A cada ano, cerca de um terço de todo o alimento produzido globalmente é perdido ou desperdiçado, enquanto milhões de pessoas sofrem de insegurança alimentar. Essa contradição não só expõe falhas no sistema alimentar, mas também destaca o impacto ambiental e social de algumas práticas do nosso cotidiano – um problema não apenas econômico, mas também moral.
Contudo, a adoção de padrões sustentáveis de consumo vai além da responsabilidade individual: exige mudanças estruturais que envolvam governos, empresas, instituições – e pode contar com profissionais que tem o contato direto com o público, como os nutricionistas, como agentes de conscientização.
Escolhas alimentares sustentáveis são possíveis?
O consumo consciente refere-se a práticas de consumo que consideram os impactos sociais, ambientais e éticos das escolhas de compra. Este conceito abrange várias dimensões, incluindo a responsabilidade social, a consciência ambiental e a ética no consumo – mas até que ponto existe a escolha de fato?
As escolhas alimentares, frequentemente vistas como decisões individuais, são, na verdade, moldadas por uma complexa rede de fatores que vão além do gosto pessoal ou da busca pela saúde. A percepção de que somos protagonistas absolutos nesse processo ignora as forças estruturais, sociais e econômicas que influenciam o que colocamos no prato. Será que realmente escolhemos o que comemos ou somos conduzidos por um sistema que limita, direciona e até distorce nossas decisões?
O comportamento alimentar é moldado por uma interação contínua entre elementos individuais, como preferências e crenças, e fatores externos, como ambiente alimentar, políticas públicas, práticas comerciais e normas socioculturais. Apesar de parecer uma questão de gosto ou conveniência, nossas escolhas estão frequentemente atreladas a sistemas mais amplos que determinam o que é acessível, economicamente viável e socialmente aceitável. Esses sistemas podem restringir ou ampliar nossas opções de forma que nem sempre percebemos.
Quando se trata de sustentabilidade, o debate ganha novas camadas de complexidade. Escolher o que é sustentável não é apenas uma questão de preferências pessoais, mas de acesso a alimentos que sejam culturalmente adequados, ambientalmente corretos e produzidos de maneira ética. A forma como os alimentos são cultivados, processados e distribuídos impacta não só a saúde de quem consome, mas também o ambiente.
No entanto, essa responsabilidade frequentemente recai sobre o indivíduo, que é pressionado a “fazer a escolha certa” em meio a um ambiente alimentar repleto de contradições e limitações.
Em suma, a percepção de autonomia nas escolhas alimentares pode ser uma ilusão em um sistema onde forças invisíveis, como campanhas publicitárias, políticas de subsídio e práticas de distribuição, direcionam o consumo. Essas influências podem criar barreiras para escolhas realmente sustentáveis, distorcendo narrativas e delegando ao consumidor uma falsa sensação de controle.
Educação ambiental e sustent��vel no mundo real
A educação ambiental busca promover o conhecimento, atitudes e comportamentos responsáveis em relação ao meio ambiente, formando indivíduos conscientes sobre o impacto de suas ações e capazes de propor soluções para problemas ambientais.
Essa abordagem integra questões sociais, econômicas e ambientais, destacando a conexão entre o bem-estar humano e a preservação dos recursos naturais. A ideia é preparar as pessoas para agir de maneira sustentável, equilibrando necessidades presentes e futuras, com foco em transformar hábitos e incentivar mudanças coletivas – definições e ideias muito bonitas na teoria, mas nada práticas no mundo real.
Na nossa realidade, podemos olhar para a educação ambiental e sustentável como uma ferramenta para ajudar as pessoas a reconhecerem sua posição dentro de sistemas alimentares complexos.
O objetivo não é apenas transmitir informações sobre práticas “verdes” ou escolhas conscientes, mas ajudar as pessoas a enxergarem como esses sistemas podem manipular suas decisões e afastá-las de seus próprios sinais internos de fome, saciedade e bem-estar.
No cotidiano do nutricionista, isso significa transformar o atendimento em um espaço de aprendizado crítico. Mais do que recomendar práticas sustentáveis, é essencial mostrar como escolhas alimentares são influenciadas por fatores externos, como a pressão do marketing, as normas sociais ou as estruturas de desigualdade. O nutricionista pode empoderar as pessoas a questionarem essas pressões e recuperarem o protagonismo sobre suas escolhas, alinhando suas práticas alimentares com seus valores pessoais e contextos de vida.
Esse papel exige coragem para enfrentar interesses estabelecidos e criatividade para construir um discurso que atenda tanto as necessidades quando o que as pessoas buscam quando vão ao nutricionista. Mais do que fornecer respostas, o nutricionista deve propor novas perguntas, que desafiem não apenas quem come, mas toda a lógica que define o que é comer.
Para avançarmos, é necessário um olhar mais sistêmico que transcenda a saúde individual e considere o impacto coletivo das escolhas alimentares. Isso inclui refletir sobre como resgatar práticas alimentares mais ecológicas e sustentáveis, adaptando-as às demandas atuais sem ignorar as realidades locais. Também demanda o enfrentamento das desigualdades no acesso a alimentos saudáveis e sustentáveis, questionando quem realmente tem o privilégio de escolher.
Assim, falar de escolhas alimentares sustentáveis não é apenas uma discussão sobre o que devemos ou não comer, mas sobre os sistemas que permitem ou negam essas escolhas.
A verdadeira sustentabilidade começa quando enxergamos o indivíduo como parte de um todo – um ser influenciado, mas também capaz de influenciar – em um esforço coletivo para construir um sistema alimentar que não apenas alimente, mas sustente vidas em todos os sentidos.
Texto por Felipe Daun: nutricionista, mestre e doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP. Aprimorando em Transtornos Alimentares pelo AMBULIM IPq-FMUSP. Professor do Instituto Nutrição Comportamental e colaborador da Academia da Nutrição.
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