Milhões de pessoas em todo o mundo são afetadas por algum tipo de diabetes mellitus (DM). Especialmente nos últimos anos, o número de diagnósticos de DM tipo 2 aumentou consideravelmente, acompanhando o crescimento de novos estilos de vida que podem ser prejudiciais à saúde metabólica.
Para lidar e cuidar dessa situação, o papel do nutricionista é indispensável, já que ele oferece o suporte necessário para que o paciente adapte sua alimentação ao seu estilo de vida e condição metabólica. Neste contexto, faz-se necessária a utilização de ferramentas práticas, como a contagem de carboidratos, bem como uma comunicação ética que esclareça mitos sobre alimentação.
Personalização no atendimento nutricional
O sucesso do acompanhamento nutricional no manejo do diabetes depende da personalização das orientações e da capacidade do nutricionista de entender a realidade do paciente.
Personalizar significa reconhecer que cada indivíduo tem uma relação única com a alimentação, composta por suas preferências, cultura, rotina e ambiente alimentar. Essa abordagem personalizada é fundamental não só para atender às necessidades energéticas e nutricionais de cada paciente, mas também para promover uma relação mais saudável e sustentável com a alimentação.
Ao invés de impor restrições generalizadas, como a exclusão absoluta de açúcar, o nutricionista deve focar na criação de um plano alimentar equilibrado que permita ao paciente manter a autonomia em suas escolhas. Deve-se incluir orientações sobre como consumir carboidratos de forma consciente, mas sem pânico ou medo – ao mesmo tempo que se esclarece o papel de proteínas e gorduras no controle glicêmico.
Desmitificando o consumo de frutas
É comum que pacientes com diabetes ouçam recomendações alarmistas sobre o consumo de frutas devido ao seu teor de açúcar. Contudo, o nutricionista deve atuar para desmistificar esse receio. A confusão entre “açúcar das frutas” e “frutose adicionada” em alimentos ultraprocessados é frequente, mas o impacto dessas fontes de frutose no organismo é diferente.
Frutas, diferente de alimentos ultraprocessados, trazem consigo uma matriz alimentar completa, rica em fibras, vitaminas e minerais. Além disso, o consumo de frutas está enraizado culturalmente, e promover uma alimentação balanceada e satisfatória implica em manter esses alimentos no plano alimentar de forma equilibrada.
Contagem de carboidratos
Para pacientes que utilizam insulina, a contagem de carboidratos é uma ferramenta crucial, permitindo a administração de insulina de acordo com a ingestão de carboidratos de cada refeição.
Esse método, ao mesmo tempo que aumenta o controle glicêmico, traz uma flexibilidade que torna a alimentação menos restritiva, especialmente em situações sociais ou ocasiões especiais. Com o apoio do nutricionista, o paciente aprende a fazer escolhas mais conscientes, entender a quantidade de carboidratos dos alimentos e como isso impacta sua glicemia.
A contagem de carboidratos, porém, exige treinamento e prática. Para pacientes que se sentem sobrecarregados com essa abordagem, o nutricionista pode começar com um método simplificado, ajudando o paciente a se familiarizar com a técnica sem gerar ansiedade.
A habilidade de dosar insulina conforme a necessidade real da refeição é uma vantagem no manejo do diabetes, mas seu sucesso depende de uma instrução cuidadosa, onde o paciente é o protagonista do processo.
Alimentação realista
Infelizmente, o campo da nutrição frequentemente lida com desinformações sensacionalistas que podem criar uma relação conflituosa com a alimentação. Disseminar mitos sobre o “vício em açúcar” prejudica tanto o paciente quanto a profissão, promovendo estereótipos e gerando desconfiança em relação às orientações nutricionais.
O nutricionista deve esclarecer que, ao contrário de substâncias viciantes, o açúcar não altera os mecanismos neurológicos de recompensa de maneira patológica. Ao abordar esses temas com uma comunicação clara e respeitosa, ele contribui para que o paciente desenvolva uma relação menos estigmatizada e mais sustentável com a alimentação.
O ambiente alimentar e a importância do contexto
Outro fator importante que afeta o sucesso do acompanhamento é o ambiente alimentar do paciente, que inclui desde a disponibilidade de alimentos no território do paciente até os aspectos culturais e socioeconômicos.
O nutricionista, ao considerar esses fatores, é capaz de adaptar suas orientações para que elas se encaixem no cotidiano e nas possibilidades reais do paciente. Por exemplo, se a rotina do paciente dificulta o acesso a alimentos frescos, o nutricionista pode sugerir alternativas acessíveis e práticas, como legumes congelados.
Em termos práticos, essa abordagem ajuda a evitar orientações que sejam percebidas como impossíveis de seguir, promovendo um acompanhamento mais acolhedor e sensato. O nutricionista também pode ajudar o paciente a entender as diferenças entre alimentos frescos e processados de forma menos alarmista, mostrando como escolher opções que combinem prazer e saúde.
Fortalecendo a autonomia e a motivação do paciente
O manejo do diabetes é uma tarefa diária e constante, e a educação sobre o autoconhecimento é uma das maiores ferramentas para que o paciente desenvolva autonomia nesse processo. Ao ensinar o paciente a identificar os sinais de fome e saciedade, o nutricionista o ajuda a diferenciar a fome física da fome emocional, promovendo um relacionamento mais positivo com a alimentação.
Além disso, o nutricionista deve ser um ponto de apoio em momentos de desafio ou frustração, ajudando o paciente a superar os obstáculos que surgem. Essa relação de confiança e suporte é essencial para manter a motivação do paciente a longo prazo, reforçando o papel do nutricionista como um parceiro no controle da doença – e não uma figura que dá bronca e briga.
O papel do nutricionista no manejo do diabetes vai além de definir “o que pode ou não pode” na alimentação do paciente. Ele é, sobretudo, um facilitador no processo de educação e empoderamento do paciente, ajudando-o a desenvolver uma autonomia baseada em conhecimento e prática.
Promover uma alimentação saudável no diabetes implica em abraçar uma visão ampla e flexível, sem demonizar alimentos ou impor restrições desnecessárias. Esse compromisso com uma comunicação realista e equilibrada fortalece o vínculo entre nutricionista e paciente, garantindo que o manejo do diabetes seja uma experiência de cuidado, e não de temor.
Texto por Felipe Daun: nutricionista, mestre e doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP. Aprimorando em Transtornos Alimentares pelo AMBULIM IPq-FMUSP. Professor do Instituto Nutrição Comportamental e colaborador da Academia da Nutrição.
Referências Bibliográficas:
Barrea, L., Vetrani, C., Verde et al. (2023). Comprehensive Approach to Medical Nutrition Therapy in Patients with Type 2 Diabetes Mellitus: From Diet to Bioactive Compounds. Antioxidants, 12. https://doi.org/10.3390/antiox12040904.
Costa AC, Medeiro I, Alvarenga M. Nutrição Comportamental no tratamento do diabetes. Alvarenga, M et al. (Org.). Nutrição comportamental. 2. ed. Barueri: Manole, 2019.
Gal, N. (2020). Meal Planning for Adults with Diabetes: FSHN19-3/FS323, 2/2020. EDIS, 2020(1). https://doi.org/10.32473/edis-fs323-2020
Khan, M., Hashim, M., King, J., Govender, R., Mustafa, H., & Kaabi, J. (2019). Epidemiology of Type 2 Diabetes – Global Burden of Disease and Forecasted Trends. Journal of Epidemiology and Global Health, 10, 107 – 111. https://doi.org/10.2991/jegh.k.191028.001.
International Diabetes Federation (IDF). IDF Diabetes Atlas 2021 10th edition. 2021. Disponível em: www.diabetesatlas.org
Razaz, J., Rahmani, J., Varkaneh, H., Thompson, J., Clark, C., & Abdulazeem, H. (2019). The health effects of medical nutrition therapy by dietitians in patients with diabetes: A systematic review and meta-analysis: Nutrition therapy and diabetes.. Primary care diabetes. https://doi.org/10.1016/j.pcd.2019.05.001.
Siopis, G., Colagiuri, S., & Allman-Farinelli, M. (2020). Efficacy of Nutrition Counseling by a Dietitian in Improving Clinical Outcomes for People with Type 2 Diabetes Mellitus: A Systematic Review and Meta-Analysis of RCTs. Current Developments in Nutrition. https://doi.org/10.1093/cdn/nzaa043_132.
Safiri, S., Karamzad, N., Kaufman et al. (2022). Prevalence, Deaths and Disability-Adjusted-Life-Years (DALYs) Due to Type 2 Diabetes and Its Attributable Risk Factors in 204 Countries and Territories, 1990-2019: Results From the Global Burden of Disease Study 2019. Frontiers in Endocrinology, 13. https://doi.org/10.3389/fendo.2022.838027.
Unverdorben, S. (2023). The Meaningful Effects of a Personalized Nutrition and Coaching Program for Type 2 Diabetes Mellitus: Two Case Reports.. Alternative therapies in health and medicine, 29 4, 92-96 .
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.