Fruta tem açúcar, e daí? Entenda por que isto não é um problema 

Imagine um triângulo. Em uma ponta, notícias alarmistas dizendo que frutose causa cirrose, doença do coração e até Alzheimer. Na […]


Imagine um triângulo. Em uma ponta, notícias alarmistas dizendo que frutose causa cirrose, doença do coração e até Alzheimer. Na segunda, um comercial de refrigerante dizendo que é bom por conter frutose, o “açúcar das frutas”. E na última, nutricionistas com discursos contraditórios sobre o consumo de frutas e de seus sucos.  

Enfim, no meio do triângulo, a pessoa comum (seu potencial paciente) cada vez mais confuso sobre a ingestão de alimentos que por milhares de anos compõe a alimentação humana.  

Sim, é verdade que as frutas têm açúcar (e inclusive frutose), mas porque isso não é um problema?

E porque o discurso dos nutricionistas (e outros profissionais da saúde) precisam ser menos alarmistas sobre isto? 

Já há alguns anos que alguns pesquisadores têm se debruçado sobre a frutose e publicado estudos muito interessantes, mas sempre muito mal interpretados.  

Uma meta-análise muito recente, que avaliou mais de 65 mil pacientes, encontrou que a cirrose não-alcóolica estava associada ao consumo de alimentos adicionados de frutose (Liu et al., 2023).

Enquanto um estudo com camundongos mostrou que uma dieta com frutose adicionada é uma forte precursora de risco cardiovascular e síndrome metabólica (Francisqueti-Ferron et al., 2023).

E ainda uma revisão narrativa (aquele tipo de revisão que se alinha a uma ideia do autor e não necessariamente incluí uma busca estruturada sobre o tema) ficou muito popular ao trazer uma hipótese sobre o desenvolvimento da Doença de Alzheimer e o metabolismo da frutose (Johnson et al., 2023). 

Todos estes trabalhos protagonizaram manchetes de grandes veículos de comunicação que destacaram o “açúcar das frutas” (e por consequência as “frutas”, para uma pessoa leiga) como o causador de desfechos indesejados para a saúde. Estes mesmos trabalhos também fomentaram o discurso terrorista de nutricionistas, médicos e outros profissionais (e não profissionais), nas principais redes sociais, contra o consumo de frutas.  

Entretanto, a ânsia por cliques (por parte dos jornalistas) e por engajamento (pelos utilizadores das redes sociais) se sobrepôs de forma decisiva sobre pontos fundamentais dos estudos.  

Não é à toa que no trecho do texto acima a palavra adicionado estava destacada, pois ela faz toda a diferença. “Frutose adicionada” refere-se a frutose extraída de uma fonte natural (em geral o xarope de milho), isolada e concentrada – e ainda que a molécula seja equivalente àquela presente nas frutas, a quantidade, a matriz alimentar e os comportamentos relacionados fazem muita diferença.  

No estudo com os camundongos, por exemplo, adicionou-se 30% de frutose à água a disposição dos animais, o que para nós – humanos – equivaleria a 300g de frutose adicionada a cada litro de água ingeridos. E na revisão sobre Alzheimer, os pesquisadores discorrem justamente sobre a evolução do comportamento humano ao longo de milhões de anos e em nenhum momento apresentam alguma evidência que o consumo direto de frutas é o causador da doença degenerativa. 

Sempre há muita confusão entre as pessoas leigas sobre o termo “açúcar”, e para os nutricionistas pode ser muito difícil explicar que após a digestão, o organismo não faz diferença entre uma molécula de glicose que veio de uma “tapioca fit” ou de um biscoito recheado ultraprocessado.  

E após uma importante (e complicada) desmistificação sobre a composição dos alimentos e conceitos de “saudável” e “não saudável”, fica ainda mais difícil explicar que tem diferença entre a frutose das frutas e a frutose adicionada aos alimentos industrializados

Caso seja necessário, há a possibilidade de recorrer às tabelas de composição dos alimentos para mostrar que a origem da frutose não é um problema pela origem em si, mas pela concentração em que ela se apresenta.  

De acordo com a Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TBCA, 2019), o percentual de frutose no abacaxi é de 0,8%, na banana nanica 2,7%, na maçã fuji 5%, no mamão papaya 2,7% e na manga palmer 2,4% – e a mesma tabela ainda destaca que o suco natural de laranja, sem adição de açúcar, apresenta apenas 1,8% de frutose. 

Para comparação, um refrigerante de cola com açúcar adicionado tem cerca de 5,3% de frutose, enquanto um biscoito recheado pode chegar a 15%.  

Neste momento, pode emergir o pensamento “o refrigerante não é muito diferente da maçã”. Será? 

É nesta hora que um bom profissional precisa olhar para além do nutriente para enxergar a diferença: em primeiro lugar, a matriz alimentar – é indiscutível que a maçã contém fibras, vitaminas e minerais essenciais para o ser o humano, que inclusive podem ser fundamentais na prevenção de desfechos potencialmente causados pelo excesso de frutose; e ainda mais importante do que isto são os comportamentos associados ao consumo da maçã e a ingestão do refrigerante. 

Será que optar por comer uma maçã no final da tarde por estar com fome é a mesma coisa do que almoçar com pressa bebendo meio litro de refrigerante, sem sequer prestar atenção nos sinais de saciedade? Não é.  

E se essa comparação parecer desleal, pegamos o exemplo do suco de frutas: beber um suco adoçado, todos os dias no almoço e no jantar, é a mesma coisa do que tomar um suco natural no dia que não deu tempo de comprar uma fruta? Ou mesmo no dia de sair com os amigos que vão ingerir bebidas alcóolicas e alguém precisa dirigir? Não, não é a mesma coisa. 

O sucesso do atendimento nutricional depende de uma boa relação entre o nutricionista e seu paciente/cliente – e qualquer boa relação tem como requisito que nenhuma parte cause mal a outra, nos mais diferentes níveis.  

Assustar e aterrorizar, independentemente de intenção final, é uma forma de causar mal e NUNCA será uma forma ética e responsável de atuar como nutricionista.  

Especialmente no contexto das frutas e dos sucos, que apresenta uma raiz cultural forte na realidade brasileira, condutas e discursos extremistas para o público geral apenas reforçam estereótipos de inconsistências dos nutricionistas (tal como o clássico “ovo pode” / “ovo não pode”), enfraquecendo a classe profissional como um todo.  

E ainda para olhares mais críticos e sérios, tal postura escancara a falta de conhecimento e a veia charlatã e oportunista de quem a pratica.  

Comer frutas está relacionado com a evolução da nossa espécie, e beber suco com a evolução da nossa sociedade – e o papel dos nutricionistas é atuar em prol da saúde, em seu amplo sentido, e de uma alimentação saudável, não de likes e comentários.  

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

  • Francisqueti-Ferron FV, Belin MAF, Palacio TLN, Ferron AJT, Garcia JL, Siqueira JS, Nakandakare-Maia ET, et al. Consumo de Frutose Altera Aminas Biogênicas Associadas a Fatores de Risco Cardiovasculares. Arq. Bras. Cardiol. 2023;120(6):e20220770. 
  • Johnson RJ, Tolan DR, Bredesen D, Nagel M, Sánchez-Lozada LG, Fini M, Burtis S, Lanaspa MA, Perlmutter D. Could Alzheimer’s disease be a maladaptation of an evolutionary survival pathway mediated by intracerebral fructose and uric acid metabolism? Am J Clin Nutr. 2023 Mar;117(3):455-466. 
  • Liu, W; Zhai, D; Zhang, T; Mudoti, N; Chang, Q; Liu, Y et al. Meta-analysis of the association between major foods with added fructose and non-alcoholic fatty liver disease. Food Funct ; 14(12): 5551-5561, 2023. 
  • Sollid K. What is Fructose? Food Insight. Disponível em: https://foodinsight.org/what-is-fructose/ 
  • Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TBCA). Tabelas Complementares – Perfil de carboidratos. Universidade de São Paulo (USP). Food Research Center (FoRC). Versão 7.0. São Paulo, 2019.  
  • Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TBCA). Universidade de São Paulo (USP). Food Research Center (FoRC). Versão 7.2. São Paulo, 2023.  

2 respostas para “Fruta tem açúcar, e daí? Entenda por que isto não é um problema ”

  1. Eliane

    Achei que o artigo está totalmente de acordo com a realidade do que vemos e ouvimos hoje em dia.
    Existem muitas controvérsias em relação ao consumo das frutas, se pode ou não comer.
    A verdade para mim é bem clara, fruta é fruta não importa as calorias, importa os nutrientes que fornecem ao nosso organismo. E refrigerante é refrigerante, não importa se tem frutose, enfim… Refrigerante nos fornece exatamente nada, calorias vazias. Simples assim!

  2. Sandra

    Excelente artigo. Infelizmente a preparação do profissional hoje em dia funciona como um repeteco de vários “posts” de fontes duvidosas, sem colocar em prática o aprendizado e o racionío , além da investigação em artigos científicos.

Deixe um comentário

Já pensou em anunciar na comunidade nutricional mais relevante do Brasil?
This is default text for notification bar