Alimentos inflamatórios: O que a ciência realmente diz? 

Entenda a inflamação como processo multifatorial e saiba como abordar o tema na nutrição com um olhar abrangente e individualizado.


Inflamação, amplamente discutida por profissionais e leigos nos últimos anos, é muitas vezes associada a alimentos específicos – no entanto, a inflamação é um processo biológico complexo, que envolve respostas tanto benéficas quanto prejudiciais ao organismo. 

 Para nutricionistas, é crucial compreender essas nuances para que a abordagem no momento do contato direto com o paciente vá além de reducionismos. Quando falamos de “alimentos inflamatórios”, carnes processadas, açúcares refinados e gorduras são comumente citados.  

Contudo, associar a inflamação a alimentos isolados não leva em conta fatores como genética, estilo de vida e a resposta do organismo ao estresse. Então como incorporar estes conhecimentos na prática clínica? 

Tipos de Inflamação 

A inflamação é uma resposta do sistema imunológico que visa proteger o corpo contra agentes nocivos e reparar tecidos danificados. A inflamação aguda, por exemplo, é uma resposta de curto prazo que ocorre após uma lesão ou infecção. Caracterizada por dor e inchaço, envolve mediadores químicos como citocinas, que recrutam células do sistema imunológico e promovem a cicatrização. 

Já a inflamação crônica é uma resposta prolongada, muitas vezes sem sinais óbvios. Ela está associada a doenças como diabetes tipo 2, obesidade e doenças cardiovasculares.  

Ao contrário da inflamação aguda, que se resolve rapidamente, a inflamação crônica persiste e pode se tornar prejudicial, contribuindo para disfunções metabólicas. A obesidade, em particular, está ligada à inflamação crônica de baixo grau, onde o tecido adiposo visceral pode secretar citocinas pró-inflamatórias. Compreender essa distinção é essencial para que os nutricionistas possam avaliar o estado inflamatório de seus pacientes de forma eficaz e sem reduzir a causa a um único alimento. 

Inflamação é Multifatorial

Embora a inflamação crônica esteja ligada a diversas doenças, não pode ser atribuída a um único alimento ou fator. A inflamação é multifatorial, resultado de uma combinação de fatores relacionados à alimentação, genética e comportamento. O estilo de vida é determinante nesse processo. 

Alimentação desbalanceada, rica em alimentos ultraprocessados, pode contribuir para a inflamação, mas o sedentarismo também tem um impacto significativo. A prática de exercícios físicos regulares, por exemplo, pode reduzir os níveis de marcadores inflamatórios, como a proteína C-reativa (PCR) e a interleucina-6 (IL-6). Além disso, o estresse psicológico crônico eleva os níveis de cortisol, exacerbando o estado inflamatório.  

Fatores genéticos e epigenéticos também não podem ser desconsiderados. Cada indivíduo responde de maneira diferente aos alimentos e ao ambiente devido às variações genéticas que afetam a sensibilidade à inflamação. Polimorfismos genéticos podem alterar a produção e a atividade de mediadores inflamatórios, o que explica por que certas pessoas são mais propensas a desenvolver inflamação crônica e, consequentemente, doenças como diabetes e as doenças cardiovasculares. 

O tecido adiposo visceral, em excesso, desempenha um papel fundamental na inflamação crônica. Diferente do tecido adiposo subcutâneo, o tecido adiposo visceral está localizado profundamente na cavidade abdominal e secreta citocinas pró-inflamatórias que contribuem para um estado inflamatório sistêmico- tal acúmulo aumenta o risco de disfunções metab��licas e cardiovasculares. Por essa razão que é tão importante a distinção na distribuição da gordura corporal ao tratar pacientes com obesidade. Eles não são todos iguais. 

O que, em alguns alimentos, pode favorecer a inflamação?

Os produtos cárneos processados são frequentemente associados à inflamação crônica. Um dos principais motivos é o alto teor de ácidos graxos saturados, que podem aumentar a produção de citocinas pró-inflamatórias. Além disso, durante o cozimento em altas temperaturas, formam-se produtos finais de glicação avançada, compostos que se ligam a receptores específicos no corpo e desencadeiam respostas inflamatórias. 

 Importante observar que embora o consumo excessivo de produtos cárneos processados esteja relacionado a inflamação, o seu consumo pontual, quando inserido em uma alimentação variada, não apresenta necessariamente os mesmos efeitos inflamatórios. 

Quando já se estabeleceu um certo nível de inflamação crônica, na presença de resistência à insulina, o consumo elevado de açúcares refinados, presentes em refrigerantes, sucos e outras bebidas industrializadas, está associado ao aumento de picos de glicose no sangue, que podem levar a um aumento de citocinas inflamatórias como a interleucina-6 (IL-6) e o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α).  

No mesmo sentido, em indivíduos onde já havia predisposição, o consumo de alimentos industrializados ricos em ácidos graxos trans esteve associado ao aumento de marcadores inflamatórios como o TNF-α. Mas outros trabalhos não encontraram os mesmos efeitos em populações saudáveis, sugerindo que os efeitos podem variar dependendo do contexto e da saúde geral dos indivíduos. 

Com isso, fica claro que a abordagem de “alimentos inflamatórios” simplifica demais a relação entre alimentação e inflamação. Embora alimentos ultraprocessados e ricos em açúcares refinados possam aumentar o risco inflamatório, os comportamentos do paciente como um todo são mais importantes do que alimentos isolados. 

Como profissionais da saúde, é essencial evitar a armadilha de reduzir os alimentos a seus nutrientes isolados, categorizando-os como “bons” ou “ruins”. Isso pode gerar medo e comportamentos transtornados. Os alimentos devem ser avaliados em seu contexto global, levando em conta o aspecto biopsicossociocultural da alimentação de cada paciente. 

O verdadeiro desafio é ajudar o paciente a compreender que a saúde é construída a partir de um conjunto de comportamentos e contextos, e não pela exclusão de um ou outro alimento isolado. 

 Em vez de focar na demonização de certos alimentos, devemos enfatizar a importância do consumo variado, promovendo padrões alimentares que sejam sustentáveis a longo prazo. 

 A ciência continua a nos mostrar que não é uma única refeição ou ingrediente que vai ditar a nossa saúde e ao adotar uma abordagem que tenha este olhar amplo, podemos colocar em prática uma nutrição que realmente esteja buscando uma melhor qualidade de vida. 

Texto por Felipe Daun: nutricionista, mestre e doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP. Aprimorando em Transtornos Alimentares pelo AMBULIM IPq-FMUSP. Professor do Instituto Nutrição Comportamental e colaborador da Academia da Nutrição. 

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2 respostas para “Alimentos inflamatórios: O que a ciência realmente diz? ”

  1. Indiana

    Muito bom

  2. karol.olicost

    Excelente! Em minha realidade observo a crença de que ovo, as carne suína e de alguns peixes podem desencadear processos inflamatórios ou piorar a recuperação pós cirúrgica. Frutas como coco e amendoim também são associadas a esses processos. Especialmente sobre a carne suína não encontrei nada que justificasse essa crença. Sei que o mau estado de conservação dos peixes pode resultar na produção de compostos semelhantes a histamina e que oleaginosas podem desencadear alergias, mas de forma geral não encontro nada que se refira a indivíduos saudáveis e sem alergias prévias ou ainda ligado ao pós operatório.

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