limão (fontes de pH ácido) à água do remolho não torna o processo mais eficaz. Além disso, a vitamina C potencializa a absorção do ferro quando adicionada no momento de consumir o alimento a fim de diminuir sua oxidação. Ainda, a ingestão adequada de fibras tem maior impacto na absorção do ferro, uma vez que atuam como prebióticos e modulam positivamente a microbiota intestinal. 

Mas e os gases que o feijão causa?

Erroneamente atribuída aos fitatos e, às vezes, até às lectinas, o que realmente causa flatulência são os oligossacarídios fermentáveis que também estão presentes nas leguminosas, como a rafinose e a estaquinose. 

Devido à ausência de enzimas no intestino delgado que os digerem adequadamente, esses carboidratos complexos atingem a porção do cólon ainda íntegros, permitindo que sejam fermentados pelas bactérias ali presentes. O produto dessas reações são gases como dióxido de carbono, hidrogênio e até metano. 

E aqui, novamente, as técnicas para reduzir esses compostos e melhorar a digestibilidade das fibras dos grãos são o remolho, a germinação e o cozimento em uma solução alcalina, que pode ser obtida ao adicionar pequenas quantidades de bicarbonato de sódio. 

Oxalato

Oxalato é um composto quelante de cálcio. Ou seja, ele estabelece uma ligação estável com o cálcio para torná-lo menos biodisponível e armazená-lo para que, nas plantas, o mineral não atinja quantidades elevadas que se tornem danosas. Em menor intensidade, o oxalato realiza o mesmo processo com sódio, potássio, ferro e magnésio. 

Em humanos, o oxalato urinário é naturalmente produzido como resultado da metabolização de ascorbato, glioxilato, hidroxiprolina e glicina. Também é um dos componentes do cálculo renal e pode se combinar com o cálcio presente na própria urina, contribuindo para a formação das pedras. 

Na alimentação, ele ocorre em vegetais como espinafre, ruibarbo, acelga, amaranto, inhame, batata doce, beterraba e azedinha. Em menor quantidade, em leguminosas e cereais crus, cacau e alguns chás. 

Cozinhar o vegetal na fervura e descartar essa água elimina quase que totalmente o teor de oxalato dele. O cozimento a vapor reduz cerca de metade da concentração. Para leguminosas, a combinação do remolho com o cozimento adequado reduz, também de maneira considerável, o oxalato das leguminosas. Ainda, para diminuir ao máximo essas possíveis interações, evite prescrever esses alimentos nas refeições naturalmente ricas em cálcio. 

Substâncias bociogênicas

Este é um termo relacionado às substâncias que competem na absorção de iodo, mineral que compõe os hormônios tireoidianos, cuja ausência leva ao prejuízo da formação deles e, possivelmente, ao desenvolvimento de bócio. 

Na teoria, o grupo dos compostos glucosinolatos poderia competir pelo mesmo transportador com o iodo, tanto a nível intestinal quanto tireoidiano, reduzindo e até inibindo a absorção do micronutriente. 

Outro ponto retoma a ação antioxidante que alguns alimentos poderiam exercer na enzima tireoperoxidase (neste caso, prejudicando o seu bom funcionamento). Dentre outras funções, ela participa da formação dos hormônios tireoideanos, capturando o iodo necessário para eles. 

Mesmo sendo mecanismos observados nos modelos in vitro ou em animais, os estudos em humanos não mostram resultados significativos que permitam concluir um prejuízo prático. Além disso, um estado nutricional adequado de iodo atua como um fator protetor para esses processos. 

As substâncias bociogênicas ocorrem em maiores quantidades nos vegetais crucíferos (repolho, couve, couve-flor, brócolis) e em outros, como mandioca, batata-doce, linhaça, sorgo e soja. A germinação e o cozimento adequado são capazes de reduzir o teor presente nos alimentos. 

Por outro lado, os vegetais crucíferos possuem a enzima mirosinase, que é ativada na mastigação e converte os glucosinolatos (uma das classes das substâncias bociogênicas) em compostos que podem auxiliar, por exemplo, na função hepática e regular reações de oxirredução. 

Fitoestrogênios

 Pertencentes à classe dos polifenóis, os fitoestrogênios possuem uma estrutura química semelhante ao estradiol, o que leva à teoria de que esses compostos conseguem se ligar aos receptores do hormônio e interferir em sua função. 

Inúmeras metanálises e estudos randomizados foram conduzidos ao longo dos últimos 20 anos com o objetivo de entender se o consumo de soja promove algum efeito negativo nas funções hormonais e sexuais de homens e mulheres, e não foram observadas alterações estatisticamente significativas. 

Isoflavonas são o grupo de compostos fitoestrogênios presentes na soja que, através da ação da microbiota intestinal, são convertidas em enterodiol e enterolactona. Já sementes de linhaça e outros cereais possuem lignanas, e também pela ação do microbioma, são convertidas em aglicona. 

Estudos recentes indicam a possibilidade de esses compostos, que apresentam ação antioxidante, melhorarem a saúde cardiovascular e atuarem na prevenção e diminuição da mortalidade por câncer de mama. 

Embora ainda sejam necessárias novas evidências para confirmar e entender o efeito protetor dos fitoestrogênios, a União Vegana Internacional baseia-se na literatura disponível atualmente para endossar o consumo seguro da soja para aqueles que optarem por fazê-lo. 

Taninos

Eles constituem um grupo de compostos do tipo polifenóis, podendo ser hidrolisáveis ou condensados – estes últimos são abundantes na dieta e incluem as catequinas do chá verde. 

Conhecidos por conferirem um sabor adstringente aos alimentos, os taninos são os principais responsáveis pelo sabor característico do vinho. Também estão presentes em frutas, oleaginosas, cereais integrais e leguminosas. 

Anteriormente, acreditava-se que esse grupo prejudicava a biodisponibilidade e, consequentemente, a absorção de minerais como ferro, cobre e zinco. Entretanto, pesquisas recentes demonstram não haver uma interferência relevante. Existe também a teoria de que a vitamina C, naturalmente presente nos alimentos ricos em tanino, exerce um efeito neutralizante a esses polifenóis. 


Assim como em outros campos de estudo, novas tecnologias e métodos laboratoriais permitem que a ciência da nutrição esteja em constante mudança e aprimoramento. Compostos que acreditávamos serem maléficos à saúde se mostram com efeitos benéficos, da mesma forma que o contrário pode ser válido. Outros, são entendidos como neutros, e o consumo dos alimentos fontes tornam-se possíveis dentro de um padrão alimentar equilibrado

Nutricionista, compartilhe conosco as suas percepções deste conteúdo, e se você aprendeu algo novo com ele. E não deixe de encaminhar aos seus colegas de profissão, independe se eles atendem veganos ou não. 

Referências Bibliográficas:

  • Petroski, Weston, and Deanna M. Minich. “Is There Such a Thing as “Anti-Nutrients”? A Narrative Review of Perceived Problematic Plant Compounds.” Nutrients 12.10 (2020): 2929. 
  • Slywitch, E et. al. Guia de Nutrição Vegana para adultos. União Vegetariana Internacional Internacional. 2022. 
  • Speer, H., et al., The Effects of Dietary Polyphenols on Circulating Cardiovascular Disease Biomarkers and Iron Status: A Systematic Review. Nutr Metab Insights, 2019. 12: p. 1178638819882739. 2000. 48(5): p. 1746-51. 
  • Zhao, T.T., et al., Dietary isoflavones or isoflavone-rich food intake and breast cancer risk: A meta-analysis of prospective cohort studies. Clin Nutr, 2019. 38(1): p. 136-145. 
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