O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por desatenção, hiperatividade e impulsividade, afetando significativamente o comportamento e o desempenho acadêmico de crianças e adultos.
Descrito pela primeira vez em 1775 pelo médico alemão Melchior Adam Weikard, o TDAH tem prevalência estimada entre 5.29% a 7.1% em crianças e 2.5% a 5% em adultos globalmente. No Brasil, a prevalência é de aproximadamente 5.8% a 8% entre crianças em idade escolar.
Segundo os critérios diagnósticos, os sintomas devem estar presentes em múltiplos ambientes, causando impacto significativo na vida diária – inclusive na alimentação, que tem sido investigada como um fator potencialmente envolvido na etiologia e no manejo do TDAH.
Segundo o DSM-5, falta de atenção e desorganização se manifestam como dificuldade para manter o foco em tarefas, parecer não escutar e perder objetos de maneira não condizente com a idade ou estágio de desenvolvimento da pessoa. Hiperatividade e impulsividade são evidenciadas por excesso de movimentação, dificuldade de ficar sentado quieto, interrupção nas atividades alheias e uma incapacidade de esperar, excedendo o esperado para o estágio de desenvolvimento. Comumente, o TDAH se estende até a vida adulta, afetando negativamente as áreas social, acadêmica e profissional.
Como a alimentação se relaciona com o TDAH?
Em recente revisão, foram identificados dois padrões de alimentação principais que apresentaram associação com o TDAH. Padrões chamados de “saudáveis”, ricos em frutas, vegetais e grãos integrais, demonstraram um efeito protetor contra o TDAH, enquanto padrões chamados de “não saudáveis”, marcados pelo alto consumo de gordura saturada e açúcar refinado, estiveram associados a este transtorno.
Entretanto, é necessário considerar o desenho predominante dos estudos revisados, que inclui muitos estudos transversais e de caso-controle. Tais desenhos podem comprometer a inferência causal, pois tanto a informação sobre o consumo quanto os sintomas de TDAH são coletados simultaneamente, ou referem-se a períodos passados, limitando a capacidade de estabelecer uma relação de causa e efeito clara. Essa limitação enfraquece a força das conclusões sobre os efeitos diretos da alimentação sobre o TDAH.
Assim, o consumo de determinados alimentos também pode ser uma consequência do que necessariamente uma causa do TDAH. Isso se deve ao fato de tais alimentos ativarem o sistema de recompensa do cérebro, um aspecto relevante para indivíduos com TDAH que muitas vezes podem buscar na alimentação um alívio para sua inquietação. Neste sentido, alguns trabalhos observaram uma maior prevalência de comportamentos compulsivos voltados para a alimentação em indivíduos com TDAH.
Nutrientes e mecanismos do TDAH
Estudos apontam o ferro como um precursor crucial na produção de neurotransmissores como dopamina e norepinefrina, essenciais no controle de atenção e comportamento.
O zinco desempenha um papel chave em várias funções no sistema nervoso, e é necessário para a conversão de piridoxina em sua forma ativa, que por sua vez é crucial para a conversão de triptofano em serotonina, um neurotransmissor intimamente ligado ao humor e comportamento. Além disso, o zinco é importante na produção e regulação de melatonina, que ajuda a moderar a função da dopamina, central na patologia do TDAH.
Ácidos graxos de cadeia longa, como ômega-3 e ômega-6, também desempenham funções críticas na saúde cerebral e podem ter um papel na modulação de comportamentos relacionados ao TDAH – mas enquanto recomenda-se que os níveis séricos de ferro e zinco sejam monitorados, para que sejam suplementados caso estejam deficientes, como uma estratégia de manejo do TDAH, mais evidências são necessárias para haja, de fato, a recomendação da suplementação de ômega-3 e ômega-6 para pacientes com esta condição.
O consumo de corantes está associado ao TDAH?
A relação entre os corantes artificiais e os sintomas do TDAH tem sido alvo de estudos que sugerem que a exclusão desses aditivos da dieta pode beneficiar algumas crianças, particularmente aquelas mais sensíveis a esses compostos.
Mas, como sempre, não é tão simples assim. As meta-análises indicam um efeito positivo, ainda que modesto, desta exclusão, com um tamanho de efeito variando entre 0,21 e 0,42. Isso aponta para uma melhora dos sintomas do TDAH quando os corantes são removidos, sugerindo que, para um subconjunto de pacientes, esses aditivos podem estar exacerbando os sintomas.
Por outro lado, há evidências que apenas uma subpopulação de crianças com TDAH, possivelmente aquelas predispostas a alergias, realmente mostra sensibilidade aos corantes, com uma resposta significativamente positiva ao serem removidos da dieta. Os mecanismos propostos que explicam como os corantes podem influenciar o comportamento incluem reações tóxicas e antinutricionais, bem como respostas de hipersensibilidade que podem afetar a absorção de nutrientes e a função do sistema imunológico.
No entanto, apesar dessas associações, a evidência permanece contraditória. Enquanto alguns estudos corroboram a ligação entre corantes artificiais e a exacerbação dos sintomas de TDAH, outros não conseguem demonstrar efeitos significativos, especialmente em estudos que utilizam desenhos cegos nos estudos.
Considerações importantes
Cautela nunca é demais na interpretação das evidências. No caso da associação entre alimentação e TDAH, é importante reconhecer que as dietas frequentemente rotuladas como “não saudáveis”, ricas em gorduras saturadas, açúcares refinados e corantes artificiais, podem estar mais relacionadas a contextos familiares e rotinas que favoreçam o TDAH, do que os mecanismos biológicos. A complexidade desses contextos dificulta o controle rigoroso em alguns trabalhos, o que obscurece os resultados.
Da mesma forma, o consumo elevado de alimentos considerados “saudáveis”, como frutas e vegetais, também está enraizado em contextos e práticas familiares favoráveis ao neurodesenvolvimento.
Embora os mecanismos pelos quais nutrientes específicos influenciem o TDAH sejam bem entendidos, os fatores contextuais que acompanham os padrões alimentares não podem ser desconsiderados.
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