nos últimos 20 anos, em âmbito global, houve uma queda de 16% das mortes por algum tipo de câncer (WHO, 2022). Ainda assim, no Brasil, foram registrados mais de 700 mil casos novos de câncer em 2022, e mais de 200 mil mortes em 2020 (INCA, 2023). Estes dados não deixam dúvidas que, mesmo com importantes avanços, muito ainda precisa ser feito – especialmente para as condições passíveis de prevenção. O câncer colorretal foi, no último ano, o segundo tipo de neoplasia mais incidente em homens (9,2%) e mulheres (9,7%), ficando atrás somente do câncer de próstata e o câncer de mama, respectivamente. Ao mesmo tempo, para ambos os sexos, este é o terceiro tipo câncer mais letal (INCA, 2023). Tais fatos não são uma surpresa quando se conhece a íntima relação do desenvolvimento de neoplasias malignas no intestino com o estilo de vida e alimentação, cuja mudança, infelizmente, ainda é um ponto crítico para a maioria da população. Diariamente, talvez até sem se darem conta, os nutricionistas trabalham com a prevenção do câncer colorretal, uma vez que as células neoplásicas surgirão a partir de mutações em pequenas lesões na última porção do sistema digestório, que são ocasionadas por uma alimentação desequilibrada, ingestão hídrica insuficiente e inatividade física: assuntos recorrentes em qualquer atendimento nutricional. Mas, especificamente, quais informações sobre este tipo de câncer são essenciais para os nutricionistas? O CONSUMO DE CARNE FAVORECE O DESENVOLVIMENTO DE CÂNCER COLORRETAL? As carnes vermelhas são os primeiros alimentos a serem considerados pelos profissionais da saúde por sua suposta associação com o câncer colorretal. Diversas teorias embasam esta relação, já que o excesso de ferro heme poderia ser metabolizado em compostos tóxicos para as células (Bastide et al., 2011), bem como as altas temperaturas, características dos preparos e fabricação destes alimentos, colaborariam para a formação de substâncias cancerígenas (Gulland, 2017). Soma-se ainda possíveis efeitos deletérios do excesso de produtos da metabolização da gordura no tecido do intestino (Tominaga et al., 1997; Lu et al., 2023). Estudos populacionais, por outro lado, não corroboram com unanimidade o efeito destes mecanismos na população de forma geral. Um clássico estudo longitudinal americano, com dados colhidos ao longo de 30 anos (1980-2010) de mais de 90.000 pessoas, não encontrou uma associação significativa entre o consumo de carne e o câncer colorretal (Wei et al., 2017). No Brasil, um acompanhamento realizado entre 2007 e 2013 com mais de 700 pessoas também não encontrou tal associação (Budhathoki et al., 2020). Em geral, os trabalhos que mostram esta relação também evidenciam que o consumo excessivo de carne está acompanhado de um baixo consumo de frutas, legumes e verduras – este sim associado ao maior risco de formação de células neoplásicas no intestino (Neves et al., 2006; Supachai et al., 2020). Inclusive, a versão mais atual da página sobre prevenção de câncer colorretal do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) que outrora apresentava um alerta sobre o consumo de carnes vermelhas (Cunningham et al., 2010) não o indica mais como fator de risco, mas sim as dietas com baixo teor de fibras dietéticas e ricas em carnes processadas. Esta diferença é extremamente importante de se destacar para que não se perpetuem informações equivocadas na população que, ao invés de fazer um bem, causam confusão e não estimulam uma boa relação com a comida – especialmente no Brasil, onde a carne bovina tem grande relevância cultural. Alinhado com este conhecimento, para a prevenção do câncer colorretal, o Instituto Nacional de Câncer no Brasil sugere um consumo de até 500 gramas de carne vermelha cozida por semana – quantidade perfeitamente adaptável a uma distribuição variada de consumo proteico semanal, o que é muito diferente de excluir completamente a carne vermelha da alimentação. LEITE E AÇÚCAR AJUDAM OU ATRAPALHAM A PREVENÇÃO? Apesar do leite e produtos lácteos estarem na lista de proibidos das blogueirinhas de plantão, por supostamente favorecer a inflamação (o que também favoreceria o desenvolvimento do câncer colorretal – veja mais adiante), uma metanálise com mais de 50 estudos mostrou que esta capacidade de causar inflamação acontece somente nas pessoas com alergia a proteína do leite – e não para qualquer pessoa (Bordoni et al., 2017). Por outro lado, um estudo longitudinal com 27 mil mulheres encontrou no consumo habitual de leite na adolescência um fator de proteção para o desenvolvimento de câncer colorretal ao longo da vida adulta (Nimptsch et al., 2021). Já o açúcar teve um resultado diferente, em um estudo com 33 mil pessoas, pois o seu consumo excessivo, especialmente em forma de bebidas açucaradas, foi associado positivamente ao risco de desenvolvimento de câncer colorretal. Esta relação acontece por conta do desequilíbrio na microbiota intestinal causado pela ingestão excessiva de açúcares simples (Joh et al., 2021). Mas assim como pontuado acima sobre as recomendações do consumo de carne, ainda que o consumo excessivo de açúcar tenha se associado ao desenvolvimento do câncer colorretal, propostas radicais de sua exclusão da alimentação têm poucas chances de sucesso, dado os aspectos culturais e sociais da alimentação, que vão além dos nutrientes. Especificamente para a prevenção deste tipo de câncer, as recomendações do consumo de açúcar não serão diferentes das recomendações gerais de uma alimentação saudável. SEDENTARISMO E OBESIDADE A obesidade predispõe diversas consequências adversas para a saúde quando há um acúmulo excessivo de adiposidade visceral, que promove uma inflamação crônica no organismo. Tal inflamação favorece o processo de formação de células cancerosas no intestino, ainda mais por estar comumente associada à hiperinsulinemia, que dificultará a apoptose destas células. Por essa razão, a manutenção de um peso adequado emerge como um fator de proteção para o desenvolvimento de câncer colorretal (Wei et al., 2017). Reforça-se, porém, que apesar desta associação ser encontrada em grandes estudos populacionais, no atendimento individualizado, somente o peso não será uma informação suficiente para prever o acúmulo excessivo de adiposidade visceral, sendo outros exames necessários para a constatação do estado inflamatório crônico. Adicionalmente, o nível e a frequência de atividade física serão importantes para uma avaliação da saúde intestinal, uma vez que o movimento é fundamental para estimular o trânsito intestinal e evitar o acúmulo de fezes no intestino por mais tempo do que o necessário. A PREVENÇÃO DO CÂNCER COLORRETAL NO COTIDIANO DO NUTRICIONISTA “Frutas são importantes!”, “Beba água”, “Faça exercícios” são frases que provavelmente os nutricionistas repetem várias vezes ao dia, não só nos atendimentos individualizados, mas também nas redes sociais, programas de televisão, almoços de família (não é?) e onde mais acharem que há um espaço para essas colocações. Entretanto, repetir essas frases todo o tempo e em todo lugar não é suficiente para motivar uma mudança de hábitos para a maioria das pessoas. Mas por outro lado, um intestino saudável e regular é o desejo de todos, não só pelo menor risco do desenvolvimento do câncer colorretal, mas também pelo melhor humor e facilidade no dia-a-dia. Assim, o trabalho do nutricionista na prevenção desta adversidade muitas vezes acontecerá mesmo sem que a doença seja mencionada (e inclusive pode ter mais chances de sucesso). Ao invés de repetir os clichês da nutrição, os nutricionistas precisam se engajar em entender os contextos de seus pacientes para encontrar, junto com eles, alternativas sustentáveis e realistas para a adoção de hábitos mais saudáveis, como destacado no QUADRO abaixo: Quadro. Orientações nutricionais para a prevenção do câncer colorretal. Sem dúvida nenhuma, o câncer está entre as doenças que mais assustam as pessoas, o que – inevitavelmente – pode fazer emergir uma maior motivação pela busca de hábitos de vida mais saudáveis. Mas o temor de uma consequência futura não é capaz de sustentar mudanças de comportamento persistentes ao longo do tempo, sendo que estas precisam ser encontradas no prazer e facilidades do cotidiano, onde uma ajuda do nutricionista pode ser essencial. Referências Bibliográficas Bastide NM, Pierre FH, Corpet DE. Heme iron from meat and risk of colorectal cancer: a meta-analysis and a review of the mechanisms involved. Cancer Prev Res (Phila). 2011 Feb;4(2):177-84. doi: 10.1158/1940-6207.CAPR-10-0113. Epub 2011 Jan 5. PMID: 21209396. Bordoni A, Danesi F, Dardevet D et al. Dairy products and inflammation: A review of the clinical evidence. Crit Rev Food Sci Nutr. 2017 Aug 13;57(12):2497-2525. doi: 10.1080/10408398.2014.967385. PMID: 26287637. Budhathoki S, Iwasaki M, Yamaji T et al. Doneness preferences, meat and meat-derived heterocyclic amines intake, and N-acetyltransferase 2 polymorphisms: association with colorectal adenoma in Japanese Brazilians. Eur J Cancer Prev. 2020 Jan;29(1):7-14. doi: 10.1097/CEJ.0000000000000506. PMID: 30913095; PMCID: PMC6761046. CDC – National Center for Health Statistics. Risk Factors for Colorectal Cancer. https://www.cdc.gov/cancer/colorectal/. March 2023. Cunningham D, Atkin W, Lenz HJ, Lynch HT, Minsky B, Nordlinger B, Starling N. Colorectal cancer. Lancet. 2010 Mar 20;375(9719):1030-47. doi: 10.1016/S0140-6736(10)60353-4. PMID: 20304247. Gulland A. Eating overcooked starchy food is linked to cancer, agency warns BMJ 2017; 356 :j354 doi:10.1136/bmj.j354 INCA –Instituto Nacional de Câncer. Estatísticas de câncer. https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/cancer/numeros. Março 2023. Joh HK, Lee DH, Hur J et al. Simple Sugar and Sugar-Sweetened Beverage Intake During Adolescence and Risk of Colorectal Cancer Precursors. 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