Cálcio: Quando a suplementação faz sentido?  

Cálcio: essencial para ossos, músculos e mais. Mas será que a suplementação é realmente necessária? Descubra as evidências e recomendações!


O cálcio desempenha um papel essencial em diversos processos fisiológicos, indo além da manutenção da densidade óssea para influenciar a função neuromuscular, a coagulação sanguínea e até o metabolismo lipídico. Embora amplamente reconhecido por sua importância na prevenção da osteoporose, sua suplementação tem sido objeto de debates, especialmente quanto à eficácia isolada e à segurança do uso prolongado. 
 
Estudos recentes indicam que a simples ingestão do mineral nem sempre se traduz em benefícios clínicos diretos, destacando a necessidade de avaliar fatores como absorção, interação com outros nutrientes e contexto metabólico. Em diferentes fases da vida, as necessidades e os impactos da ingestão de cálcio variam, tornando indispensável uma abordagem baseada em evidências para definir estratégias adequadas de consumo e suplementação. 

Antes de avançar na análise de suas implicações clínicas, é importante destacar as principais funções do cálcio no organismo: 

  • Saúde óssea e prevenção da osteoporose: O cálcio é essencial para a manutenção da densidade mineral óssea (DMO), ajudando a reduzir a perda óssea e o risco de fraturas em idosos, especialmente em mulheres pós-menopausa. [1-2] 
  • Regulação da pressão arterial: Atua no controle da contração vascular e na homeostase dos líquidos corporais, contribuindo para a manutenção da pressão arterial em níveis adequados. [3] 
  • Modulação da contração muscular: Essencial para a contração do músculo esquelético e cardíaco, permitindo respostas musculares coordenadas e eficientes. [4] 
  • Transmissão nervosa e função neuromuscular: Regula a liberação de neurotransmissores e a excitabilidade neuronal, sendo fundamental para a comunicação entre neurônios e a coordenação motora. [4] 
  • Coagulação sanguínea: Participa da ativação de fatores de coagulação, sendo necessário para a formação e estabilização de coágulos sanguíneos. [4] 
  • Metabolismo lipídico: Pode influenciar a absorção de lipídios e modular o perfil lipídico, reduzindo a absorção intestinal de colesterol e ácidos graxos. [5] 
  • Saúde digestiva e proteção intestinal: Pode reduzir a toxicidade de ácidos biliares e ácidos graxos livres no cólon, auxiliando na proteção da mucosa intestinal e possivelmente reduzindo o risco de adenomas colorretais. [4] 
  • Desenvolvimento fetal e prevenção da pré-eclâmpsia: Durante a gestação, o cálcio é essencial para o desenvolvimento ósseo fetal e pode reduzir o risco de complicações hipertensivas, como a pré-eclâmpsia, especialmente em mulheres com baixa ingestão do mineral. [6] 

Embora seu papel seja amplamente reconhecido, a ingestão e a suplementação de cálcio apresentam desafios específicos em diferentes fases da vida.

 

Idosos  

Com o envelhecimento, a perda de densidade óssea e a fragilidade aumentam o risco de fraturas, tornando a suplementação de cálcio uma estratégia amplamente recomendada. No entanto, uma metanálise revelou que a suplementação isolada de cálcio não reduz significativamente o risco de fraturas em idosos [7].  
 
O que se mostrou eficaz foi a combinação de cálcio e vitamina D, já que a absorção intestinal de cálcio depende diretamente da presença adequada dessa vitamina. Sem níveis adequados de vitamina D, o cálcio ingerido não é eficientemente utilizado pelo organismo, comprometendo sua função na mineralização óssea. Além disso, a suplementação combinada demonstrou reduzir o risco de quedas, melhorando a função muscular e a mobilidade, fatores essenciais para a prevenção de fraturas. A revisão destaca a importância de avaliar o status nutricional dos idosos antes da prescrição, garantindo que a suplementação seja feita de forma eficaz e baseada em evidências. 

Gestantes  

Em meio à crescente preocupação com os impactos da deficiência de cálcio na saúde materna, a New York Academy of Sciences, em parceria com a Children’s Investment Fund Foundation, reuniu um grupo de especialistas para uma missão ambiciosa: revisar as evidências e traçar estratégias para reduzir a incidência de pré-eclâmpsia.  
 
Durante dois encontros virtuais, essa força-tarefa – composta por especialistas em nutrição, ginecologia, pediatria e saúde pública – avaliou a literatura científica, discutiu mecanismos fisiológicos e investigou as melhores formas de intervenção, desde suplementação até fortificação alimentar. Embora sem realizar uma revisão sistemática, os especialistas analisaram dados robustos que demonstram que a suplementação com 1,5 a 2 g/dia de cálcio pode reduzir em até 50% o risco de pré-eclâmpsia [8], especialmente em populações com baixa ingestão do mineral.  
 
O grupo também reforçou a necessidade de mais pesquisas sobre doses mais baixas e suplementação periconcepcional (período que envolve a concepção, abrangendo o tempo imediatamente antes e logo após a fecundação). Suas conclusões não apenas consolidam o papel do cálcio na saúde gestacional, mas também oferecem diretrizes práticas para profissionais de saúde na prevenção dessa condição grave e potencialmente fatal.  

Pós-menopausa  

Os estudos apontam que a ingestão adequada de cálcio é essencial para compensar a perda óssea que se acelera após a menopausa, principalmente devido à deficiência estrogênica, que compromete a absorção intestinal de cálcio e intensifica a reabsorção óssea [9]. Entretanto, a eficácia da suplementação isolada tem sido questionada, uma vez que, apesar de proporcionar um pequeno aumento na densidade mineral óssea, seus efeitos tendem a ser transitórios e desaparecem após a interrupção do uso [10].  
 
Além disso, alguns estudos sugerem que a suplementação combinada de cálcio e vitamina D pode ser mais eficaz na redução do risco de fraturas, especialmente em mulheres institucionalizadas ou com baixa ingestão dietética desses nutrientes [2,9]. 

No entanto, a segurança do uso prolongado de suplementos de cálcio permanece um ponto controverso. Algumas pesquisas indicam uma possível associação entre o uso de cálcio em altas doses e um risco aumentado de eventos cardiovasculares, como infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral, o que levanta preocupações sobre a recomendação indiscriminada desses suplementos [10].  
 
Essa relação, contudo, não é universalmente aceita, uma vez que outros estudos não encontraram um aumento significativo do risco cardiovascular, e alguns sugerem que os efeitos adversos podem estar relacionados ao tipo e à dosagem da suplementação utilizada [2].  
 
 
Diante dessas incertezas, recomenda-se que a reposição de cálcio seja priorizada por meio da alimentação, reservando a suplementação para mulheres com ingestão inadequada ou risco elevado de osteoporose, sempre considerando fatores individuais como idade, estado hormonal e presença de comorbidades [9-10]. 

Pessoas jovens  

Embora a suplementação de cálcio isolado em idosos tenha mostrado efeitos limitados na redução de fraturas, há indícios de que sua introdução antes dos 35 anos pode otimizar a formação óssea e prevenir a osteoporose no futuro. Uma metanálise recente analisou 43 ensaios clínicos randomizados, envolvendo mais de 7.000 participantes, e identificou que a suplementação de cálcio teve impacto significativo na densidade mineral óssea do colo do fêmur, um local crítico para fraturas em idosos. Os efeitos foram mais pronunciados em indivíduos entre 20 e 35 anos, sugerindo que esse pode ser o período ideal para intervenções preventivas.  
 
Além disso, os dados apontam que a utilização de alimentos fonte de cálcio podem ser tão eficazes quanto os suplementos. No entanto, os benefícios parecem ser transitórios, desaparecendo após dois anos sem o acompanhamento, o que reforça a necessidade de uma ingestão adequada de fontes de cálcio para a manutenção da saúde óssea ao longo da vida. [11] 

Diante das evidências disponíveis, a suplementação de cálcio não deve ser encarada como uma conduta padronizada, mas como uma intervenção a ser avaliada caso a caso.  
 
A deficiência desse mineral não pode ser presumida com base em dados populacionais, uma vez que, no contexto clínico, é o paciente individual – e não a média estatística – que orienta a tomada de decisão. A avaliação laboratorial é indispensável antes de qualquer recomendação, pois a simples reposição sem um critério adequado pode ser não apenas desnecessária, mas potencialmente prejudicial.  
 
Além disso, os estudos demonstram que a adequação do cálcio por meio da alimentação é viável, o que desloca a questão para a capacidade do nutricionista de traduzir esse conhecimento em estratégias efetivas. Sem um olhar atento para o contexto alimentar e a adesão do paciente, a orientação corre o risco de se tornar mais uma recomendação genérica, distante da prática e sem impacto real na saúde. 

Texto por Felipe Daun: nutricionista, mestre e doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP. Aprimorando em Transtornos Alimentares pelo AMBULIM IPq-FMUSP. Professor do Instituto Nutrição Comportamental e colaborador da Academia da Nutrição. 

Referências Bibliográficas:  

  1. Song L. (2017). Calcium and Bone Metabolism Indices. Advances in clinical chemistry, 82, 1–46. https://doi.org/10.1016/bs.acc.2017.06.005 
  1. Liu, C., , Kuang, X., , Li, K., , Guo, X., , Deng, Q., , & Li, D., (2020). Effects of combined calcium and vitamin D supplementation on osteoporosis in postmenopausal women: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Food & function, 11(12), 10817–10827. https://doi.org/10.1039/d0fo00787k 
  1. Chen, Y., Strasser, S., Cao, Y., Wang, K. S., & Zheng, S. (2015). Calcium intake and hypertension among obese adults in United States: associations and implications explored. Journal of human hypertension, 29(9), 541–547. https://doi.org/10.1038/jhh.2014.126 
  1. Cormick, G., & Belizán, J. M. (2019). Calcium Intake and Health. Nutrients, 11(7), 1606. https://doi.org/10.3390/nu11071606 
  1. Chen, C., Ge, S., Li, S., Wu, L., Liu, T., & Li, C. (2017). The Effects of Dietary Calcium Supplements Alone or With Vitamin D on Cholesterol Metabolism: A Meta-Analysis of Randomized Controlled Trials. The Journal of cardiovascular nursing, 32(5), 496–506. https://doi.org/10.1097/JCN.0000000000000379 
  1. Hypertension in pregnancy. Report of the American College of Obstetricians and Gynecologists’ Task Force on Hypertension in Pregnancy. (2013). Obstetrics and gynecology, 122(5), 1122–1131. https://doi.org/10.1097/01.AOG.0000437382.03963.88 
  1. Cianferotti, L., Bifolco, G., Caffarelli, C., Mazziotti, G., Migliaccio, S., Napoli, N., Ruggiero, C., & Cipriani, C. (2024). Nutrition, Vitamin D, and Calcium in Elderly Patients before and after a Hip Fracture and Their Impact on the Musculoskeletal System: A Narrative Review. Nutrients, 16. https://doi.org/10.3390/nu16111773
  1. Gomes, F., Ashorn, P., Askari, S., Belizán, J., Boy, E., Cormick, G., Dickin, K., Driller-Colangelo, A., Fawzi, W., Hofmeyr, G., Humphrey, J., Khadilkar, A., Mandlik, R., Neufeld, L., Palacios, C., Roth, D., Shlisky, J., Sudfeld, C., Weaver, C., & Bourassa, M. (2022). Calcium supplementation for the prevention of hypertensive disorders of pregnancy: current evidence and programmatic considerations. Annals of the New York Academy of Sciences, 1510, 52 – 67. https://doi.org/10.1111/nyas.14733
  1. Capozzi, A., Scambia, G., & Lello, S. (2020). Calcium, vitamin D, vitamin K2, and magnesium supplementation and skeletal health. Maturitas, 140, 55–63. https://doi.org/10.1016/j.maturitas.2020.05.020 
  1. Heidari, B., Hajian-Tilaki, K., & Babaei, M. (2020). Effectiveness and safety of routine calcium supplementation in postmenopausal women. A narrative review.. Diabetes & metabolic syndrome, 14 4, 435-442 . https://doi.org/10.1016/j.dsx.2020.04.016
  1. Liu, Y., Le, S., Liu, Y., Jiang, H., Ruan, B., Huang, Y., Ao, X., Shi, X., Fu, X., & Wang, S. (2022). The effect of calcium supplementation in people under 35 years old: A systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. eLife, 11. https://doi.org/10.1101/2022.04.14.22273724

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