A doença renal afeta significativamente o metabolismo e as necessidades nutricionais dos pacientes, tornando a terapia nutricional um pilar essencial do tratamento.
A adequação da ingestão, incluindo energia, proteínas, vitaminas, minerais e o controle de fluidos, desempenha um papel crucial na gestão da doença renal em seus diferentes estágios e condições – mas por mais importante que sejam, as intervenções nutricionais têm apresentado uma baixa adesão, mostrando que os profissionais precisam se capacitar além de diretrizes, se quiserem, de fato, contribuir para a saúde dos pacientes.
Dados epidemiológicos
A Doença Renal Crônica (DRC) representa um desafio significativo para a saúde pública global, evidenciado por um aumento contínuo em sua incidência e prevalência. Diversos estudos populacionais, abrangendo regiões da Europa, Ásia, América do Norte e Austrália, estimam a prevalência da DRC entre 10 a 13%.
No Brasil, estima-se que aproximadamente 20 milhões de pessoas (10%) estejam na fase não dialítica da doença. A ascendência nos índices de incidência e prevalência da DRC suscita preocupações significativas devido ao impacto adverso sobre a sobrevida dos pacientes, aumentando o risco de morte prematura, especialmente por doenças cardiovasculares – risco este que é dez vezes superior ao da população geral da mesma faixa etária.
A função renal
Situados estrategicamente em nossa região abdominal, os rins são responsáveis por uma série de funções essenciais, incluindo a filtragem do sangue para remover resíduos tóxicos, o ajuste fino do equilíbrio dos fluidos corporais, a regulação da pressão arterial, além da produção de hormônios importantes e a manutenção do equilíbrio de eletrólitos. Diariamente eles filtram entre 120 e 150 litros de sangue para produzir 1 a 2 litros de urina, contendo resíduos como ureia e creatinina.
Ao regular a quantidade de água retida ou eliminada, os rins garantem a estabilidade dos fluidos no corpo, influenciando diretamente na pressão arterial através da secreção de renina. Além disso, são responsáveis pela produção de eritropoietina, que estimula a formação de glóbulos vermelhos, e calcitriol, a forma ativa da vitamina D, essencial para a saúde óssea e a função muscular. A capacidade dos rins de regular eletrólitos como sódio, potássio e fosfato é fundamental para funções vitais, incluindo a condução de impulsos nervosos e o equilíbrio do pH sanguíneo. Essas funções sublinham a complexidade e a grande importância dos rins para a nossa saúde geral, tornando o seu entendimento fundamental para o cuidado – mas nunca isolado do contexto em que os indivíduos estão inseridos.
O papel do nutricionista
A avaliação nutricional deve ser abrangente e contínua, considerando o consumo alimentar, o estado nutricional, as necessidades energéticas e proteicas, bem como questões comportamentais.
A mais recente diretriz da SBNPE/BRASPEN (Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral) sobre terapia nutricional no paciente com doença renal traz recomendações bastante práticas para o cotidiano do nutricionista (mas não necessariamente para o paciente, veja adiante):
- A recomendação de energia é de 25-35 kcal/kg/dia para indivíduos metabolicamente estáveis, baseado na idade, sexo, atividade física, estado nutricional, estágio da DRC e comorbidades associadas.
- A recomendação de proteínas para adultos com DRC em fase não dialítica é de 0,6-0,8 g/kg/dia. Para adultos em diálise, a recomendação proteica é de 1,2 g/kg/dia.
- As evidências são insuficientes para recomendar a substituição de proteínas animais por vegetais.
- Restrição de fósforo deve ser indicada na presença de hiperfosfatemia persistente e progressiva. A intervenção deve considerar não somente a quantidade de fósforo, mas a presença em aditivos de alimentos industrializados.
- A ingestão alimentar de sódio é recomendada em <2,3 g/dia, em conjunto com intervenções farmacológicas aplicáveis.
- A suplementação de vitaminas só é recomendada na presença de deficiências, tal como para a população saudável.
Apesar de não ser contemplada por essa diretriz, é interessante incluir a recomendação de proibição do consumo da fruta carambola, dada as evidências que apontam o seu efeito neurotóxico em indivíduos com DRC.
Abordagens comportamentais na DRC
É indiscutível que a adesão às recomendações é fundamental para melhorar o prognóstico da DRC, reduzindo a necessidade de intervenções como o aumento do uso de medicações e o início da diálise, além de preservar a qualidade de vida do paciente.
Contudo, de nada adiantam quando os estudos apontam uma baixa adesão a tais recomendações (apenas 30% em uma revisão sobre o tema), atribuída a diversos fatores como a complexidade das orientações, informações contraditórias entre profissionais, e questões de saúde mental.
Estratégias prescritivas tradicionais, frequentemente percebidas como restritivas e desalinhadas com as normas culturais dos pacientes, contribuem para a sobrecarga de informações e dificultam a adesão a qualquer recomendação. Alguns estudos, inclusive, apontam que restrições alimentares excessivas podem diminuir a qualidade da alimentação dos pacientes, sugerindo a necessidade de rever diretrizes.
Muito se fala em “educar os pacientes”, sem considerar que a transmissão de informações, isoladamente, não é capaz de motivar a mudança de comportamento.
Neste sentido, um recente e pioneiro estudo de pesquisadoras brasileiras buscou investigar o uso de abordagens comportamentais em mulheres com DRC e encontrou que os princípios do Comer Intuitivo contribuíram positivamente para a adesão às recomendações nutricionais, abrindo as portas para que novos estudos explorem tais alternativas na DRC.
Assim, como em todos os outros âmbitos do cuidado em saúde e nutrição, abordagens que enxerguem o indivíduo em seu contexto biopsicosociocultural apresentam vantagens incontestáveis – já que que não anulam as tradicionais diretrizes, mas adicionam uma perspectiva de realidade, mesmo em condições complexas como a DRC.
Referências bibliográficas
- Fernandes AS, Ramos CI, Nerbass FB, Cuppari L. Diet Quality of Chronic Kidney Disease Patients and the Impact of Nutritional Counseling. J Ren Nutr. 2018 Nov;28(6):403-410. https://doi.org/10.1053/j.jrn.2017.10.005
- James MT, Hemmelgarn BR, Tonelli M. Early recognition and prevention of chronic kidney disease. The Lancet. 2010;375(9722):1296-1309. https://doi.org/10.1016/s0140-6736(09)62004-3
- Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) CKD Work Group. KDIGO 2012 Clinical Practice Guideline for the Evaluation and Management of Chronic Kidney Disease. Official Journal of the International Society of Nephrology . 2013;3(1):1-150. http://www.kidney-international.org/
- Lambert K, Mullan J, Mansfield K. An integrative review of the methodology and findings regarding dietary adherence in end stage kidney disease. BMC Nephrol. 2017 Oct 23;18(1):318. https://doi.org/10.1186/s12882-017-0734-z
- Lugon J. Doença Renal Crônica no Brasil: um problema de saúde pública. Jornal Brasileiro de Nefrologia. 2009;31:2-5.
- Neves PDM de M, Sesso R de CC, Thomé FS, Lugon JR, Nasicmento MM. Brazilian Dialysis Census: analysis of data from the 2009-2018 decade. Brazilian Journal of Nephrology. 2020;42(2):191-200. https://doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-2019-0234
- Oliveira ESM de, Aguiar AS de. Por que a ingestão de carambola é proibida para pacientes com doença renal crônica?. Braz J Nephrol [Internet]. 2015Apr;37(2):241–7. https://doi.org/10.5935/0101-2800.20150037
- Palmer SC, Hanson CS, Craig JC, Strippoli GF, Ruospo M, Campbell K, Johnson DW, Tong A. Dietary and fluid restrictions in CKD: a thematic synthesis of patient views from qualitative studies. Am J Kidney Dis. 2015 Apr;65(4):559-73. https://doi.org/10.1053/j.ajkd.2014.09.012
- Pereira RA, Alvarenga MDS, de Andrade LS, Teixeira RR, Teixeira PC, da Silva WR, Cuppari L. Effect of a Nutritional Behavioral Intervention on Intuitive Eating in Overweight Women With Chronic Kidney Disease. J Ren Nutr. 2023 Mar;33(2):289-297. https://doi.org/10.1053/j.jrn.2022.01.012
- Zambelli CMSF et al. Diretriz BRASPEN de Terapia Nutricional no Paciente com Doença Renal. BRASPEN J 2021; 36 (2º Supl 2): 2-22. https://doi.org/10.37111/braspenj.diretrizRENAL
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.