Uma simples pesquisa no Google Trends mostra que o interesse sobre o glúten vem em uma crescente absoluta desde 2010 – mas de forma curiosa, este mesmo fenômeno não é observado nas buscas sobre “doença celíaca”.
A verdade é que nos últimos anos muito se falou sobre glúten, de forma especialmente sensacionalista e sem fundamento, mas pouco se falou sobre a principal condição que justifique uma atenção a este nutriente – e é particularmente importante conversar sobre a doença celíaca, especialmente entre nutricionistas, para que seja dado o devido peso a gravidade da doença, ao mesmo tempo que seja possibilitado o apropriado distanciamento de discursos alarmistas que ficam longe da ciência.
Afinal, o que você precisa saber sobre a doença celíaca?
O que é a doença celíaca?
A doença celíaca é uma condição crônica que afeta o intestino delgado e ocorre em pessoas com predisposição genética. Ela é desencadeada pelo consumo de glúten, uma proteína presente em alguns cereais – especialmente o trigo. A doença provoca inflamação crônica no intestino e danifica as células da mucosa intestinal, o que pode levar à atrofia das vilosidades, estruturas responsáveis pela absorção de nutrientes.
Como é feito o diagnóstico?
Testes serológicos são essenciais no diagnóstico da doença celíaca. Anticorpos específicos, como anti-transglutaminase tecidual (tTG), anti-endomísio (EMA) e anti-peptídeos de gliadina desamidada (DGP) são utilizados para a detecção inicial, especialmente em indivíduos sintomáticos ou em grupos de alto risco. Estes testes devem ser realizados enquanto o indivíduo está consumindo glúten para garantir a precisão dos resultados. Entretanto, o padrão ouro para o diagnóstico é a biópsia do intestino delgado (após testes serológicos positivos).
Quantas pessoas, de fato, possuem a doença celíaca?
A doença celíaca afeta cerca de 0,5% a 1% da população geral, apenas, e tanto sua verdadeira prevalência quanto o reconhecimento e diagnóstico têm aumentado nos últimos 10 a 20 anos – não necessariamente pelo aumento de pessoas com a doença na população, mas provavelmente pelo maior número de pessoas com o diagnóstico confirmado.
Quem é mais diagnosticado com a doença celíaca?
A doença celíaca é diagnosticada mais frequentemente em mulheres do que em homens. Por outro lado, a doença pode se manifestar em qualquer idade, desde a primeira infância até a terceira idade, e geralmente apresenta dois picos de início: um logo após o início da ingestão de alimentos com glúten nos primeiros dois anos de vida e outro na segunda ou terceira década de vida.
Diagnosticar a doença celíaca pode ser complicado, pois os sintomas variam bastante entre os pacientes.
Quais são os sintomas da doença celíaca?
Pessoas com essa condição podem ter sintomas como diarreia, distensão abdominal, desconforto ou dor, vômito, constipação e problemas no crescimento, embora algumas não apresentem sintomas visíveis.
A dermatite herpetiforme, uma condição de pele também causada pela intolerância ao glúten, geralmente melhora com a eliminação do glúten da alimentação. E ainda algumas pessoas podem sofrer sintomas neurológicos que incluem fraqueza muscular, sensações anormais como formigamento, convulsões e ataxia.
Qual a forma de tratamento da doença celíaca?
Atualmente, a única forma de tratamento é eliminar completamente o glúten da alimentação. Entretanto, esta recomendação parece simples no papel, mas extremamente complicada na vida prática – seja por questões culturais relacionadas ao consumo de alimentos com glúten, seja por contaminação de alimentos que não possuem glúten originalmente. Quando há sucesso nesta exclusão, a melhora dos sintomas acontece em poucos dias.
Ao mesmo tempo, estudos mostram que o medo da contaminação por glúten é comum entre pacientes com doença celíaca, levando a uma vigilância excessiva e impactando negativamente a qualidade de vida – há ainda uma maior prevalência de neofobia alimentar entre pacientes com doença celíaca.
Os nutricionistas devem ficar atentos a deficiências específicas para pessoas com doença celíaca?
Sim, pois existem ainda consequências fora do intestino, como anemia devido à má absorção de vitamina B12, folato e ferro, problemas de coagulação sanguínea por falta de vitamina K e osteoporose. Você pode conferir mais sobre esse assunto nos conteúdos sobre exames laboratoriais disponíveis na Academia da Nutrição:
Probióticos podem ajudar na doença celíaca?
Não. Segundo as últimas diretrizes do American College of Gastroenterology, não existem evidências que sustentem esta recomendação. E ainda, os estudos que associam a microbiota com a doença celíaca não estabelecem uma relação de causalidade, sendo esta uma área que deve ser melhor explorada.
Considerações importantes para nutricionistas
Já há alguns anos, existe uma tendência para dieta sem glúten que leva muitas pessoas aderirem a esta restrição – por acreditarem que ela oferece benefícios à saúde ou porque acreditam que o glúten é prejudicial. Apesar desta popularidade, a sensibilidade ao glúten não-celíaca (SGNC) permanece mal compreendida e é frequentemente diagnosticada de forma inadequada. Existe uma necessidade de mais estudos para entender melhor a apresentação clínica da SGNC e sua gestão.
É necessário esclarecer a utilidade e as indicações da dieta sem glúten para evitar a adesão desnecessária e potencialmente prejudicial a essas dietas restritivas.
O nutricionista Felipe Daum recomenda a leitura do livro A Mentira do Glúten: E outros mitos sobre o que você come. Alan Levinovitz. Editora Citadel, 2015, para quem quiser se aprofundar ainda mais no assunto
Referências Bibliográficas
Caio G, Volta U, Sapone A, Leffler DA, De Giorgio R, Catassi C, Fasano A. Celiac disease: a comprehensive current review. BMC Med. 2019 Jul 23;17(1):142. https://doi.org/10.1186/s12916-019-1380-z
Catassi C, Verdu EF, Bai JC, Lionetti E. Coeliac disease. Lancet. 2022 Jun 25;399(10344):2413-2426. doi: 10.1016/S0140-6736(22)00794-2. Epub 2022 Jun 9. PMID: 35691302. https://doi.org/10.1016/s0140-6736(22)00794-2
Fasano, A., Sapone, A., Zevallos, V., & Schuppan, D. (2015). Nonceliac gluten sensitivity.. Gastroenterology, 148 6, 1195-204 . https://doi.org/10.1053/j.gastro.2014.12.049.
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.