Muito recentemente, a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) atualizou suas diretrizes com uma nova publicação com 18 recomendações acerca do diagnóstico de diabetes mellitus (DM). Dada a ampla prevalência da doença, e suas peculiaridades de cuidado, o tema já foi esgotado em grandes meios de comunicação sem a menor efetividade, tanto na prevenção quanto na adequada educação em diabetes para o grande público – fato que contribui para uma massiva desinformação sobre esta condição de saúde mesmo entre profissionais de saúde (nutricionistas incluídos). É fato que nutricionistas não os profissionais responsáveis (ou autorizados) a definir o diagnóstico de doenças, entretanto o conhecimento sobre os critérios, e até mesmo algumas ferramentas de investigação podem ser úteis na prática clínica.
Recomendações R1-5:Diagnóstico
R1 – É RECOMENDADO utilizar, como critérios de diagnóstico de DM, a glicemia de jejum maior ou igual a 126 mg/dl, a HbA1c maior ou igual a 6,5%, a glicemia no TTGO-1h maior ou igual a 209 mg/dl ou a glicemia no TTGO- 2h maior ou igual a 200 mg/dl. Se somente um exame estiver alterado, este deverá ser repetido para confirmação.
R2 – Na presença de sintomas típicos de hiperglicemia ou crise hiperglicêmica, É RECOMENDADO que o diagnóstico seja estabelecido quando houver glicemia plasmática ao acaso ≥ 200 mg/dl.
R3 – É RECOMENDADO estabelecer o diagnóstico de DM se houver GJ ≥ 126 mg/dl e HbA1c ≥ 6,5% em uma mesma amostra de sangue.
R4 – Quando indicada a realização de TTGO, É RECOMENDADO o uso de TTGO-1h para diagnóstico de DM2 e detecção de pré-diabetes, por ser superior e mais prático do que o TTGO-2h.
R5 – É RECOMENDADO utilizar como ponto de corte de glicemia no TTGO-1h ≥ 209 mg/dl para diagnóstico de DM2 e ≥ 155 mg/dl para detecção de pré-diabetes.
As recomendações R1 a R5 abordam critérios e métodos diagnósticos para uma abordagem correta e precoce da condição. A glicemia de jejum, HbA1c e o teste de tolerância à glicose (TTGO) são exames frequentemente utilizados, e a compreensão de seus valores de corte permite ao nutricionista interpretar os resultados em contexto, auxiliando na orientação sobre a alimentação e no planejamento de intervenções nutricionais personalizadas que considerem a evolução de tais exames a longo prazo.
Além disso, a detecção precoce do pré-diabetes, conforme mencionado nas recomendações, é uma oportunidade crucial para o nutricionista atuar preventivamente. Compreender o diagnóstico (ou o risco) permite que o nutricionista vá além dos números, considerando todo o contexto de vida do paciente. Isso inclui aspectos emocionais, sociais e culturais que influenciam na prática do plano alimentar e o controle glicêmico. Apesar de ser uma conduta comum, não faz sentido recomendar a restrição drástica de alimentos que sejam consumidos habitualmente ou que sejam importantes para o indivíduo dentro do seu contexto – após um diagnóstico ou uma identificação de risco. Mas será que o nutricionista pode identificar um risco?
Recomendações R6-10: Rastreamento
R6 – É RECOMENDADO o rastreamento de DM2 para todos os indivíduos com idade ≥ 35 anos e para os demais adultos com sobrepeso/obesidade que tenham pelo menos um fator de risco adicional para DM2 e/ou que apresentem FINDRISC alto/muito alto.
R7 – É RECOMENDADO utilizar GJ e/ou HbA1c como primeiros testes de rastreamento de DM2. A escolha entre solicitar um destes testes ou ambos deve ser baseada na disponibilidade local para realização da dosagem de HbA1c.
R8 – Em adultos com pré-diabetes, definido previamente por glicemia de jejum e HbA1c, É RECOMENDADO a realização adicional do TTGO-1h para diagnóstico de casos de DM2 não anteriormente detectados (se maior ou igual a 209 mg/dl) ou para predizer risco futuro de DM2 (se maior ou igual a 155 mg/dl e menor do que 209 mg/dl).
R9 – No rastreamento do DM2, se houver GJ < 100 mg/dl e HbA1c < 5,7% em pessoas com 3 ou mais fatores de risco ou FINDRISC alto/muito alto, É RECOMENDADO realizar o TTGO-1h para complementar a investigação de DM e pré-diabetes.
R10 – No rastreamento inicial do DM2, caso haja GJ < 100 mg/dl e HbA1c < 5,7% em pessoas com menos de 3 fatores de risco e FINDRISC baixo a moderado, NÃO É RECOMENDADO realizar testes adicionais para detecção de DM2 ou pré-diabetes.
Figura. Questionário FINDRISC para avaliação do risco de DM2.
As recomendações R6 a R10 focam no rastreamento de diabetes tipo 2, particularmente em indivíduos com fatores de risco aumentados. Note que a maioria dos questionamentos da avaliação de risco do FINDRISC são contemplados por qualquer avaliação nutricional. Não há necessidade, porém, de aplicar este questionário de forma estruturada e com uma clara comunicação sobre o seu propósito a todos os pacientes – em muitos casos, o resultado irá só alarmar e pode ser um gatilho para busca de alternativas sem embasamento para “parar” ou “curar” o DM (nos dias de hoje, vende-se até colchão para melhorar os índices glicêmicos, o que obviamente é um absurdo). Ao avaliar o risco de diabetes, o nutricionista pode adaptar suas recomendações alimentares e comportamentais para atender às necessidades específicas do paciente, falando mais sobre COMIDA e menos sobre doença.
Recomendações R11-14: Acompanhamento
R11 – Após o rastreamento inicial para DM2, É RECOMENDADO que pessoas com exames laboratoriais normais, menos de 3 fatores de risco ou FINDRISC baixo a moderado sejam reavaliadas após 3 anos.
R12 – Após o rastreamento inicial para DM2, É RECOMENDADO que pessoas assintomáticas, com exames laboratoriais normais e ≥ 3 fatores de risco OU FINDRISC alto/muito alto sejam reavaliadas em 12 meses.
R13 – Após o rastreamento inicial para DM2, É RECOMENDADO que pessoas com pré-diabetes sejam reavaliadas após 12 meses.
R14 – Após o rastreamento inicial para DM2, É RECOMENDADO que pessoas com apenas um exame laboratorial com critério para DM, sem outros exames alterados (diabetes iminente), sejam reavaliadas em 6 meses.
As recomendações R11 a R14 tratam do acompanhamento de pacientes após o rastreamento inicial, dependendo dos resultados e dos fatores de risco presentes. O foco na reavaliação periódica também reforça a importância de uma abordagem de cuidado longitudinal, onde o nutricionista atua como um parceiro na saúde do paciente, acompanhando sua jornada e ajustando o plano nutricional com base em mudanças no quadro clínico. Com tantas especificidades da abordagem médica, é importante um distanciamento deste foco por parte do profissional de Nutrição, para criação de vínculo – artifício fundamental para a continuidade do acompanhamento.
Recomendações R15-18 :Condições Especiais
R15 – É RECOMENDADO fazer rastreamento para DM nos indivíduos que apresentam comorbidades relacionadas ao diabetes secundário, como endocrinopatias e doenças pancreáticas, com infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) ou na vigência de condições frequentemente associadas ao DM, como a doença hepática esteatótica.
R16 – É RECOMENDADO que pacientes que irão iniciar medicações com potencial efeito hiperglicemiante, como glicocorticoides ou antipsicóticos, sejam rastreados para DM antes e após o início do tratamento.
R17 – É RECOMENDADO realizar triagem de DM2 em crianças e adolescentes a partir de 10 anos de idade ou após o início da puberdade, com sobrepeso/obesidade e pelo menos um fator de risco para DM2.
R18 – O rastreamento com dosagem de autoanticorpos PODE SER CONSIDERADO em familiares de primeiro grau de pessoas com DM1, visando reduzir o risco de cetoacidose ao diagnóstico, fornecer educação em diabetes, selecionar candidatos para participação em protocolos de pesquisa para prevenção do DM1 fase 3 e para início do uso de medicações imunomoduladoras aprovadas por agências reguladoras com objetivo de atrasar DM1 fase 3.
As recomendações R15 a R18 são mais específicas e focam no rastreamento de DM em algumas populações, incluindo pessoas com comorbidades relacionadas ao diabetes, usuários de medicamentos hiperglicemiantes, crianças e adolescentes, e familiares de primeiro grau de pacientes com DM1. Neste contexto, o que se destaca para o nutricionista é a atenção especial às crianças, uma vez que o aconselhamento nutricional para a família será essencial para o sucesso no cuidado e na grande maioria dos casos resultará em cuidar da família inteira para cuidar da criança com uma condição específica, como o DM.
Recomenda-se a leitura do texto completo em: https://diretriz.diabetes.org.br/diagnostico-de-diabetes-mellitus/, mas com a busca por bibliografia ampliada que fuja do foco médico no cuidado do DM, ainda que o controle glicêmico seja a base do cuidado, não se pode esquecer JAMAIS que estamos lidando com pessoas com seus contextos de vida, sobre os quais sabemos muito pouco (mesmo nos mais profundos atendimentos).
Referências bibliográficas:
- Costa AC, Medeiro I, Alvarenga M. Nutrição Comportamental no tratamento do diabetes. Alvarenga, M et al. (Org.). Nutrição comportamental. 2. ed. Barueri: Manole, 2019
- Melanie Rodacki, Roberta A. Cobas, Lenita Zajdenverg, Wellington Santana da Silva Júnior, Luciano Giacaglia, Luis Eduardo Calliari, Renata Maria Noronha, Cynthia Valerio, Joaquim Custódio, Mauro Scharf, Cristiano Roberto Grimaldi Barcellos, Maithe Pimentel Tomarchio, Maria Elizabeth Rossi da Silva, Rosa Ferreira dos Santos, Bianca de Almeida-Pitito, Carlos Antonio Negrato, Monica Gabbay, Marcello Bertoluci | Diagnóstico de diabetes mellitus. Diretriz Oficial da Sociedade Brasileira de Diabetes (2024). https://diretriz.diabetes.org.br/diagnostico-de-diabetes-mellitus/
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.