A história da Nutrição nos conta que a profissão nasceu no âmbito hospitalar, dada uma necessidade de se fornecer refeições adequadas para os internos. Entretanto não eram só as pessoas hospitalizadas que precisavam de refeições adequadas e logo programas destinados aos trabalhadores e escolares requisitaram este profissional especializado em alimentação.
Nos anos subsequentes, a popularização da profissão pulverizou o atendimento nutricional especializado, ao mesmo tempo que uma parcela destes profissionais se destinava, com menos holofotes, ao ensino e à pesquisa – especialmente nas universidades públicas. Mas o que faz exatamente um nutricionista pesquisador?
Materiais destinados à orientação profissional não incluem a possibilidade de trabalhar com pesquisa em seus conteúdos sobre Nutrição – ainda que trabalhar com pesquisa seja uma possibilidade em qualquer área do conhecimento. Esta ausência de divulgação faz com que os alunos, em sua maioria recém-saídos do ensino médio, comecem o curso sem sequer cogitar esta possibilidade de atuação – ao mesmo tempo que não estão preparados, de forma geral, para lidar com reflexões sobre construção do conhecimento, sendo estas reflexões as responsáveis por nortear a atuação do nutricionista pesquisador.
Mas é justamente neste momento de despreparo e desconhecimento que surge a primeira oportunidade de contato com a pesquisa, sobretudo nas universidades públicas: a iniciação científica (IC). Mesmo sem entender direito o que é “ciência”, muitos alunos embarcam em oportunidades de adentrar laboratórios e centros de pesquisa para começar, de alguma forma, a produzir conhecimento – ainda que de forma pouco consciente.
De forma geral, a IC compõe pequenos projetos de pesquisa pontuais que conseguem ser conciliados com a rotina de estudos da graduação – sendo muitas vezes associadas a projetos de pesquisa maiores de alunos de mestrado e doutorado. A IC costuma ser um momento divisor de águas na carreira dos profissionais, pois é ali que se “pega gosto” por pesquisar ou se entende que não é uma área de interesse. Porém é interessante mencionar que alunos que concluem suas ICs com sucesso, acabam por ter uma facilidade e familiaridade muito maior com os temidos trabalhos de conclusão de curso (TCC), que tendem a ser bem mais compactos e simples que um projeto de IC.
Optar por entrar em um programa de mestrado, após a graduação, significa ter encontrado uma certa afinidade com a rotina de pesquisa, mas também ter tido um bom relacionamento dentro do ambiente universitário – já que muitos programas já pedem no ato da inscrição a indicação de um orientador (professor e pesquisador responsável por orientar e supervisionar toda a sua trajetória acadêmica).
Dentro de grupos de pesquisas com rotinas estruturadas, ou de forma isolada com contatos esporádicos com o orientador, o mestrado é o momento de adquirir maturidade acadêmica – em outras palavras, aprender a se virar para transformar o estudo em uma atividade profissional. Disciplinas no formato clássico são raras e apenas um plano de fundo que deverá ajudar o mestrando a estruturar e desenvolver seu projeto de pesquisa – dos mais ambiciosos aos mais modestos.
Algumas ICs podem dar um vislumbre da vida acadêmica, mas é no mestrado que o nutricionista irá descobrir que não é possível limitar-se a sua área de formação, e que para abraçar a pesquisa será necessário adquirir muitos conhecimentos e habilidades que não são fornecidas nas graduações. Conhecimentos básicos sobre pesquisa na área da saúde compreendem epidemiologia (desenho de estudos, interpretações, amostra e testes) e estatística (significado de resultados, análises adequadas para cada contexto, e até a execução de cálculos complexos).
Dar continuidade à carreira acadêmica com o doutorado significa abraçar de vez este universo, pois este momento permite uma amostra da vida de um professor pesquisador – no doutorado as disciplinas no formato “professor fala e aluno escuta” são quase inexistentes, e é o momento de desenhar um projeto de pesquisa único, a ser comandado pelo doutorando.
O nutricionista obter o título de doutor significa (ou deveria significar) ser uma autoridade na ciência da Nutrição, não por ter conhecimento absoluto na área (ideia impossível de ser concretizada), mas por ter domínio sobre a produção de conhecimento, domínio sobre a ciência – que permite, então, que qualquer assunto possa ser pesquisado, uma vez que estas bases já estão bem consolidadas. O doutor sabe o que buscar, onde buscar, como buscar e, o mais importante, como interpretar as informações – apesar destas habilidades não serem exclusivas de quem conclui esta etapa de formação acadêmica.
A jornada do nutricionista pesquisador tem desafios únicos, pois o background de pesquisa em Nutrição é muito recente e a demanda por respostas é cada vez mais imediata e sempre dicotômica – e a ciência definitivamente não é imediata ou dicotômica.
Essa combinação desastrosa resulta em difusão de informações parciais como verdades absolutas, que irão respingar nos nutricionistas clínicos que devem responder aos seus pacientes se o “glúten faz mal” ou se “comer macarrão durante a noite engorda” – e é por isso que é tão importante que todos os nutricionistas se aproximem das habilidades dos pesquisadores, mas também da mentalidade dos pesquisadores (entenda mais aqui: https://nutricaocomportamental.com.br/2024/06/23/pensamento-cetico/)
O nutricionista tem um trabalho fundamental que impacta diretamente na vida das pessoas. O nutricionista pesquisador tem o trabalho de impactar não só os outros nutricionistas, mas todos os profissionais da saúde. Trabalhos que não competem entre si, mas tem um objetivo comum: o compromisso com a promoção da saúde.
Texto por Felipe Daun: nutricionista, mestre e doutorando pela Faculdade de Saúde Pública da USP. Professor do Instituto Nutrição Comportamental e colaborador da Academia da Nutrição.
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