Os avanços dos últimos séculos mudaram significativamente o cotidiano e a longevidade do ser humano. Evolução na produção e distribuição de alimentos seguros, mudanças significativas no estilo de vida e aprimoramento dos cuidados em saúde são só alguns dos fatores que contribuíram para um aumento expressivo das pessoas idosas (indivíduos com mais de 60 anos em países em desenvolvimento; ou indivíduos com mais de 65 anos em países desenvolvidos).
Tamanho aumento percentual desta população tem permitido que novos fenômenos do envelhecimento sejam observados e estudados. Especialmente nos últimos 30 anos, a sarcopenia é um objeto de estudo em diversas partes do mundo por sua intrínseca relação com a diminuição da qualidade de vida das pessoas idosas.
Possivelmente até mais do que outras doenças, a sarcopenia apresenta uma intensa relação com a alimentação, não só nesta faixa etária avançada, mas durante toda a vida – compondo, então, um conhecimento fundamental para todos os nutricionistas.
Afinal, o que é sarcopenia?
O termo surgiu pela primeira vez em 1988, fazendo referência ao grego sarx (carne) + penia (perda), para caracterizar a perda de massa muscular associada à idade. Foi o início das descobertas de evidências sobre declínios fisiológicos relacionados ao envelhecimento e por muito tempo não havia um consenso que definisse a sarcopenia como doença, muito menos critérios padronizados para o diagnóstico.
Na última década, porém, uma movimentação do meio acadêmico permitiu que fosse formado um grande grupo de estudiosos para estabelecer um consenso. Com uma publicação em 2010 e revisão, mais recente, em 2019 o Grupo de Trabalho Europeu sobre Sarcopenia em Idosos (EWGSOP – Europen Working Group on Sarcopenia in Older People) passou a definir a sarcopenia como “falha progressiva e generalizada do músculo esquelético muito provavelmente associada com consequências adversas”.
Apesar do nome ter sido mantido, o último consenso dá um peso muito maior para força muscular (ao invés da massa muscular) para o diagnóstico e rastreamento (Figura 1).
Ainda que seja uma função do médico, a avaliação da força muscular por meio de um dinamômetro é um método de baixíssimo custo que pode ser adotado no atendimento do nutricionista, quando ele achar necessário.
E caso ainda haja o interesse em verificar se a baixa força muscular está, de fato, associada com uma perda de massa muscular é possível recorrer a equipamentos de bioimpedância ou ainda equações preditivas.
Neste âmbito de estudo, a alimentação destaca-se por sua forte associação com a saúde global do público idosos e a manutenção das funções musculares.
Estudos recentes têm evidenciado que a diminuição das funções musculares com o avançar da idade se deve, em grande parte, a uma “reserva” de massa muscular acumulada de forma insuficiente ao longo de toda a vida – o que torna interessante a avaliação deste parâmetro em todas as idades.
Com idosos a atenção deve ser ainda maior, pois este público é caracterizado por uma comum alimentação insuficiente por diversos motivos (veja abaixo).
Qual deve ser a conduta do nutricionista?
Ao atender indivíduos de qualquer idade, é fundamental que o profissional de nutrição tenha um olhar especial para a ingestão proteica – especialmente em tempos de popularização de dietas vegetarianas ou veganas, que apesar de poderem compor um padrão saudável de alimentação, sem a devida orientação e o real engajamento do indivíduo no consumo de determinados grupos de alimentos (como as leguminosas), é muito difícil que os níveis mínimos de ingestão de proteínas sejam atingidos.
Já no atendimento de pessoas idosas, para que o nutricionista exerça sua função (de fato), será necessário um olhar ampliado, muito além da ingestão da proteína em si:
- Menor sensibilidade sensorial: é natural do envelhecimento uma alteração nas papilas gustativas da língua, que diminuem a sensibilidade aos sabores, e resulta em menor interesse em se alimentar.
- Desconforto gastrointestinal: maus hábitos de longa data associados com uma comum necessidade de muitos medicamentos resultam em frequentes desconfortos gastrointestinais (como gases e constipação) que também contribuirão pelo menor interesse na alimentação.
- Dificuldades na mastigação: os avanços da odontologia (e a conscientização da necessidade de cuidado com os dentes ao longo de toda a vida) não atingiram em totalidade os idosos dos dias de hoje – o que resulta em muitos problemas relacionados a mastigação que influenciam não só no montante de comida ingerido em uma refeição, como nos grupos de alimentos preferidos.
- Renda, isolamento e aspectos práticos: A aposentadoria traz uma frequente diminuição da renda mensal dos indivíduos, o que pode influenciar na variedade de alimentos adquiridos. E, além disso, com o avançar da idade é esperado que haja um maior isolamento, seja pela mudança dos filhos como a morte do cônjuge e pessoas próximas, o que influencia tanto nas motivações sociais para a alimentação (ter para quem preparar; ter com quem comer) como nos aspectos práticos da compra, transporte e preparo dos alimentos (empurrar um carrinho de mercado; carregar uma sacola; segurar uma panela pesada).
Olhar para todo o contexto que circunda a alimentação é importante no atendimento de todas as idades, mas especialmente no atendimento desta faixa etária esta visão será crucial para saber a melhor forma de intervir (ou mesmo ter que trabalhar com contextos difíceis).
A suplementação é a solução?
Com tantos possíveis problemas, pode vir a dúvida: será que a suplementação pode ser uma solução?
Sim e não.
Em idosos que já apresentam baixo peso e comprometimento das funções musculares, a suplementação será absolutamente necessária (seja em forma de isolados proteicos, ou mesmo em suplementos prontos destinados a este público) – entretanto, será preciso um acompanhamento constante das funções renais do indivíduo, a fim de adequar a quantidade de proteína a ser ingerida.
Além disso, é preciso ter muita atenção com os suplementos disponíveis no mercado atualmente, pois alguns podem ter composições indesejadas para o perfil da maioria dos idosos (como alto teor de gordura trans).
E, obviamente, não adianta prescrever um suplemento sem considerar se o idoso tem condições de comprar, sabe comprar, saberá preparar e vai gostar do sabor (apelando para a sinceridade, poucos deles têm um sabor agradável de verdade. Dica: procure indicar suplementos sem sabor para serem adicionados nas refeições salgadas, como o arroz e feijão).
A suplementação só será uma solução se o idoso aderir a ela, e a sua responsabilidade profissional se estende além da prescrição durante o atendimento.
Por fim, é interessante observar que a sarcopenia é uma doença que se manifestará na última fase da vida, mas sua prevenção acontece deste sempre.
Para acumular uma boa reserva de massa muscular é necessária uma adequada ingestão de proteínas (claro, com exercícios frequentes) e, na prática, muitos fatores influenciam neste consumo.
Hoje, mesmo que você não esteja atendendo idosos, indiretamente você está atendendo idosos do futuro – e o cuidado começa agora.
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