O Setembro Amarelo é uma campanha mundial de conscientização sobre a prevenção do suicídio, iniciada nos Estados Unidos em 1994. O movimento foi criado em resposta ao trágico suicídio de Mike Emme, um jovem de 17 anos que era conhecido por sua habilidade em consertar carros e por seu Mustang 1968 amarelo. Após sua morte, amigos e familiares distribuíram fitas amarelas durante o funeral com uma mensagem encorajando as pessoas a procurarem ajuda caso estivessem em crise.
A partir daí, o movimento cresceu e se tornou internacional, culminando na instituição do Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio em 10 de setembro.
No Brasil, a campanha do Setembro Amarelo foi instituída em 2015 pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM).
Desde então, diversas ações têm sido realizadas para sensibilizar a população e promover a prevenção do suicídio – e nutricionistas não só podem como devem se engajar nesta causa, uma vez que são profissionais da saúde que possuem um olhar amplo sobre os indivíduos.
Dados que assustam
O suicídio é uma das principais causas de morte em todo o mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 700.000 pessoas morrem por suicídio a cada ano, o que representa uma morte a cada 40 segundos.
Esses números são ainda mais impactantes quando se considera que para cada suicídio consumado, existem pelo menos 20 tentativas.
As taxas de suicídio variam significativamente entre os países e são influenciadas por fatores culturais, econômicos e sociais. Países de alta renda apresentam taxas de suicídio mais altas entre os homens, enquanto em países de baixa e média renda as taxas tendem a ser mais equilibradas entre os gêneros. A faixa etária mais afetada globalmente é a de 15 a 29 anos, onde o suicídio é a quarta principal causa de morte.
No Brasil, o suicídio também representa uma preocupação crescente. De acordo com o último boletim sobre o tema, aproximadamente 15 mil pessoas morreram por suicídio em 2021 no país, o que equivale a uma média de 38 suicídios por dia. As regiões Sul e Centro-Oeste apresentam as maiores taxas, enquanto as menores são observadas no Nordeste.
Os homens são mais propensos ao suicídio, com uma taxa de mortalidade três vezes maior do que a das mulheres. No entanto, as mulheres tentam suicídio mais frequentemente, o que sugere um padrão de comportamento de busca por ajuda ou métodos menos letais.
Como identificar comportamentos de risco para suicídio?
Identificar comportamentos de risco �� um passo crucial na prevenção do suicídio. Como profissionais de saúde, nutricionistas podem estar em posição de observar mudanças no comportamento e humor dos pacientes que podem sinalizar um risco.
Afastamento social: Um paciente que antes era sociável e agora se isola pode estar em risco.
Alterações no apetite ou peso: Ganho ou perda de peso significativos sem motivo aparente podem ser indicativos de depressão ou ansiedade.
Desinteresse por atividades habitualmente prazerosas: A anedonia, ou perda de interesse em atividades que antes eram prazerosas, é um forte indicativo de depressão.
Discursos sobre morte: Quando o paciente começa a falar sobre a morte de maneira frequente ou expressa sentimentos de inutilidade, isso deve ser levado a sério.
Insônia ou hiperinsônia: Distúrbios de sono são frequentemente associados a problemas de saúde mental.
Fadiga persistente: O cansaço extremo, sem uma causa física aparente, pode ser um sinal de depressão.
Negligência com a aparência: Uma mudança súbita na forma como o paciente cuida da própria aparência pode indicar uma perda de interesse em si mesmo.
Autolesão: especialmente em adolescentes, cortes e queimaduras autoprovocados são um grande sinal de risco.
Como abordar o tema ?
O tema do suicídio é delicado e precisa ser tratado com sensibilidade. Para profissionais de saúde, especialmente nutricionistas que podem não ter um treinamento específico em saúde mental, é essencial saber como abordar essa questão de forma adequada:
• Contrariando o mito de que falar sobre suicídio pode incentivar a prática, estudos mostram que a abordagem direta pode, na verdade, ser uma ferramenta eficaz de prevenção. Perguntar a um paciente se ele está se sentindo sem esperança ou pensando em se machucar não induz esses pensamentos, mas pode abrir espaço para que ele expresse suas angústias.
• A escuta ativa é uma técnica fundamental, onde o profissional demonstra interesse genuíno pelo que o paciente está dizendo, sem julgar ou interromper. Isso ajuda a criar um ambiente de confiança, onde o paciente se sente seguro para falar sobre seus sentimentos.
• Minimizar o sofrimento do paciente ou fazer julgamentos sobre seus sentimentos pode afastá-lo e fazer com que ele se feche. Frases como “isso é besteira” ou “você precisa ser mais forte” devem ser evitadas a todo custo.
• Caso o paciente apresente sinais de risco para suicídio, é fundamental que o nutricionista saiba para quem encaminhá-lo. Psiquiatras, psicólogos e serviços de emergência, como o Centro de Valorização da Vida (CVV) e CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), são os principais recursos disponíveis.
Atenção especial: Obesidade e transtornos alimentares
A obesidade e os transtornos alimentares, como anorexia e bulimia, estão fortemente associados ao aumento do risco de suicídio. Essa relação complexa deve ser compreendida pelos nutricionistas, que frequentemente atendem esses pacientes.
Pessoas com obesidade enfrentam estigmatização social, discriminação e problemas de autoestima, que podem levar à depressão e, em casos extremos, ao suicídio.
Vários estudos encontraram uma relação inversa entre IMC e suicídio consumado, sugerindo que pessoas obesas têm menos probabilidade de cometer suicídio em comparação com pessoas de peso normal ou baixo – entretanto, trata-se de um olhar global para a epidemiologia do suicídio já que a obesidade está associada a um aumento na ideação suicida, especialmente em mulheres e a obesidade grave está fortemente associada a tentativas de suicídio.
Estudos mostram que indivíduos com obesidade grave têm um risco significativamente maior de tentativas de suicídio em comparação com aqueles com peso normal.
Transtornos alimentares são reconhecidos como condições psiquiátricas graves que frequentemente coexistem com depressão, ansiedade e outras doenças mentais.
A taxa de suicídio entre pessoas com anorexia nervosa é alarmantemente alta, sendo estimada em até 18 vezes maior do que na população geral. Pacientes com bulimia nervosa também apresentam taxas elevadas de tentativas de suicídio, muitas vezes devido à impulsividade e à baixa autoestima associadas ao transtorno.
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Os nutricionistas, como profissionais de saúde, têm um papel crucial na identificação e manejo do risco de suicídio entre seus pacientes. Embora a nutrição possa parecer desconectada dos problemas de saúde mental, a realidade é que a saúde é uma dimensão integrada.
Nutricionistas que entendem a complexidade do suicídio e são capacitados para identificar comportamentos de risco podem salvar vidas, seja em um CAPS, em uma unidade de pronto atendimento ou em consultas regulares.
Texto por Felipe Daun: nutricionista, mestre e doutorando pela Faculdade de Saúde Pública da USP. Aprimorando em Transtornos Alimentares pelo AMBULIM IPq-FMUSP. Professor do Instituto Nutrição Comportamental e colaborador da Academia da Nutrição.
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