Para produzir mais alimentos de forma sustentável, os agricultores precisam de diversas soluções. Neste contexto, os produtos de proteção de cultivos podem ser umas das ferramentas disponíveis para ajudar a garantir o suprimento de alimentos e a segurança alimentar da população mundial. Eles podem contribuir para o aumento da produtividade na agricultura, melhorando o acesso da população aos alimentos.
Precisamos conversar sobre os pesticidas: Por que eles são necessários?
Os cultivos, necessários para alimentar as pessoas e os animais, são afetados por doenças que os debilitam, pragas que os consomem e plantas daninhas que competem pelos mesmos recursos naturais (água, luz, espaço e nutrientes). E mesmo depois de serem colhidos com sucesso, nossos alimentos ainda podem ser perdidos, visto que muitos insetos e doenças podem comprometer os alimentos armazenados antes mesmo de serem distribuídos.
Desse modo, os produtos de proteção de cultivos são uma das alternativas utilizadas para que as plantas sejam tratadas e fiquem protegidas e saudáveis, do plantio ao armazenamento e distribuição.
De fato, a cultura de um alimento pode competir com até 30.000 tipos de plantas daninhas, 10.000 espécies de insetos, 3.000 tipos de nematoides e 50.000 doenças causadas por bactérias, fungos e vírus. Um estudo que tinha como objetivo avaliar o impacto de doenças e pragas nos cinco maiores cultivos do mundo (arroz, soja, trigo, milho e batata) indicou que mais de 130 doenças e pragas são responsáveis pela perda de 17 a 23% das safras.
Além disso, em países tropicais como o Brasil, temos o desafio do clima, por não contar com períodos de inverno para interromper o ciclo de pragas, como caracterizado nos países de clima temperado.
Mas afinal, o que são os pesticidas?
Proteger as plantações de pragas é tão antigo quanto a própria agricultura em si. Os sumérios, creditados como os “inventores da agricultura” por volta de 5.500 a.C., foram conhecidos por terem usado compostos de enxofre para proteger suas culturas contra insetos.
A agricultura orgânica também permite o uso de diversos pesticidas não sintéticos em seus cultivos, ou seja, substâncias autorizadas em legislação específica que são preferencialmente derivadas de fontes naturais, como por exemplo, cobre ou enxofre. Os bioinseticidas Bt (cepas de bactérias Bacillus thuringiensis) são exemplos de pesticidas biológicos comerciais usados por mais de 50 anos para controlar pragas de insetos em cultivos orgânicos (são justamente as proteínas ativas dessas formulações que foram isoladas e otimizadas para expressão em culturas geneticamente modificadas (GM), protegidas contra insetos-alvo).
No século 20, a ciência evoluiu e permitiu que os cientistas desenvolvessem produtos de proteção de cultivos sintéticos seguros e eficazes. Os pesticidas, ou agrotóxicos, como são designados pela legislação brasileira, são substâncias utilizadas para manejar a ocorrência ou efeito de organismos vivos capazes de prejudicar as lavouras agrícolas, visando aumentar a produção de alimentos e facilitar os métodos agrícolas modernos.
Da mesma forma que existem medicamentos específicos de acordo com o tipo de patologia, os pesticidas destinam-se a objetivos específicos e são nomeados e classificados de acordo com o alvo a que se destinam:
- Herbicidas – pesticidas destinados ao manejo de plantas daninhas, que competem com a cultura pela luz solar, espaço, nutrientes e água;
- Inseticidas – pesticidas destinados ao manejo de insetos que se alimentam da cultura em questão;
- Fungicidas – pesticidas destinados ao manejo dos fungos que causam doenças nas plantas;
- Bactericidas – pesticidas destinados ao manejo das bactérias que causam doenças nas plantas.
Os pesticidas são rigorosamente estudados e devem ser aplicados conforme o recomendado em bula e no receituário agronômico, por profissional capacitado, para que sejam seguros para as pessoas, animais e o meio ambiente.
Regulamentação de pesticidas: Como esses produtos são regulamentados, da pesquisa ao descarte?
Os pesticidas passam por um processo bastante rigoroso de regulamentação, sendo submetidos a anos de testes minuciosos antes de serem liberados para comercialização. Com isso, podemos afirmar que os produtos disponibilizados foram todos avaliados e mostraram segurança, sempre que utilizados conforme as recomendações de quem desenvolveu o produto. Tal processo é exigido para produtos de origem química ou biológica.
No Brasil, todo pesticida e seus componentes precisam ser registrados para a sua produção, uso e comercialização. O Decreto número 4.074, de 4 de janeiro de 2002 que regulamenta a Lei no 7.802, de 11 de julho de 1989 (atualizado pelos Decretos 5.549/2005, 5.981/2020 e 6.913/2009, além de Portarias, Instruções Normativas (IN) e IN Conjunta), fiscaliza os cuidados quanto a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins.
Assim, todo pesticida e seus componentes devem atender às normas estabelecidas pelos órgãos federais responsáveis pelos setores de agricultura (Ministério da Agricultura e Pecuária, MAPA), saúde (Agência Nacional de Vigilância Sanitária, ANVISA) e meio ambiente (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, IBAMA).
Cada um desses órgãos realiza um determinado tipo de avaliação do produto, de modo independente do outro. O IBAMA é responsável pela realização de um dossiê ambiental, onde é avaliado o potencial do produto a causar algum impacto negativo ao meio ambiente. A ANVISA é responsável por realizar um dossiê toxicológico, avaliando o quão tóxico é o produto para a população e em quais condições o seu uso é seguro. O MAPA tem a responsabilidade de avaliar a eficiência e o potencial de uso na agricultura, gerando um dossiê agronômico. Resumidamente, são solicitados testes agronômicos para avaliação da eficiência do produto, testes toxicológicos para medir o potencial tóxico do produto na saúde humana e testes ecotoxicológicos para avaliar possíveis impactos ambientais provocados pelo produto; além da caracterização físico-química e de testes de metabolismo e degradação.
Depois de avaliado e liberado pelo IBAMA e pela ANVISA, o MAPA concede o registro de produção e uso do pesticida. Existem diferentes tipos de registro. Cada registro é feito de acordo com a finalidade do produto e deve seguir normas específicas.
Um pesticida é considerado seguro para uso quando a quantidade de resíduo encontrado no alimento colhido é pelo menos 100 vezes menor que a dose conhecida por não causar efeito adverso. Isso é verificado no processo chamado de Avaliação de Risco Dietético e é a base para o estabelecimento dos Limites Máximos de Resíduos (LMR). Ou seja, quando um alimento apresenta um resíduo de pesticida, isso não necessariamente significa um risco real ao consumidor.
O Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) tem como principal objetivo monitorar os resíduos de agrotóxicos em alimentos vegetais, visando mitigar o risco à saúde decorrente da exposição a essas substâncias pela dieta, a partir dos resultados das análises das amostras coletadas de alimentos. O PARA foi criado em 2003 e constitui uma ação do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, coordenada pela ANVISA.
O relatório mais recente do PARA, do período de 2017-2018, analisou 4.616 amostras de 14 alimentos de origem vegetal representativos da dieta da população brasileira, coletadas em estabelecimentos varejistas localizados em 77 municípios brasileiros, onde foram pesquisados até 270 agrotóxicos diferentes. Neste relatório, a entidade mostra que:
Frente ao exposto, os resultados de monitoramento e avaliação do risco, correspondentes às análises de diversos alimentos que fazem parte da dieta básica do brasileiro, indicam que os alimentos de origem vegetal consumidos no Brasil são seguros quanto aos potenciais riscos de intoxicação aguda e crônica advindos da exposição dietética a resíduos de agrotóxicos.
Importante ressaltar que as análises do PARA são realizadas em amostras de alimentos sem nenhum tipo de higienização ou processamento (incluem até mesmo as cascas não comestíveis, gerando os piores cenários de exposição ao consumidor).
E sabendo que é normal encontrar resíduos de pesticidas em alimentos, quais são os cuidados que o nutricionista deve tomar ao recomendar alimentos convencionais?
A partir da análise do relatório do PARA, percebe-se que os alimentos convencionais apresentam um baixo risco agudo, sendo considerados seguros para o consumo.
Segundo uma revisão de 237 estudos publicada pela Universidade de Stanford, os alimentos convencionais e orgânicos têm propriedades nutricionais semelhantes. Foram testados diversos cultivos durante quatro décadas e não há evidências de que haja uma diferença nutricional ou quanto a saudabilidade entre alimentos orgânicos e convencionais.
Assim, cabe ao nutricionista recomendar para seu paciente uma alimentação saudável e nutritiva, incentivando o consumo de frutas, verduras e legumes, independentemente se são convencionais ou orgânicos.
Conteúdo oferecido por Bayer
By Dra. Sonia Tucunduva
Nutricionista sanitarista CRN3 77
Escritora, pesquisadora e docente da USP
Membro do Conselho deliberativo da SBAN
Referências:
Savary S. et. al. The global burden of pathogens and pests on major food crops. Nature Ecology & Evolution; vol 3 (2019), p. 430–439
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Silva A, Costa L. A indústria de defensivos agrícolas. Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Rio de Janeiro. BNDES Setorial, n. 35, mar. 2012, p. 233 – 276. Disponível em: http://web.bndes.gov.br/bib/jspui/handle/1408/1513
Barrigossi J. Uso de agrotóxicos. EMBRAPA. Disponível em: https://www.embrapa.br/en/agencia-de-informacao tecnologica/cultivos/arroz/pre-producao/uso-de-agrotoxicos. Acesso em 14 de dezembro, de 2022
Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos. Relatório das Amostras Analisadas no período 2017-2018. Brasília, 10 de dezembro, de 2019. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/agrotoxicos/programa-de-analise-de-residuos-em-alimentos
Smith-Spangler, Crystal, Margaret L. Brandeau, Grace E. Hunter, J. Clay Bavinger, Maren Pearson, Paul J. Eschbach, Vandana Sundaram, et al. “Are Organic Foods Safer or Healthier than Conventional Alternatives?: A Systematic Review.” Annals of Internal Medicine 157, no. 5 (September 4, 2012): 348–66. https://doi.org/10.7326/0003-4819-157-5-201209040-00007
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