Nutrição Esportiva: Que Tipo de Paciente Deve Usar Suplementos?

Entenda as diferenças entre nutrição esportiva para atletas e praticantes amadores, e os cuidados com suplementação e performance para o público geral.


Muito provavelmente você se lembra das primeiras semanas da sua graduação em Nutrição quando todos os docentes questionavam o porquê de você ter escolhido nutrição e como pretendia atuar no futuro.

Inevitavelmente, este momento marcante (e chato, quando acontecia pela quinta vez na mesma semana) veio acompanhado da fala de muitos estudantes interessados na aplicação da nutrição nos esportes.

Entre as áreas mais procuradas por nutricionistas nos últimos anos, a nutrição esportiva está sempre em polêmicas – seja por questões relacionadas a suplementação, seja pelo equivocado, mas constante, vínculo da área com a estética. Será mesmo que esta é uma área para você?

Ainda que popularmente conhecida como “nutrição esportiva”, o nome correto para quem procura uma especialização nesta área é “Nutrição em esportes”, segundo a Associação Brasileira de Nutrição (ASBRAN).

Trata-se de uma área de estudo que se dedica à análise da relação entre a alimentação e a prática de esportes, especialmente por profissionais. Esse campo de estudo abrange a aplicação dos conhecimentos da Nutrição, incluindo fisiologia e bioquímica (mas não só isso), visando aprimorar o desempenho esportivo, promover uma recuperação pós-exercício mais eficiente e incentivar a adoção de comportamentos alimentares saudáveis.

O campo de trabalho do nutricionista que escolhe seguir essa especialização, idealmente, deveria se limitar ao acompanhamento de atletas profissionais – uma vez que estes têm em seu corpo a sua ferramenta de trabalho, e esta deve ser otimizada ao máximo para competições, ao mesmo tempo que se busca preservar a saúde de danos naturais desta escolha de vida.

Diferenciar atletas de praticantes amadores de atividade física, porém, parece ser bastante complicado para o público geral ��� que constantemente tentam equiparar suas performances com as performances profissionais, seja pela ambição, como também pelo bombardeio midiático e ambientes para a prática de exercícios favoráveis a comportamentos disfuncionais.

Os praticantes amadores de atividade física são todas as pessoas que praticam exercício buscando a saúde e o bem-estar (e também questões relacionadas a estética). Estas pessoas praticam a atividade física no tempo vago, possuem uma ocupação profissional distante deste ambiente dos esportes e raramente terão constância no acompanhamento nutricional. E representam o maior público dos nutricionistas (e as maiores oportunidades de fidelizar clientes), e para que os objetivos delas sejam atendidos, concomitantemente com a promoção da saúde, os conhecimentos trazidos por uma especialização em Nutrição em esportes não terão espaço para serem utilizados, sem causar danos a estes indivíduos.

Quais os danos do foco na performance esportiva para uma pessoa comum?

O paradigma contemporâneo do culto ao corpo magro e atlético, juntamente com os estigmas associados àqueles que não se enquadram nos padrões de beleza estabelecidos, tem exercido uma influência significativa e desfavorável sobre a prática de atividades físicas.

Nesse contexto, é comum deparar-se com indivíduos frequentando academias e se engajando em uma variedade de exercícios sem experimentarem prazer ou bem-estar, mas sim movidos pelo sentimento de obrigação de “queimar calorias” e compensar o consumo de certos tipos de alimentos – motivações normalmente mascaradas de busca por saúde, que no fundo podem significar apenas a busca por um corpo idealizado.

É importante frisar que não há nada de errado em buscar um determinado tipo de corpo, mas o caminho a ser adotado (e orientado) para este objetivo faz toda a diferença – e o olhar puramente voltado para a performance e resultados, que faz todo o sentido no âmbito do esporte profissional, para uma pessoa pode causar danos difíceis de serem reparados para uma relação saudável com a alimentação e com o corpo.

Mas e os suplementos, não posso recomendar para um paciente amador?

De acordo com as diretrizes mais recentes, a base de uma abordagem eficaz para a nutrição em esportes é uma alimentação equilibrada e adequada às necessidades e contextos individuais. Embora a suplementação possa ser recomendada em alguns casos, mesmo para praticantes ocasionais de atividade física, na maioria das situações ela não é necessária.

Abaixo, destacam-se três estudos robustos que mostram como que, para o cotidiano da maioria das pessoas, os suplementos podem ser desnecessários:

  • Uma revisão sistemática recente com mais de 70 estudos randomizados acerca da suplementação proteica para ganho de massa e força muscular apontou que os benefícios ainda não são claros. Ou seja, não há embasamento o suficiente para justificar a adoção da suplementação proteica como rotina para o público comum (Nunes et al., 2022).
  • Uma revisão sistemática sobre o uso da cafeína como estimulante pré-treino indicou que são necessárias pelo menos 13 horas de distância do momento do sono para que não haja nenhum prejuízo para a saúde. Considerando, então, que as pessoas vão dormir por volta das 23h, isso significa que o treino com uso da cafeína deve ser antes das 10h da manhã – o que está fora das possibilidades da maioria das pessoas, que frequentam academias no horário do almoço ou no final do expediente do trabalho (Gardiner et al., 2023).
  • Um levantamento do Comitê Olímpico Internacional aponta que o uso de creatina para a melhora da performance e ganho de massa muscular, no âmbito profissional, só é seguro com controles rígidos das quantidades e distribuição adequada durante a prática das atividades – o que, novamente, torna o uso no contexto amador e recreativo inseguro para grande parte das pessoas (Maughan et al., 2028).

No entanto, apesar das evidências, muitas pessoas ainda acreditam equivocadamente que a suplementação é essencial para melhorar o desempenho e obter ganhos significativos em qualquer tipo de atividade física. Essa percepção distorcida pode ser influenciada por uma variedade de razões, como a comercialização excessiva de produtos suplementares e mitos disseminados na cultura popular.

É essencial desmistificar essas crenças e fornecer informações precisas e embasadas cientificamente para atletas e praticantes de atividade física, independentemente da sua formação complementar, a fim de evitar a adoção de práticas inadequadas que possam levar até mesmo a transtornos alimentares.

Desta forma, a nutrição esportiva se mostra como um rico nicho de atuação para todos aqueles interessados em trabalhar na área de esportes profissionais – fora deste âmbito, por outro lado, os conhecimentos da nutrição, de forma geral, serão mais do que suficientes para que o acompanhamento nutricional seja completo e promova a saúde, sem causar danos.

Referências

  • ASBRAN. Manual Orientativo: Sistematização do Cuidado de Nutrição / [organizado pela] Associação  Brasileira de Nutrição ; organizadora: Marcia Samia Pinheiro Fidelix. – São Paulo :  Associação Brasileira de Nutrição, 2014
  • Gardiner C, Weakley J, Burke LM, Roach GD, Sargent C, Maniar N, Townshend A, Halson SL. The effect of caffeine on subsequent sleep: A systematic review and meta-analysis. Sleep Med Rev. 2023 Jun;69:101764.
  • Maughan RJ, Burke LM, Dvorak J, et alIOC consensus statement: dietary supplements and the high-performance athleteBritish Journal of Sports Medicine 2018;52:439-455.
  • Nunes EA, Colenso-Semple L, McKellar SR, Yau T, Ali MU, Fitzpatrick-Lewis D, Sherifali D, Gaudichon C, Tomé D, Atherton PJ, Robles MC, Naranjo-Modad S, Braun M, Landi F, Phillips SM. Systematic review and meta-analysis of protein intake to support muscle mass and function in healthy adults. J Cachexia Sarcopenia Muscle. 2022 Apr;13(2):795-810.
  • Teixeira P, Polacow V, Timerman F, Fontana M, Alvarenga M. Nutrição Comportamental e atividade física. In: Alvarenga M, Figueiredo M, Timerman F, Antonaccio A, organizadoras. Nutrição Comportamental. 2. ed. Barueri: Manole; 2019.
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