A verdade sobre o café: benefícios e cuidados

O café não é apenas uma bebida; no Brasil, os seus significados se entrelaçam com a economia e a identidade […]


O café não é apenas uma bebida; no Brasil, os seus significados se entrelaçam com a economia e a identidade nacional, marcando presença em nossas vidas como um símbolo de convivência social em diversos contextos — sejam eles familiares, empresariais, de amizade ou mesmo amorosos.  

Mas, mesmo sendo um elo histórico que une pessoas, não é difícil encontrar conteúdos para o público geral que apontem possíveis malefícios para a saúde, falem em vício ou ainda, de forma contraditória, inflam benefícios e milagres para o organismo.  

Afinal, por que ele é tão importante e qual será o real efeito no organismo da querida e diária xícara de café? 

O café tem uma história rica que, segundo Lenda de Kaldi, começou na África em meados dos anos 500. Diz a lenda que um pastor notou um comportamento energético incomum de suas cabras após consumirem frutos de uma certa planta. De fato, muito antes de ser torrado, moído e transformado em bebida, o café era consumido na forma de fruto pelos africanos (os etíopes, especificamente), onde a polpa doce era ingerida ou adicionada à gordura nas refeições – somente em meados do século XIV, com tantas outras lendas sobre a torração, que o café passou a ser comercializado e servido nos mesmos moldes que conhecemos hoje.  

A importância econômica do café não é de se ignorar. Apenas em 2023, segundo dados da ABIC (Associação Brasileira da Indústria de Café), foram produzidos no mundo 10 milhões de toneladas de café arábica e robusta exclusivamente para o consumo doméstico – onde a produção brasileira representa cerca de 30% deste montante.  

Informações sobre o consumo interno do café, apesar de acompanhar o crescimento populacional, mostram um leve aumento do consumo nos últimos 30 anos (veja gráfico a seguir), sendo que em 2023, em média, cada brasileiro consumiu 5 quilos de café, maior número já registrado.

Fonte: ABIC, 2024

Existem duas principais variedades de grãos de café que dominam sua comercialização: o arábica e o robusta.  

O café arábica, conhecido por seu sabor suave e aroma rico, é a variedade mais popular e representa cerca de 60% do café consumido no mundo. Originário das terras altas da Etiópia, o Arábica prefere altitudes mais elevadas e um clima mais frio, contribuindo para sua complexidade de sabores.  

Em contraste, o café Robusta, que prospera em climas mais quentes e a níveis mais baixos, é valorizado por seu sabor forte e alto teor de cafeína. É frequentemente utilizado em blends para adicionar corpo (termo que faz referência às propriedades físicas do café, e é contrário às bebidas “ralas”) e intensidade ao café, especialmente em expressos. 

Em muitas culturas o café é elemento central de rituais (não necessariamente místico, tomar café todos os dias pela manhã não deixa de ser um ritual) e tradições sociais. Na Etiópia, onde se originou, o ritual do café, ou cerimônia Buna, é uma prática profundamente enraizada, envolvendo a torra dos grãos, a moagem e o preparo da bebida. Este ritual não é apenas sobre beber café; é uma experiência compartilhada que fortalece laços comunitários e familiares.  

Na Suécia, o “fika” é uma tradição que encapsula a ideia de fazer uma pausa para café e um lanche, mas seu significado vai muito além. É um momento dedicado à pausa, ao bem-estar e à conexão com os outros, um testemunho da importância social do café.  

Aqui no Brasil, “tomar um cafezinho” está presente em diversas situações, desde uma pausa durante a tarde em família até a pausa na rotina atarefada do escritório – e indo além, dada a sua forte presença, tomar café também se relaciona com a identidade1 de muitas pessoas. 

1Um dos maiores exemplos da ficção é a personagem Lorelai Gilmore, do seriado “Gilmore Girls”, que em praticamente todos os episódios declara a sua forte relação com a bebida.

Quais as evidências a respeito dos efeitos do café no organismo? 

O café é mais do que apenas uma fonte de cafeína; é uma bebida rica em compostos bioativos que contribuem para suas propriedades nutricionais. Entre esses componentes, destacam-se o ácido clorogênico, trigonelina, diterpenos e melanoides – compostos envolvidos em várias atividades fisiológicas.  

Uma recente revisão apontou que o ácido clorogênico demonstra eficácia como antioxidante, favorece a saúde do intestino, tem ação protetora contra a neurodegeneração, e pode também contribuir para um menor risco para o diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares. Além disso, quando atua em conjunto com os diterpenos, o ácido clorogênico também pode estar associado a menor risco de câncer. Por sua vez, a trigonelina reduz o estresse oxidativo, e tem ação protetora na formação de cálculos renais. De forma similar, diterpenos possuem propriedades anti-inflamatórias e melanoides propriedades antioxidantes. 

A cafeína, além de suas propriedades estimulantes, tem demonstrado propriedades anticancerígenas e anti-inflamatórias – porém sempre em consumo moderado. Altas doses de cafeína podem levar a efeitos colaterais como insônia, ansiedade, aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial, especialmente em indivíduos sensíveis à cafeína.  

Uma revisão sistemática robusta identificou como seguro o consumo de até 400 mg da substância em um único dia, o que representa em média 470 ml de café, segundo um estudo feito apenas com cafés brasileiros. Porém, considerando o consumo contínuo, a faixa de segurança pode cair para até 250 mg (300 ml de café). Não podemos esquecer, entretanto, que o café não é a única fonte de cafeína na alimentação, já que está também pode ser encontrada em chás, bebidas energéticas, refrigerantes e chocolate. 

Mas como tudo na nutrição, não basta olhar apenas para os trabalhos que apontam grandes benefícios para o café, ou mesmo os seus riscos. Não é porque alguns trabalhos mostram diversas ações protetoras que os indivíduos que tomam café vão ser absolutamente saudáveis, sem câncer, diabetes e doenças cardiovasculares – é preciso olhar a alimentação e os comportamentos como um todo.  

E, na prática, isso também significa que alardear os benefícios do café para pacientes e seguidores pouco contribuirá para a promoção da saúde – e pode inclusive estimular um consumo exagerado que, como mostrado, facilmente pode ultrapassar as recomendações de cafeína.  

Na prática profissional, especialmente no contexto brasileiro, o papel do nutricionista será ficar atento se o consumo de café dos pacientes não está ultrapassando as recomendações, tirar as dúvidas sobre o assunto, e sempre reconhecer a importância do café em seu contexto na hora de elaborar orientaç��es.

Continue se aprimorando no campo da nutrição, confira mais conteúdos relacionados ao café em nossa plataforma: 

Artigo: Sono, cafeína e o controle glicêmico: qual a relação?

Artigo: Um olhar da Nutrição sobre o Café

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Referências bibliográficas 

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