A obesidade é uma condição de saúde complexa e multifacetada, que envolve não apenas fatores individuais relacionados à alimentação e atividade física, mas também uma vasta gama de influências biopsicosocioculturais.
O Atlas Mundial da Obesidade 2024, publicado pela World Obesity Federation, apresenta dados preocupantes sobre a prevalência global da obesidade: estima-se que, até 2035, mais de 1,5 bilhão de pessoas no mundo viverão com obesidade. Atualmente, 1 em cada 7 pessoas no mundo já sofre com essa condição.
A obesidade é associada a uma série de comorbidades, como doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e certos tipos de câncer, o que leva a um impacto profundos na qualidade de vida e saúde mental.
Com base na compreensão de que a obesidade é resultado de uma interação complexa entre genética, psicologia, contexto social e fatores culturais, a prevenção eficaz precisa ir além das recomendações tradicionais. Neste contexto, orientações práticas focadas em aspectos biopsicosocioculturais da prevenção da obesidade evitam os clichês de alimentação e exercício físico.
Como nutricionistas, também é nosso papel traçar estratégias que abordem a obesidade como um fenômeno enraizado em estruturas sociais, culturais e individuais, com foco na criação de ambientes que promovam comportamentos saudáveis de forma natural e, principalmente, sustentável.
Redes de Apoio Social: Uma Ferramenta na Promoção da Saúde
A obesidade está frequentemente associada ao isolamento social e à falta de redes de apoio consistentes. Pesquisas indicam que indivíduos com redes sociais fortes têm maior probabilidade de adotar comportamentos saudáveis, incluindo a regulação emocional e a busca de ajuda quando necessário.
Sugira que o paciente identifique e se aproxime de pessoas que possam contribuir positivamente para suas escolhas de saúde. Incentive o paciente a participar de atividades em grupo, como grupos de caminhada ou cozinhar com amigos, promovendo não só o fortalecimento dos laços sociais, mas também a criação de hábitos mais saudáveis no contexto dessas interações.
Abordagem com foco no Cuidado Infantil e Familiar
A dinâmica familiar desempenha um papel crucial na prevenção da obesidade. Crianças em famílias coesas tendem a desenvolver hábitos de vida mais saudáveis. O nutricionista pode orientar a família a estabelecer rotinas alimentares que promovam o envolvimento de todos, como a participação das crianças no preparo das refeições.
Essa prática não apenas fortalece laços familiares, mas também ajuda a construir uma relação mais saudável com a comida desde cedo. Recomendar refeições em família, sem distrações como TV ou celulares, pode ajudar a consolidar esses hábitos.
Redução do Estresse no Ambiente de Trabalho
O estresse crônico é um dos fatores psicossociais mais subestimados no desenvolvimento da obesidade, afetando os níveis hormonais e favorecendo o ganho de peso, além de aumentar comportamentos que podem se aproximar do comer emocional.
Ajude o paciente a identificar momentos de alta carga emocional que desencadeiam episódios de comer emocional, sugerindo que ele explore formas de autorregulação, como pequenas pausas de respiração, meditação ou um passeio ao ar livre antes de recorrer à comida.
Além disso, planejar opções de snacks para esses momentos pode ajudar a evitar o consumo impulsivo de alimentos ultraprocessados. Neste contexto, o diário alimentar será fundamental tanto para o profissional, quanto para o paciente.
Políticas Urbanas e Infraestrutura Social na Prevenção da Obesidade
A forma como nossas cidades são planejadas pode influenciar profundamente o comportamento relacionado à saúde. No entanto, em nível individual, é possível sugerir maneiras de integrar a mobilidade ativa ao cotidiano.
Uma recomendação prática seria sugerir ao paciente que escolha trajetos a pé ou de bicicleta quando possível, mesmo que seja apenas uma parte do percurso diário, ou que encontre uma rotina de caminhada em horários que se encaixem nas suas obrigações.
Também pode-se sugerir a visita a feiras locais e mercados abertos, que incentivam o contato com alimentos frescos e mais gostosos, além de promover a socialização. Cogite a possibilidade de trabalhar com um paciente um mapa de sua rotina, identificando locais e trajetos interessantes.
Desafiando Normas Culturais Sobre Peso e Saúde
As normas culturais influenciam profundamente a percepção da obesidade e saúde. Muitas vezes, crenças enraizadas podem levar a comportamentos não saudáveis ou ao estigma associado ao peso.
Uma orientação individual nesse contexto seria estimular o paciente a questionar suas crenças sobre saúde e peso, desafiando a noção de que a perda de peso é sempre sinônimo de saúde.
Isso pode ser feito por meio de reflexões e exercícios durante o atendimento, onde o nutricionista pode incentivar a aceitação de uma abordagem mais ampla de saúde, baseada em bem-estar mental e físico, sem a obsessão por padrões estéticos.
Reflexão para Prevenção: o papel do nutricionista
A prevenção da obesidade, à luz das complexidades biopsicosocioculturais que a cercam, exige uma abordagem muito mais ampla do que as tradicionais orientações sobre comer menos e gastar mais. Ela requer um entendimento profundo das estruturas que moldam o comportamento humano, desde o nível familiar até o político.
Cabe a nós, como profissionais de saúde, questionar se nossas práticas estão realmente refletindo essa complexidade ou se ainda estamos limitados a abordagens reducionistas.
A reflexão necessária é: como podemos reconfigurar nossa atuação para impactar esses fatores mais profundos? Estamos preparados para influenciar políticas públicas, promover mudanças sociais e ser agentes transformadores em uma escala maior?
O desafio da obesidade exige mais do que conhecimento técnico; ele demanda uma postura ética e crítica, em que se olhe além do indivíduo e se considere o todo.
Está na hora de repensarmos o papel que desempenhamos na saúde pública e como podemos ser verdadeiros catalisadores de mudança em um mundo onde as barreiras à saúde são, muitas vezes, invisíveis e insidiosas.
Texto por Felipe Daun: nutricionista, mestre e doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP. Aprimorando em Transtornos Alimentares pelo AMBULIM IPq-FMUSP. Professor do Instituto Nutrição Comportamental e colaborador da Academia da Nutrição.
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