Sobretudo em países desenvolvidos, a infertilidade em homens vem se tornando uma preocupação. No contexto europeu, estudos estimam que uma em cada sete parcerias enfrenta dificuldades para conceber, com fatores masculinos contribuindo para uma proporção significativa dos casos.
Com uma vasta literatura científica abordando a relação entre a alimentação, o estilo de vida e a qualidade dos parâmetros seminais, o nutricionista surge como um potencial agente para ajudar casais que buscam a gestação – sendo importante, porém, que se mantenha uma postura de cuidado em não fazer promessas.
A complexidade desse tema, bem como a pluralidade de fatores envolvidos, indica que ainda há lacunas de conhecimento a serem preenchidas. Recentemente, pesquisadores do Reino Unido fizeram uma ampla e detalhada revisão sobre o tema, com resultados a serem explorados a seguir, contribuindo com informações para que o nutricionista ofereça orientações baseadas em evidências, de modo ético e responsável.
Macro e micronutrientes
Um dos destaques desta revisão são as gorduras, sendo que seus diferentes tipos apresentam efeitos distintos sobre a saúde espermática.
Estudos mostraram que o consumo excessivo de gorduras trans, frequentemente encontradas em alimentos ultraprocessados, está negativamente associado à qualidade do sêmen.
Essas gorduras têm sido relacionadas a uma redução na contagem de espermatozoides e a alterações na morfologia e motilidade, além de um possível impacto negativo nos níveis de testosterona. Em contrapartida, o consumo de gorduras insaturadas, como os ácidos graxos ômega-3, presentes em peixes, sementes de linhaça e nozes, tem sido associado a melhorias na motilidade e na integridade do DNA espermático. Além disso, especificamente as gorduras poli-insaturadas contribuem para o equilíbrio hormonal e a qualidade da membrana celular dos espermatozoides, promovendo uma maior estabilidade e funcionalidade.
Entre os micronutrientes, tem se destacado o ácido fólico, que participa da síntese de DNA e RNA e atua na integridade genética das células espermáticas. Evidências sugerem que, combinado com o zinco, o ácido fólico pode aumentar a contagem de espermatozoides e melhorar a morfologia, embora os resultados ainda sejam limitados e variem conforme o contexto do estudo.
O zinco, por sua vez, é encontrado em altas concentrações no fluido seminal e desempenha um papel essencial na formação e desenvolvimento dos espermatozoides, contribuindo para a redução do estresse oxidativo e ajudando a manter a integridade das células reprodutivas.
A vitamina E também é um nutriente relevante para a fertilidade masculina devido às suas propriedades que protegem as células contra danos oxidativos, especialmente no que se refere às membranas lipídicas dos espermatozoides. Pesquisadores observaram que a suplementação de vitamina E pode reduzir a fragmentação do DNA espermático e melhorar a motilidade, atuando de forma eficaz na preservação da integridade celular.
Estudos indicam que, quando combinada com a vitamina C, essa suplementação pode potencializar a proteção antioxidante e melhorar marcadores de qualidade do sêmen, como a concentração e a viabilidade dos espermatozoides.
E ainda, a carnitina, um aminoácido encontrado em grandes concentrações nos testículos e espermatozoides, também tem sido estudada por seu papel no suporte à fertilidade masculina. Ela contribui para o desenvolvimento e maturação dos espermatozoides, auxiliando na motilidade e protegendo a integridade do DNA contra danos oxidativos. Estudos demonstram que a suplementação de L-carnitina pode melhorar parâmetros como a motilidade e a morfologia dos espermatozoides, além de aumentar a taxa de gravidez espontânea em mulheres parceiras de homens com alterações seminais.
Contudo, é importante ressaltar que o consumo adequado de alimentos como carne vermelha e produtos de origem animal pode oferecer níveis de carnitina benéficos sem a necessidade de suplementação direta.
O estilo de vida, além dos nutrientes
Práticas como a redução no consumo de álcool e o abandono do tabagismo são associadas a melhores parâmetros de qualidade do sêmen. O estresse crônico também pode afetar negativamente a fertilidade, uma vez que ele impacta a produção de testosterona e a função testicular, além de estar relacionado ao aumento dos níveis de radicais livres que prejudicam a integridade do DNA espermático.
Outras práticas cotidianas, como evitar o uso prolongado de dispositivos eletrônicos junto ao corpo e reduzir o tempo em ambientes que elevam a temperatura testicular, são recomendadas para minimizar fatores que podem comprometer a qualidade espermática. Essas orientações, quando integradas a uma alimentação adequada, podem ser estratégias importantes para o suporte à saúde reprodutiva de maneira abrangente.
Muitas das orientações derivadas dos estudos sobre fertilidade estão alinhadas com as recomendações gerais para uma boa alimentação e comportamentos alimentares saudáveis.
A verdadeira dificuldade, no entanto, está na mudança de comportamento, que representa um desafio para grande parte da população. Para casais que buscam o apoio de um nutricionista com o objetivo específico de melhorar a fertilidade, essa motivação adicional pode facilitar o processo de mudança.
Ainda assim, é essencial que o nutricionista evite criar expectativas irreais, respeitando as limitações dos estudos – especialmente quanto a suplementação, já que as respostas aos suplementos podem variar amplamente entre os indivíduos, e muitos estudos destacam a necessidade de mais evidências robustas para estabelecer a eficácia e a segurança de longo prazo dessas intervenções.
Texto por Felipe Daun: nutricionista, mestre e doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP. Aprimorando em Transtornos Alimentares pelo AMBULIM IPq-FMUSP. Professor do Instituto Nutrição Comportamental e colaborador da Academia da Nutrição.
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