Homeopatia na Nutrição: Evidências e Questionamentos 

Em 2021, o Conselho Federal de Nutricionistas (CFN) promulgou a Resolução nº 679, visando regular o emprego das Práticas Integrativas […]


Em 2021, o Conselho Federal de Nutricionistas (CFN) promulgou a Resolução nº 679, visando regular o emprego das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) por nutricionistas. Essa medida busca ampliar o leque de abordagens terapêuticas disponíveis, permitindo que esses profissionais incorporem 22 práticas integrativas.  

No entanto, devemos observar que a eficácia e a fundamentação científica de algumas dessas práticas ainda geram controvérsias. Embora a resolução estabeleça critérios de carga horária e formação específicos para cada prática, a inclusão de abordagens muitas vezes questionáveis pode suscitar debates sobre a integridade da profissão e a segurança dos pacientes.  

As PICS, inseridas no que a Organização Mundial da Saúde (OMS) categoriza como Medicinas Tradicionais, Complementares e Integrativas (MTCI), são consideradas por esta relevantes para a promoção da saúde humana. As teorias e ferramentas das PICS são colocadas em um domínio compartilhado por profissionais de saúde, transcendendo barreiras profissionais específicas.  

Considerando a suma importância de condutas baseadas em evidências, é fundamental abordar criticamente a inclusão das PICS na prática do nutricionista, considerando sua validade científica e o conhecimento empírico por trás de algumas dessas abordagens.  

Nesse contexto, a homeopatia se destaca e constantemente está em discussão tanto na mídia, quando nos conselhos de classe. 

Entendendo o que é a homeopatia

A homeopatia é apresentada como um sistema terapêutico holístico e vitalista, concebendo a pessoa como um todo, em contraste com uma abordagem fragmentada em partes. Atribuída a Samuel Hahnemann, desde o século XVIII, essa prática terapêutica é fundamentada no princípio da “lei dos semelhantes” e o uso de ultradiluição de medicamentos.  

A “lei dos semelhantes” alega que  Simila similibus curentur, que se traduz como “o semelhante cura o semelhante.” Essa ideia sugere que uma enfermidade específica pode ser tratada com uma substância que provoque sintomas semelhantes, o que pode ser considerada uma extrapolação do mecanismo das vacinas. 

Resfriados podem ser tratados com cebola (Allium cepa), pois a cebola, ao ser picada, causa sintomas parecidos com os do resfriado (coriza, irritação dos olhos e outros). Então, se o paciente tomar um remédio baseado em Allium cepa por uma semana, ficará curado do resfriado. Que maravilha! Imagine o que acontecerá se o paciente não tomar o remédio cebolístico por uma semana. Você adivinhou: o resfriado passou assim mesmo!

– Dr. Beny Spira, professor livre-docente do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, em uma analogia que remete o efeito placebo. 

O segundo princípio trata sobre os efeitos benéficos de substâncias extremamente diluídas. As concentrações das diluições, na maior parte das vezes, são impossíveis de conter moléculas ativas da substância em questão e desafiam princípios básicos da farmacologia.  

A ciência pode ser caracterizada como uma intrincada rede em constante evolução de acadêmicos, concepções e pesquisas fundamentadas na descrição de métodos e na obtenção de resultados. A homeopatia, por sua vez, “fundamenta-se em princípios distintos do modelo científico clássico” (Teixeira, 2014) – o que dificulta que ela seja classificada como ciência, e que os resultados de estudos baseados nos princípios da homeopatia sejam evidências. 

Diversos países desencorajam as práticas homeopáticas e alertam para seus riscos: Austrália, Espanha, Reino Unido, França e Alemanha não financiam pesquisas e nem custeiam tratamentos homeopáticos. 

Homeopatia e nutrição

Ausência de descrição de métodos, cálculos amostrais inadequados e resultados exclusivamente baseados em interpretação subjetiva dos autores são frequentes em publicações de baixo rigor científico, muitas das quais não são indexadas em bases de dados validados, como Scielo e PubMed.  

Ainda assim, é muito fácil encontrar na internet substâncias homeopáticas que prometem reduzir a fome, tratar a obesidade, controlar o diabetes e reduzir a hipertensão – condições comuns no cotidiano dos nutricionistas – mas ainda sem nenhuma evidência de eficácia em humanos. 

A homeopatia defende um olhar amplo para cada indivíduo e um foco que vai além das doenças, bases que são fundamentais para a prática de qualquer profissional da saúde que lide com pessoas. 

É verdade também que a prática é uma especialidade médica para o Conselho Federal de Medicina brasileiro, e pode ser integrada na prática do nutricionista pelo CFN – mas, tendo em vista dificuldades de encontrar evidências científicas que a corroborem, a sua permissão não significa uma validação expressa de ser colocada em prática. 

Se tratando de Nutricionistas, profissionais especializados que possuem um amplo conhecimento sobre o sistema digestório, absorção de nutrientes e substâncias, faz-se necessária uma análise cuidadosa e criteriosa antes de adotar qualquer prática como parte das suas condutas 

Recomendações de leitura sobre para explorar mais sobre a temática:

  • Hawke K, King D, van Driel ML, McGuire TM. Homeopathic medicinal products for preventing and treating acute respiratory tract infections in children. Cochrane Database Syst Rev. 2022; 12: CD005974 
  • Linde K, Clausius N, Ramirez G, et al. Are the clinical effects of homeopathy placebo effects? A meta-analysis of placebo-controlled trials. Lancet. 1997; 350: 834-843 
  • Mathie RT, Ramparsad N, Legg LA, et al. Randomised, double-blind, placebo-controlled trials of non-individualised homeopathic treatment: systematic review and meta-analysis. Syst Rev. 2017; 6: 63 
  • Mathie RT, Fok YYY, Viksveen P, To AKL, Davidson JRT. Systematic review and meta-analysis of randomised, other-than-placebo controlled, trials of non-individualised homeopathic treatment. Homeopathy. 2019; 108: 88-101 
  • Mathie RT, Lloyd SM, Legg LA, et al. Randomised placebo-controlled trials of individualised homeopathic treatment: systematic review and meta-analysis. Syst Rev. 2014; 3: 142 
  • Stub T, Kristoffersen AE, Overvåg G, Jong MC, Musial F, Liu J. Adverse effects in homeopathy. A systematic review and meta-analysis of observational studies.Explore (NY). 2022; 18: 114-128

 

Referências bibliográficas:

  • Andrade IO, Nunes FRM, Mendes TC, et al. O uso da homeopatia e outras práticas integrativas no tratamento da obesidade: uma revisão sistemática da literatura. Brazilian Journal of Health Review,Curitiba, v.4, n.6, p.28300-28309. 2021.  
  • Brasil. Resolução Nº 679 de 18 de maio de 2021. Diário Oficial da União. Brasília: Conselho Federal de Nutricionistas, 2021. 
  • Brasil. Ministério da Saúde. Práticas Integrativas e Complementares em Saúde: Homeopatia. 2015. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/folder/pnpic_homeopatia.pdf 
  • Fortunato S, Bergstrom CT, Börner K, Evans JA, Helbing D, Milojević S, Petersen AM, Radicchi F, Sinatra R, Uzzi B, Vespignani A, Waltman L, Wang D, Barabási AL. Science of science. Science. 2018;359(6379):eaao0185. 
  • Moura Brandão IC, Vasconcelos EE, Furlani EC, Barros AFB. Tratamento homeopático como abordagem para diabetes e hipertensão. Cadernos ESP;16(3):142-7; 2022.  
  • Nielson SEO, Freitas JGA. Homeopatia e obesidade: uma prática alternativa na saúde. Estudos; 40 (1): 199-207; 2013. 
  • Ramesh S. Forget coronavirus, homoeopathy can’t cure anything. It’s a placebo, at best. The Print. Disponível em: https://theprint.in/science/forget-coronavirus-homoeopathy-cant-cure-anything-its-a-placebo-at-best/363174/ 
  • Spira B. A homeopatia é uma farsa. Jornal da USP. Disponível em: https://jornal.usp.br/?p=86646 
  • Teixeira MZ. “Estudos homeopáticos”: 20 anos de publicações na Revista de Homeopatia da Associação Paulista de Homeopatia. Revista de homeopatia; 77(1/2): 28-44; 2014. 


Uma resposta para “Homeopatia na Nutrição: Evidências e Questionamentos ”

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    Patrick Araújo Nunes Ferreira

    Farmacia

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