O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é definido por dificuldades persistentes na partida e manutenção de interações e comunicações sociais, acompanhadas por um espectro de comportamentos, interesses ou atividades que são restritos, repetitivos e inflexíveis. Estas manifestações devem ser consideradas atípicas ou excessivas em relação à idade e ao contexto sociocultural do indivíduo.
É reconhecido que o TEA emerge durante o período de desenvolvimento infantil, podendo não ser imediatamente aparente, e que estas dificuldades são de gravidade tal que resultam em prejuízos significativos em domínios pessoais, familiares, sociais, educacionais, ocupacionais ou em outras áreas críticas do funcionamento social.
Algumas características do TEA têm relações diretas em com aspectos da alimentação e nutrição, e alguns estudos têm apontados deficiências nutricionais comuns neste público – sendo então responsabilidade do nutricionista*, em conjunto com a família e equipe multiprofissional, encontrar estratégias para garantir um adequado suporte nutricional, especialmente na fase da vida onde se dá o crescimento e desenvolvimento.
*Nutricionistas sem uma formação complementar devem estar atentos aos sinais do TEA, tanto em consultas diretas quanto por relatos familiares, para encaminhamento a equipes multiprofissionais. Tempos de redes sociais, marcados pela desvalorização das profissões da saúde e a propagação de informações falsas, ressaltam a importância de não banalizar transtornos psiquiátricos e tampouco se aproveitar de famílias fragilizadas.
Qual a relação do TEA com a alimentação?
Apesar da manifestação do TEA residir em dificuldades de interação social, certos comportamentos relacionados a alimentação compõe alguns dos critérios diagnósticos, como a resistência à adaptação a novas experiências e circunstâncias, com consequente angústia, que pode se manifestar em contextos alimentares como:
- Introdução de novos alimentos ou a experiência de refeições em ambientes não familiares;
- Adesão rígida a rotinas específicas, observada particularmente durante as refeições;
- Hipersensibilidade ou hipossensibilidade a estímulos sensoriais de maneira excessiva e persistente, ou até interesse anormal por estímulos sensoriais específicos, que podem envolver texturas, odores, sabores e temperaturas alimentares.
Não é necessário ser nutricionista para compreender que a persistência desses comportamentos ao longo do tempo inevitavelmente acarretará implicações significativas no âmbito da nutrição – e alguns estudos pertinentes têm explorado essas consequências.
Os resultados de um estudo americano controlado com registros de três dias da rotina de alimentação de crianças indicaram que, em média, crianças com ou sem TEA consumiam quantidades semelhantes de nutrientes a partir dos alimentos. Todavia, foi observada uma ingestão insuficiente significativa de vitamina A, vitamina C e zinco e energia (kcal) entre as crianças com TEA de 4 a 8 anos. Além da vitamina A, C e zinco, um estudo com crianças chinesas diagnosticadas com TEA também identificou deficiências significativas de vitamina B6, ácido fólico e cálcio.
Especificamente sobre o zinco, uma revisão recente, focada especificamente neste micronutriente, corroborou esses achados com crianças com TEA, embora as diferenças nem sempre sejam significativas em comparação com crianças sem o transtorno. Mas o aspecto interessante destes resultados reside no papel crítico que o zinco desempenha no neurodesenvolvimento humano – e, inclusive, sua deficiência já foi associada a alterações no crescimento cerebral.
No âmbito dos ácidos graxos, um estudo espanhol comparou a ingestão dos tipos de gordura ingeridos por crianças com e sem TEA, por meio de diários alimentares. Foi encontrado que crianças com TEA tinham ingestões mais baixas de ácidos graxos saturados e ômega-3, mas ambos os grupos tiveram ingestão baixa de ômega-6 e ingestão baixíssimas de ω-3 – indicando que, apesar das diferenças encontradas entre crianças com ou sem TEA, a amostra de crianças estudada estava ingerindo quantidades de gordura inferiores às recomendações espanholas.
Dada a relevância do ômega-3 para o neurodesenvolvimento, alguns estudos têm explorado a sua utilização como uma forma de complementar o tratamento do TEA. Uma revisão sistemática destes ensaios controlados, realizados nos últimos 10 anos, encontrou uma heterogeneidade significativa nos estudos em termos de dosagem e tipo de ômega-3 administrado – destacando o baixo nível de evidência da suplementação para este fim. Ao final da revisão, os autores não recomendaram a suplementação rotineira rotineiramente na prática clínica.
Buscando entender as deficiências sob o ponto de vista prático da alimentação, um estudo transversal na Flórida examinou a qualidade da dieta de crianças com TEA, encontrando um consumo mais baixo de frutas, vegetais, laticínios, carnes, peixes e leguminosas.
Como o nutricionista pode ajudar?
Desafios já são comuns em crianças de forma geral, mas em crianças com TEA eles serão mais complexos – indo além de dificuldades na primeira infância e problemas com refeições em família. Apesar dos resultados apresentados, os estudos ainda são muito iniciais e de difícil extrapolação para a prática clínica – de modo que, considerando as evidências atuais, não há nenhum protocolo estabelecido para orientações nutricionais para a crianças com TEA, além da suma importância da individualização do tratamento.
Iniciar a intervenção com alimentos já aceitos pela criança e expandir gradualmente seu repertório é uma estratégia que tem se mostrado eficaz. Esse processo requer um ajuste contínuo de expectativas e práticas dos pais e cuidadores, visando sempre a criação de uma experiência alimentar confortável e agradável.
A abordagem com crianças com TEA deve ser ampla, considerando não apenas as necessidades nutricionais, mas também as emocionais, sensoriais e motoras das crianças – além dos contextos familiares. Quando este acompanhamento ocorre fora de uma equipe multiprofissional estabelecida, a colaboração contínua com médicos, fonoaudiólogos e psicólogos, é crucial para uma compreensão mais abrangente do caso.
Quem escolher atender este público assume um compromisso com a formação contínua e atualizações constantes na área – postura essencial para oferecer o melhor cuidado possível.
Além disso, cultivar uma atitude positiva, encorajando sempre as famílias, é fundamental para superar os desafios associados a esta condição.
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Artigo: O que é a Síndrome de Asperger e Quais os Desafios para a Nutrição?
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