É muito provável que você, quando criança, tenha tomado um tal de leite fermentado com lactobacilos vivos – o que possivelmente tenha aguçado a sua curiosidade infantil por estar ingerindo um líquido misterioso com “bichinhos vivos” – que no senso comum dos anos 90 e 2000 servia basicamente para ajudar a ir ao banheiro.
Mas já há algum tempo, reconhece-se que os probióticos desempenham funções muito além da regulação do trânsito intestinal.
Esses microrganismos têm sido amplamente estudados por sua capacidade de modular o sistema imunológico, melhorar a digestão, fortalecer a barreira intestinal e até mesmo influenciar o metabolismo. No entanto, recentes descobertas sugerem que seus benefícios vão além do sistema digestivo e podem se estender à saúde mental.
A compreensão do papel dos probióticos na saúde mental é cada vez mais relevante para profissionais da área da saúde, especialmente nutricionistas, que desempenham um papel fundamental na promoção do bem-estar e da saúde integral de seus pacientes.
Entretanto, antes mesmo de discutir esta relação é fundamental reforçar que o termo “probiótico” se refere a “micro-organismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem um benefício à saúde ao hospedeiro” (Hill et al., 2014) – ou seja, é um termo amplo que engloba diversos micro-organismos diferentes, com funções e usos diferentes e, portanto, não pode ser generalizado (muito menos ter seus benefícios atribuídos a qualquer produto que os contenham).
Dito isto, estudos, de fato, têm explorado os efeitos dos probióticos na saúde mental, principalmente no tratamento de transtornos como ansiedade e depressão.
Resultados promissores têm sido observados em várias pesquisas, mas ainda insuficientes para conclusões que interfiram objetivamente na prática clínica. Minayo et al. (2021), em uma revisão sistemática sobre o tema, destacam justamente o quão prósperos aparentam ser os resultados, mas reforçam que ainda é necessário uma maior rigidez nos estudos.
Entre as espécies que mais aparecem nos estudos promissores, sobressaem-se o L. casei, L acidophilus e B. bifidum. Akkasheh et al. (2016), em um ensaio clínico randomizado e duplo-cego com 40 indivíduos durante 8 semanas, encontrarem melhoras significativas dos sintomas da depressão, incluindo melhora do humor.
No mesmo caminho, usando uma mistura contendo estas mesmas espécies, Steenbergen et al. (2015) identificaram melhoras dos sinais de depressão em indivíduos saudáveis (sem diagnóstico de depressão), abrangendo até mesmo sintomas agressivos.
Ainda em indivíduos saudáveis, Messaoudi et al. (2011) e Inoue et al. (2018) também encontraram melhoras em escores de ansiedade e estresse psicológico.
Como já destacado no artigo sobre o eixo intestino-cérebro, tudo isso é possível por conta de vias de sinalização imunológicas e endócrinas dos produtos de metabolização dos micro-organismos que compõe a nossa microbiota intestinal (Mayer, 2011; Liu et al., 2019).
Neste sentido, Lew et al. (2019) e Chong et al. (2020) (ambos analisando os efeitos do L. plantarum) encontraram reduções significativas dos níveis de cortisol (responsável por causar estresse crônico, quando desregulado) e este último ainda encontrou que o uso desta espécie pode desempenhar efeitos favoráveis através de mecanismos que envolvem a regulação positiva das vias da serotonina e o equilíbrio das vias da dopamina ao longo do eixo intestino-cérebro.
Então, como proceder na prática clínica?
Como destacado no início do texto, apesar de encorajadores, tais trabalhos ainda compõem apenas o início da compreensão sobre estes efeitos e mecanismos – o que impossibilita uma indicação direta do uso de produtos com probióticos para o tratamento da saúde mental.
Esta premissa mostra-se ainda mais verdadeira ao observar-se que nas diretrizes da International Scientific Association for Probiotics and Prebiotics (ISAPP) não consta nenhuma menção sobre o uso dos micro-organismos para este fim.
Entretanto, o que a associação científica destaca é que o uso dos probióticos é seguro e deve ser encorajado para uma manutenção da saúde intestinal e imunológica – o que permite que este assunto venha à tona durante um atendimento nutricional, que poderá contar, sim, com alguma indicação de uso, sem nenhuma falsa promessa a respeito dos efeitos na saúde mental.
Caso seja este o cenário, reforce com paciente que os benefícios deste tipo de produto podem começar a serem percebidos após até quatro semanas de uso e que, ainda que inconclusivo, sugere-se que a melhor sobrevivência das principais espécies se dá na ingestão anterior as refeições principais (então nada de recomendar aquele iogurte com probióticos como sobremesa!) (Moraes et al., 2019).
Reconhece-se que um artigo que não traga soluções mágicas e imediatas pode ser desestimulante em um mundo onde muitos buscam respostas rápidas e milagrosas.
No entanto, é importante ressaltar que profissionais de saúde sérios têm o compromisso de promover a saúde e o bem-estar dos pacientes de maneira responsável, evitando recomendações milagrosas que possam causar danos.
Embora ainda existam questões em aberto sobre os benefícios dos probióticos para a saúde mental, é importante destacar que seu uso é seguro para a população em geral.
Como parte de uma alimentação equilibrada, os probióticos podem ser incluídos na dieta de qualquer pessoa. Se houver melhora na saúde mental como resultado, isso pode ser considerado uma vantagem adicional.
O importante é que os pacientes tenham acesso a informações baseadas em evidências e recebam orientação individualizada adequada de profissionais de saúde qualificados, para que possam tomar decisões informadas sobre sua saúde mental e bem-estar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- Akkasheh G, Kashani-Poor Z, Tajabadi-Ebrahimi M, Jafari P, Akbari H, Taghizadeh M, Memarzadeh MR, Asemi Z, Esmaillzadeh A. Clinical and metabolic response to probiotic administration in patients with major depressive disorder: A randomized, double-blind, placebo-controlled trial. Nutrition 2016; 32(3):315-320
- Chong HX, Yusoff NAA, Hor YY, Lew LC, Jaafar MH, Choi SB, Yusoff MSB, Wahid N, Abdullah MFIL, Zakaria N, Ong KL, Park YH, Liong MT. Lactobacillus plantarum DR7 alleviates stress and anxiety in adults: a randomised, double-blind, placebo-controlled study. Benef Microbes. 2019; 10(4):355-373
- Hill, C., Guarner, F., Reid, G. et al. The International Scientific Association for Probiotics and Prebiotics consensus statement on the scope and appropriate use of the term probiotic. Nat Rev Gastroenterol Hepatol 11, 506–514 (2014).
- Inoue T, Kobayashi Y, Mori N, Sakagawa M, Xiao JZ, Moritani T, et al. Effect of combined bifidobacteria supplementation and resistance training on cognitive function, body composition and bowel habits of healthy elderly subjects. Benef Microbes. 2018; 9(6):843-53.
- Lew LC, Hor YY, Yusoff NAA, Choi SB, Yusoff MSB, Roslan NS, Ahmad A, Mohammad JAM, Abdullah MFIL, Zakaria N, Wahid N, Sun Z, Kwok LY, Zhang H, Liong MT. Probiotic Lactobacillus plantarum P8 alleviated stress and anxiety while enhancing memory and cognition in stressed adults: A randomised, double-blind, placebo-controlled study. Clin Nutr 2019; 38(5):2053-2064.
- Liu, P, Peng, G, Zhang, N, Wang, B, Luo, B. (2019). Crosstalk Between the Gut Microbiota and the Brain: An Update on Neuroimaging Findings. Front Neurol,10, 883
Mayer, E. Gut feelings: the emerging biology of gut–brain communication. Nat Rev Neurosci 12, 453–466 (2011). - Messaoudi M, Lalonde R, Violle N, Javelot H, Desor D, Nejdi A, et al. Assessment of psychotropic-like properties of a probiotic formulation (Lactobacillus helveticus R0052 and Bifidobacterium longum R0175) in rats and human subjects. Br J Nutr. 2011; 105(5):755-64
- Minayo, Miryam de Souza, Miranda, Iasmim e Telhado, Raquel SennaRevisão sistemática sobre os efeitos dos probióticos na depressão e ansiedade: terapêutica alternativa?. Ciência & Saúde Coletiva [online]. v. 26, n. 09.
- Moraes ALF, Bueno RGAL, Fuentes-Rojas M, Antunes AEC. Suplementações com probióticos e depressão: estratégia terapêutica? Rev Ciênc Med. 2019;28(1):31-47.
- Steenbergen L, Sellaro R, Van Hemert S, Bosch JA, Colzato LS. A randomized controlled trial to test the effect of multispecies probiotics on cognitive reactivity to sad mood. Brain Behav Immun. 2015;48:258-64.
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