É possível prevenir o Alzheimer com uma alimentação adequada?

Hoje, pelo menos 55 milhões de pessoas vivem com algum grau de demência e comprometimento cognitivo, dentre os quais a […]


Hoje, pelo menos 55 milhões de pessoas vivem com algum grau de demência e comprometimento cognitivo, dentre os quais a Doença de Alzhaimer (DA) representa a maior parcela.

Trata-se de uma doença neurodegenerativa progressiva que se apresenta como uma crescente preocupação de saúde pública, impulsionada pelo aumento da expectativa de vida e envelhecimento da população mundial.

É inquestionável o papel dos nutricionistas no manejo multidisciplinar da enfermidade, uma vez que a nutrição adequada será fundamental na atenuação de sintomas e para o funcionamento adequado dos medicamentos.

Mas será que o papel dos nutricionistas na prevenção desta doença é tão claro assim? 

A DA é uma doença neurodegenerativa progressiva, caracterizada pela deterioração gradual das funções cognitivas e da memória, bem como pelo comprometimento das atividades de vida diária e, consequentemente, a redução da qualidade de vida.

Além disso, a DA engloba uma ampla gama de sintomas neuropsiquiátricos e alterações comportamentais, por uma complexa anormalidade no processamento de determinadas proteínas no sistema nervoso central, resultando na formação de fragmentos de proteínas mal processadas e potencialmente tóxicas.

A toxicidade resultante desses agregados proteicos contribui para a progressiva degeneração neuronal, particularmente em áreas cerebrais críticas, como o hipocampo (envolvido na memória) e o córtex cerebral (essencial para funções cognitivas superiores, como linguagem, raciocínio, memória, processamento sensorial e pensamento abstrato).

Embora a causa desta enfermidade ainda permanecer desconhecida, há evidências de uma contribuição genética significativa para a suscetibilidade à doença. 

Adicionalmente, fatores estressores crônicos para o funcionamento adequado do corpo humano, amplamente conhecidos pelos profissionais da área da saúde, como hipertensão, hipercolesterolemia e diabetes surgem em estudos populacionais como fatores de risco para o desenvolvimento da DA – o que é absolutamente esperado uma vez que estas condições contribuem para a redução global da saúde, tornando, então, os indivíduos mais vulneráveis.

Entretanto, caracterizar orientações nutricionais relacionadas à prevenção (e até mesmo o combate) da pressão alta, colesterol alto e diabetes como uma forma de prevenção da DA é uma forma bastante vaga, ainda que sedutora, de chamar a atenção do público em geral.  

Diversos estudos e revisões apontam o estilo de vida saudável e ativo como a principal forma de prevenção da DA. Especificamente em relação a nutrição, a dieta mediterrânea surge como um fator de proteção para o surgimento da doença – o que não necessariamente significa que aqueles que adotam tal dieta terão menos chance de desenvolver DA, mas sim que em determinadas populações estudadas, aqueles que adotavam tal dieta desenvolveram menos a doença.

Esta diferença é sutil, mas fundamental para o entendimento do papel da ciência na comunicação em saúde, uma vez que em casos tão complexos quanto a DA, os estudos isoladamente não são panfletos a serem distribuídos a populaç��o, mas sim pequenas contribuições para um entendimento maior sobre o tema. 

Uma rica e recente revisão que reuniu mais de 200 estudos especificamente sobre o assunto identificou que ainda que a nutrição represente um fator multidimensional com profunda relação na manutenção da cognição e no desenvolvimento da DA, os mecanismos fisiopatológicos desta associação ainda não estão suficientemente claros – o que constata que não existem informações o suficiente para fomentar discursos de prevenção da DA com condutas nutricionais. (Jiang et al., 2023) 

Dado o seu caráter progressivo e permanente, a DA assusta. E por assustar, informações relacionadas a DA, especialmente entre aqueles já conscientes de uma predisposição genética, podem ser facilmente interpretadas de forma equivocada e causar frustração. 

É interessante observar que as recomendações das instituições internacionais para a prevenção de demências no modo geral e da DA são bastante genéricas (ainda que fundamentais), e independentemente da relação com este tipo de enfermidade, são recomendações que levam a uma melhor qualidade de vida de forma geral, e não necessariamente precisam ser vistas ou seguidas por conta do medo de desenvolver uma condição clínica grave.

Recomendações gerais para a prevenção da demência e o Alzheimer

Prática de atividades físicas regulares 
Convívio social frequente e positivo 
Leitura periódica 
Evitar o consumo de bebidas alcoólicas 
Evitar o fumo 
Alimentação adequada durante toda a vida 
Evitar exposição frequente a poluição 
Manutenção e controle de sintomas de ansiedade e depressão 
Adaptado de ADI, 2020. 

Meses de conscientização”, como o setembro lilás para demência e DA, são grandes oportunidades de discutir certos temas com mais profundidade, bem como dar mais visibilidade a pesquisa na área, mas tudo isto deve ser feito com muita responsabilidade e sem espaço para oportunismo e aproveitamento de vulneráveis.

O último relatório mundial sobre o Alzheimer identificou que mais da metade dos profissionais não possuem conhecimentos o suficiente sobre o desenvolvimento da doença e ainda tem preconceito e atitudes negativas com os enfermos. 

Assim, muito mais interessante do que listas de alimentos que “previnem o Alzheimer”, o contínuo trabalho do nutricionista em ajudar as pessoas em suas buscas por uma vida mais saudável será o verdadeiro trabalho de prevenção da doença.

E se a intenção é engajar com o tema do momento, é uma grande oportunidade de quebrar mitos e fornecer informações pautadas em evidências concretas para informar e dissolver estigmas. 

Referências bibliográficas 

  • Alzheimer’s Disease International. 2019. World Alzheimer Report 2019: 
  • Attitudes to dementia. London: Alzheimer’s Disease International. 
  • Jiang, J., Shi, H., Jiang, S. et al. Nutrition in Alzheimer’s disease: a review of an underappreciated pathophysiological mechanism. Sci. China Life Sci. (2023). 
  • Livingston et al. A, et al. Dementia prevention, intervention, and care: 2020 report of the Lancet Commission. 
  • Shah, R. (2013). The Role of Nutrition and Diet in Alzheimer Disease: A Systematic Review. Journal of the American Medical Directors Association, 14(6), 398–402. 
  • Rochoy, M., Rivas, V., Chazard, E. et al. Factors Associated with Alzheimer’s Disease: An Overview of Reviews. J Prev Alzheimers Dis 6, 121–134 (2019) 
  • Xu Lou I, Ali K and Chen Q (2023) Effect of nutrition in Alzheimer’s disease: A systematic review. Front. Neurosci. 17:1147177. 

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