A prevalência de obesidade aumentou mais de oito vezes entre os homens e três vezes entre mulheres, de 1974 a 2019, considerando adultos com mais de 20 anos de idade e os idosos. E crianças e adolescentes não ficam de fora de estatísticas preocupantes quanto a prevalência de obesidade.A obesidade é uma doença crônica e multifatorial, caracterizada pelo excesso de gordura corporal que leva ao comprometimento da saúde, aumentando o risco de morte prematura e outras Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT), tais como doenças cardiovasculares, diabetes e alguns tipos de câncer. Além do risco aumentado para complicações clínicas, pessoas com obesidade enfrentam estigma social, preconceito e discriminação por causa do peso, incluindo ambientes de cuidado em saúde. Esse estigma e discriminação desencadeiam inúmeras consequências negativas para a saúde física e mental das pessoas e podem levar ao aumento da ingestão alimentar e ganho de peso excessivo, estando associado a piores resultados de perda de peso.No Brasil, pesquisas com representatividade nacional, realizada pelo IBGE, têm mostrado que a prevalência de obesidade em todas as classes de renda e faixas etárias vem aumentando de forma contínua e significativa nas últimas décadas. Entre 1974 e 2009, a prevalência de obesidade em crianças de 5 a 9 anos aumentou de 2,9% para 16,5% entre os meninos e de 1,8% para 11,8% entre as meninas. Para adolescentes (10-19 anos), a prevalência variou de 0,4% a 5,9% no sexo masculino e de 0,7% a 4,0% no sexo feminino no mesmo período. Em adultos com 20 anos ou idosos, a prevalência de obesidade aumentou mais de oito vezes (2,8%–22,8%) entre os homens e três vezes (8,0%–30,2%) entre mulheres, de 1974 a 2019. Hoje, 11 de outubro, é Dia Nacional de Prevenção da Obesidade. Instituída em 2008, visando promover a prevenção da obesidade, alertando as pessoas sobre os riscos para a saúde, é uma data que pode servir também como estímulo para o tratamento e acompanhamento dessa doença crônica.Para falar de prevenção da obesidade é importante entender quais fatores mais impactaram nos números atuais da prevalência.Muitos são os alimentos ou grupos alimentares que, se consumidos em excesso, podem impactar no ganho de peso. A crescente prevalência de obesidade no Brasil e no mundo ocorreu paralelamente a transformações no sistema alimentar, caracterizadas pelo enfraquecimento gradual dos padrões tradicionais, baseados em alimentos in natura ou minimamente processados, e pelo aumento concomitante do consumo de alimentos ultraprocessados. Consumo de alimentos ultraprocessados e o aumento do risco de obesidade No Brasil, pesquisas de aquisição de alimentos (IBGE) mostraram que a participação alimentar de alimentos ultraprocessados aumentou de 14,3% (em 2002/2003) para 19,4% (em 2017/2018), e que foi transversalmente associada à ocorrência de obesidade: o que traz uma associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e o aumento risco de obesidade. Alimentos ultraprocessados são formulações industriais tipicamente prontas para consumo feitas de numerosos ingredientes, muitas vezes obtidos de culturas de alto rendimento, como açúcares e xaropes, amidos refinados, óleos e gorduras e isolados de proteínas. Essas formulações são feitas para serem visualmente atraentes, têm aroma e sabor sedutores e muito intensos, ou mesmo “irresistíveis”, através de combinações de aromatizantes, corantes, emulsionantes, adoçantes, espessantes e outros aditivos que modificam os atributos sensoriais. Exemplos de ultraprocessados incluem cookies, balas, salgadinhos, refrigerantes, sucos artificiais e diversas refeições prontas. São alimentos convenientes e palatáveis e que acabam substituindo as refeições à base de alimentos frescos ou minimamente processados. Apresentam maior densidade energética, mais açúcar livre e gorduras não saudáveis, e menos fibras alimentares, proteínas, micronutrientes e compostos bioativos protetores da saúde.O consumo constante alimentos ultraprocessados pode ter consequências, como:Baixo poder de saciedadeInduzir respostas glicêmicas altasProvocar maior taxa de ingestãoGanho de peso A seguir, veremos 3 estudos que associaram a prevalência de obesidade ao consumo de certos grupos de alimentos.Mudanças na prevalência de obesidade atribuível ao consumo de alimentos ultraprocessados no Brasil entre 2002 e 2009O estudo de Louzada em 2022, analisou dados de duas Pesquisas de Orçamentos Familiares (POF) Realizadas em 2002/2003 (n = 182.333) e 2008/2009 (n = 190.159), que forneceram informações sobre aquisição de alimentos no domicílio e peso e altura dos indivíduos. O objetivo do estudo foi examinar a associação entre consumo de alimentos ultraprocessados e obesidade e a fração de aumento na prevalência de obesidade atribuível ao aumento do consumo desses alimentos.Foram analisados registros de 7 dias de alimentação, com informações detalhadas em todas as despesas incorridas com a compra de alimentos e bebidas para consumo alimentar somente em casa. A quantidade diária total comprada para cada alimento foi convertida em energia usando a Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TBCA) da Universidade de São Paulo (USP). Os itens de consumo foram posteriormente divididos em quatro grupos baseados no sistema de classificação de alimentos NOVA, que leva em conta a extensão e a finalidade da indústria de processamento de alimentos, conforme segue:Grupo 1—Alimentos in natura ou minimamente processados; Grupo 2—Ingredientes culinários processados; Grupo 3 – Processado alimentos; Grupo 4—Alimentos ultraprocessados. Então, as calorias totais adquiridas por todas as famílias foram distribuídas de acordo com os quatro grupos de alimentos e foi calculado o percentual de contribuição de alimentos ultraprocessados para o total de energia comprada.Peso e altura de todos os moradores do domicílio foram obtidos e registrados nos questionários preenchidos pelos agentes de pesquisa, seguindo a medição padronizada, e classificados conforme as recomendações do Ministério da Saúde para Vigilância Alimentar e Nutricional.O estudo observou que de 2002 a 2009, houve um aumento na prevalência de obesidade de 9,9% a 13,2%, enquanto a contribuição dos alimentos ultraprocessados para o consumo total de energia passou de 14,3% para 17,3%. Os autores relatam que este foi o primeiro estudo a quantificar a contribuição do aumento do consumo de alimentos ultraprocessados para o aumento da prevalência de obesidade no Brasil, indicando que o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados no intervalo de 7 anos (2002-2009) foi responsável por mais de um quarto (28,6%) do aumento da prevalência de obesidade no mesmo período. Como estratégias para reduzir o consumo de alimentos ultraprocessados, esse estudo propõe:Ações de políticas que priorizem a redução de natureza obesogênica dos ambientesReformulação concreta de produtosTributação e restrições à publicidade de produtos ultraprocessadosRegulação e intervenções educativas Os autores ainda destacam que estratégias de aconselhamento centradas na responsabilidade individual podem ser bem-sucedidas para alguns indivíduos, mas é improvável que constituam soluções para toda a população. Embora as pessoas tenham responsabilidade por suas escolhas alimentares, é fundamental reconhecer que o ambiente restringe essas escolhas, o que pode dificultar a adoção de uma alimentação saudável. Contribuição de alimentos ultraprocessados na deposição de gordura visceral e outros indicadores de adiposidade: análise prospectiva O artigo de Konieczna em 2021 é um recorte do estudo espanhol PREDIMED-Plus (PREvencion con DIeta MEDiterranea Plus), que avalia o efeito de uma intervenção intensiva no estilo de vida com o objetivo de perder peso através de uma dieta mediterrânea com restrição de energia (ER) (MedDiet), promoção da atividade (AP) e apoio comportamental na prevenção primária das DCV. Neste recorte, os autores analisaram os dados para estabelecer uma associação entre alterações concomitantes no consumo de alimentos ultraprocessados e distribuição de adiposidade avaliada objetivamente. Na amostra, 1.485 participantes do PREDIMED-Plus (homens e mulheres espanhóis de 55 a 75 anos com sobrepeso/obesidade e síndrome metabólica) foram submetidos a medidas de composição corporal e questionário de frequência alimentar semiquantitativo pontual e em 6 e 12 meses. Os itens alimentares, medidos em gramas/dia, foram categorizados de acordo com seu grau de processamento usando o sistema NOVA. A adiposidade, razão gordura andróide-ginoide e massa gorda total, foram medidos com Absortometria Radiológica de Dupla Energia (DEXA). Este é um método que tem sido recomendado para a estimativa dos componentes corporais: massa gorda, massa livre de gordura, densidade mineral óssea e conteúdo mineral ósseo.Em média, o consumo de alimentos ultraprocessados representou 8,11% da ingestão diária total. No modelo multivariável ajustado, o incremento diário de 10% no consumo desses alimentos foi associado significativamente ao maior acúmulo de gordura visceral, proporção de gordura andróide-ginóide e gordura total. Esses resultados fornecem, pelo menos em parte, uma visão dos mecanismos que fazem a ponte entre o consumo dos ultraprocessados e as doenças crônicas observados em estudos precedentes. Portanto, o desencorajamento do consumo desses alimentos e estímulo a preferência por alimentos in natura ou minimamente processados devem ser considerados pelos programas e políticas globais de saúde pública, com recomendações já nas fases iniciais da vida.Associação longitudinal da qualidade de carboidratos da dieta com deposição de gordura visceral e outros indicadores de adiposidadeA dieta, por certo, desempenha um papel no acúmulo de gordura corporal. No entanto, evidências recentes indicam que, além da quantidade, a qualidade de certos nutrientes pode ter um efeito independente. A ingestão de carboidratos dietéticos de alta qualidade, caracterizada por indicadores individuais, como alimentos ricos em fibras (grãos integrais, leguminosas e frutas) e baixo índice glicêmico e carga glicêmica, tem sido associado a um menor risco de sobrepeso/obesidade. Assim, parece que os efeitos combinados pela qualidade de carboidratos pode ser um melhor determinante de saúde do que apenas a quantidade de carboidratos em si, garantindo maior compreensão de seu papel na deposição de gordura corporal. O índice de qualidade de carboidratos (CQI) foi proposto em 2015 por “Seguimiento University of Navarra” (SUN) como métrica de qualidade que integra quatro dimensões diferentes:índice glicêmicoingestão de fibrasgrau de processamento de carboidratos e consumo na forma sólida ou forma líquida (até agora pouco utilizado)O autor Zamanillo-Campos publicou em 2022 um artigo que teve como objetivo realizar análise prospectiva de um subconjunto de participantes do estudo PREDIMED-Plus para determinar a associação dinâmica entre as mudanças na qualidade geral dos carboidratos da dieta e as mudanças nos níveis viscerais de adiposidade, medidos objetivamente, usando três medidas repetidas ao longo de um tempo de acompanhamento de 1 ano.Foram incluídos 1476 participantes com idade entre 55 e 75 anos com sobrepeso/obesidade e síndrome metabólica (SM) do estudo controlado randomizado PREDIMED-Plus. A ingestão dietética do grupo foi obtida no início, e em 6 e 12 meses, a partir de um questionário de frequência alimentar semi quantitativo e validado, de 143 itens.O índice de qualidade de carboidratos (CQI) foi calculado com base em quatro critérios alimentares: fibra alimentar total, índice glicêmico, proporção de carboidratos integrais/grãos totais e carboidratos sólidos/totais. A adiposidade foi avaliada usando a Absortometria Radiológica de Dupla Energia (DEXA) em todos, nos três pontos de tempo. Vale lembrar que o PREDIMED-Plus, é baseado em intervenção intensiva no estilo de vida com o objetivo de perder peso. Assim, após as intervenções propostas, os resultados demonstraram um incremento de 3 pontos no CQI. Ao longo de 12 meses, foi acompanhado de uma diminuição da gordura visceral, proporção de gordura andróide-ginóide e gordura total. A ingestão de fibras e a proporção de grãos integrais/grãos totais mostraram as associações inversas mais fortes com todos os indicadores de adiposidade.Os autores concluíram que mudanças para uma melhor qualidade geral de carboidratos consumidos, associada à uma abordagem multidimensional, foram associadas a alterações na distribuição da adiposidade visceral e global. Esses achados contribuem para uma extensa literatura sobre carboidratos, enfatizando a importância da qualidade dos carboidratos sobre a quantidade, para reduzir o risco de obesidade: aumentando a fibra dietética e grãos integrais, reduzindo os carboidratos líquidos e preferindo alimentos de baixo índice glicêmico.Além disso, as associações observadas foram principalmente pela relação fibra e grãos integrais/grãos totais. Desta forma, um foco especial na promoção de alimentos ricos em fibras, incluindo frutas, vegetais, leguminosas e nozes, e a substituição de grãos refinados por cereais integrais, podem ser importantes recomendações dietéticas para adotar na prática clínica com intuito de promover uma composição corporal mais saudável.Como podemos trazer a prevenção da obesidade para a prática clínica do nutricionista?Os estudos demonstram que quanto mais alimentos in natura e menos alimentos ultraprocessados fizerem parte da alimentação, menores são as chances de ocorrer ganho de peso, que possa contribuir com a obesidade ou com complicações associadas à obesidade. Na realidade brasileira, basear as orientações nas recomendações do Guia Alimentar da População é a melhor ferramenta do dia a dia. Visando colaborar com as práticas profissionais e alinhado com as orientações do Guia Alimentar, a Secretaria de Atenção Primária à Saúde, dentro do Ministério da Saúde, publicou recentemente um protocolo estimulando a adoção de mensagens rápidas, efetivas e de fácil entendimento pela população acompanhada na Atenção Primária à Saúde (APS). Apesar de desenvolvida para a APS, baseada no SUS, o material é rico e direcionador para estratégias que podem ser adotadas na prática clínica geral. Fonte: Secretaria de Atenção Primária à SaúdeO documento apresenta uma parte protocolar do atendimento na APS, mas traz um fluxograma direcionador (ilustrado na figura acima) quando observado alguma prática alimentar inadequada e o detalhamento de como realizar cada recomendação, com orientações, sugestões de variação, justificativas para mudanças e estratégias para enfrentar obstáculos. Deixaremos aqui o LINK para que você possa baixar o documento:https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/volume2_protocolos_alimentar_adultas_obesidade.pdfVale a pena conferir e adaptar na sua prática, Nutricionista!Esperamos que esse conteúdo te auxilie na prática clinica, com ciência e consciência, na prevenção e tratamento da obesidade.Referências: Louzada ML, Steele EM, Rezende LFM, Levy RB and Monteiro CA (2022) Changes in Obesity Prevalence Attributable to Ultra-Processed Food Consumption in Brazil Between 2002 and 2009. Int J Public Health 67:1604103. doi: 10.3389/ijph.2022.1604103.J. Konieczna, M. Morey, I. Abete et al. Contribution of ultra-processed foods in visceral fat deposition and other adiposity indicators: Prospective analysis nested in the PREDIMED-Plus trial. Clinical Nutrition 40 (2021) 4290e4300.R. Zamanillo-Campos, A. Chaplin, D. Romaguera et al. Longitudinal association of dietary carbohydrate quality with visceral fat deposition and other adiposity indicators. Clinical Nutrition 41 (2022) 2264e2274.Brasil. Ministério da Saúde. Orientação alimentar de pessoas adultas com obesidade. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção Primária à Saúde, Universidade de Brasília. – Brasília : Ministério da Saúde, 2022. 37 p. : il. – (Protocolos de uso do guia alimentar para a população brasileira ; v. 2) http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/volume2_protocolos_alimentar_ adultas_obesidade.pdf
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