Saúde Intestinal é uma temática que tem estado em alta devido à quantidade crescente de estudos associando o intestino com o desenvolvimento, manejo e prevenção das mais variadas patologias – estejam elas presentes no próprio trato gastrointestinal ou em outros sistemas fisiológicos.
Dada tamanha importância, a Sociedade Europeia de Nutrição Clínica e Metabolismo (ESPEN) publicou um novo Guideline a respeito da Falência Intestinal Crônica, um compilado dos estudos e pesquisas mais atualizados disponíveis sobre o tema.
Com o conteúdo de hoje, você tem a oportunidade de complementar esses conhecimentos e entender mais a respeito desse desfecho negativo que doenças como a Síndrome do Intestino Curto podem atingir.
Em casos como esses, a via de alimentação oral não será mais uma opção para esses pacientes, que podem tanto estar hospitalizados quanto receber alta e demandar uma equipe de profissionais para o correto manejo domiciliar da Terapia Nutricional em questão.
Definição e classificação da falência intestinal
A falência intestinal é uma condição na qual o intestino não é capaz de realizar suas funções normais de absorção de nutrientes e água. Suas principais causas incluem cirurgias intestinais extensas, doenças inflamatórias intestinais e doenças vasculares, levando a uma dependência de Terapia Nutricional Enteral (TNE) ou Parenteral (TNP) para atender às demandas nutricionais.
Ela é classificada com base no mecanismo fisiopatológico e na doença subjacente (caracterizada de acordo com o Código Internacional de Doenças – CID). Existem cinco mecanismos fisiopatológicos principais:
- Síndrome do intestino curto;
- Dismotilidade intestinal;
- Efusão de líquido intestinal;
- Obstrução mecânica intestinal;
- Doença extensa da mucosa do intestino delgado.
Além disso, a falência intestinal é classificada funcionalmente em três tipos:
- Tipo I ou aguda: de curto prazo e geralmente autolimitante. Isso é comum no contexto perioperatório após cirurgias abdominais e/ou em associação com doenças críticas, onde os pacientes necessitam de suplementação intravenosa (IVS) ao longo de alguns dias ou semanas.
- Tipo II ou prolongada: frequentemente em pacientes metabolicamente instáveis, que requerem cuidados multidisciplinares complexos e IVS por semanas ou meses. Essa é uma condição clínica incomum, frequentemente acompanhada por complicações sépticas, metabólicas e nutricionais complexas, geralmente vista em cenários de catástrofes intra-abdominais.
- Tipo III ou crônica: condição crônica de pacientes metabolicamente estáveis, que necessitam de IVS ao longo de meses ou anos. Pode ser reversível ou irreversível. Pode evoluir após um quadro prolongado (tipo II), ou resultar de doenças gastrointestinais ou sistêmicas progressivas e devastadoras, adquiridas ou congênitas, benignas ou malignas.
A gravidade, por sua vez, é determinada pelas categorias de tipo e volume de administração intravenosa necessária, sendo TNE necessária em casos menos graves do que a TNP.
Para o diagnóstico, dois critérios devem estar presentes simultaneamente:
- Diminuição da absorção de macronutrientes e/ou água e eletrólitos devido à perda da função intestinal;
- Necessidade de suplementação intravenosa para manter a saúde e/ou o crescimento.
Terapia Nutricional Parenteral Domiciliar
Na Terapia Nutricional Parenteral, os nutrientes são administrados diretamente na corrente sanguínea em pacientes cujo trato gastrointestinal não é capaz de absorvê-los, impossibilitando as vias oral e enteral.
Dentro dela, existe a possibilidade da Nutrição Parenteral Domiciliar, um programa que mantém o suporte nutricional aos pacientes que requerem alimentação intravenosa em casa, com uma disponibilidade 24 horas por dia de um provedor de cuidados em casa experiente.
A duração do tratamento com TNP Domiciliar varia de acordo com as necessidades individuais do paciente, podendo ser de longo prazo ou temporário, com possibilidade de retorno à alimentação oral ou enteral. Isso oferece benefícios significativos aos pacientes, como a melhoria do estado nutricional, a manutenção do peso corporal adequado, a prevenção da desnutrição e a melhoria da qualidade de vida.
Um programa de treinamento individualizado para o paciente, cuidador e/ou enfermeiros de cuidados domiciliares é essencial, instruindo-os sobre a infusão segura da TPN, monitoramento adequado, cuidados com o cateter, uso da bomba e prevenção, reconhecimento e manejo de complicações.
Embora seja uma opção vital para pacientes que não possam se alimentar adequadamente de outras maneiras, ela também pode apresentar complicações e dificuldades, como infecções relacionadas ao cateter, desequilíbrios eletrolíticos, problemas de absorção de nutrientes e complicações relacionadas à inserção e manutenção do cateter.
A escolha do dispositivo de acesso venoso central, do dispositivo de controle de infusão e da linha de infusão, assim como os cuidados com os mesmos, são fundamentais para uma TPN de sucesso e sem complicações, tanto em ambiente hospitalar quanto domiciliar.
A prescrição energética e proteica para os pacientes deve ser baseada nas características individuais, como a capacidade de absorção intestinal estimada pela anatomia gastrointestinal e/ou doença subjacente, bem como suas necessidades específicas, como doença aguda e desnutrição proteico-energética.
Os estudos utilizados na elaboração do Guideline mostram pacientes estáveis e bem adaptados com uma oferta de 0,8 – 1,4 g de proteína/kg de peso corporal/dia e 20 – 35 kcal/kg de peso corporal/dia.
O monitoramento pós-alta hospitalar é crítico durante toda TNP Domiciliar, sendo necessários exames bioquímicos e antropometria como parte da avaliação do estado nutricional e do bem-estar geral do paciente.
A ESPEN possui um Guideline no qual abordou em detalhes a Terapia Nutricional para pacientes com falência intestinal. Além disso, a Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (BRASPEN) possui uma série de diretrizes sobre o manejo da TNE e TNP em diferentes patologias.
Nutricionista, clique nos botões abaixo para conferir todos esses materiais!
Patologias associadas
A Síndrome do Intestino Curto é uma das causas mais comuns de falência intestinal crônica, e é definida pela redução da função intestinal abaixo do mínimo necessário para a absorção de macronutrientes e/ou água e eletrólitos, tornando a nutrição parenteral necessária para manter a saúde e/ou o crescimento.
Já a Disfunção Motora Intestinal Crônica caracteriza-se pela incapacidade do trato gastrointestinal de propulsionar o conteúdo intestinal adequadamente, levando a sintomas crônicos ou recorrentes de obstrução intestinal. Pode ser do tipo pseudo-obstrução intestinal crônica (com evidências radiológicas de dilatação intestinal) ou disfunção entérica (quando não há dilatação).
A enterite por radiação é uma complicação grave que ocorre após a radioterapia na região pélvica ou abdominal, na qual há danos no revestimento mucoso e submucoso do intestino que levam a sintomas como estenose, úlceras, necrose e perfuração da parede intestinal. A enterite também pode resultar em estreitamento do intestino, obstrução intestinal e síndrome do intestino curto.
Fístulas entéricas cutâneas, que são conexões anormais entre o trato gastrointestinal e a pele, podem ser outra causa de falência intestinal crônica, que podem ocorrer após cirurgias abdominais ou devido a doenças subjacentes, como a doença de Crohn ou a enterite por radiação.
Além disso, é importante mencionar que o documento aborda a falência intestinal associada à doença hepática e à doença metabólica óssea. Nutricionista, confira essas e outras informações no documento na íntegra, disponível no botão abaixo!
Comente o que achou desse conteúdo, e não deixe compartilhar com os seus colegas Nutricionistas!
Referências Bibliográficas
- Pironi L, Cuerda C, Jeppesen PB, Joly F, Jonkers C, Krznarić Ž, Lal S, Lamprecht G, Lichota M, Mundi MS, Schneider SM, Szczepanek K, Van Gossum A, Wanten G, Wheatley C, Weimann A. ESPEN guideline on chronic intestinal failure in adults – Update 2023. Clin Nutr. 2023 Oct;42(10):1940-2021. doi: 10.1016/j.clnu.2023.07.019. Epub 2023 Jul 29. PMID: 37639741.
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.